Francisco Bugalho
Obsessão
"Dentro de mim canta
intenso
Um cantar que não é
meu.
Cantar que fica
suspenso
Cantar que já se
perdeu.
Onde teria eu ouvido
Essa voz cantar assi?
- Já lhe perdi o
sentido,
Cantar que passa,
perdido,
Que não é meu,
estando em mim.
Depois, sonâmbulo, sonho
Um sonho lento,
tristonho,
De nuvens a esfiapar.
E novamente, no
sonho,
Volta de novo a
cantar.
Sobre um lago onde,
em sossego,
As águas olham o céu,
Roça a asa de um
morcego…
E ao longe o cantar
morreu…
Onde teria eu ouvido
Essa voz cantar assim?
- Já lhe perdi o
sentido,
E esse cenário
partido
Volta a voltar
repetido,
E o cantar recanta em
mim…"
in A poesia da “presença”, escolha de Adolfo
Casais Monteiro, Moraes Editores, Círculo
de poesia, p. 288
Casais Monteiro
Dele, escrevia José Régio, em 1960:
“Pela simples vivacidade dos sentidos, ainda Francisco Bugalho não seria o poeta que é; sendo já, sem nenhum desperdício de palavras, um belo pintor da Natureza …
“Pela simples vivacidade dos sentidos, ainda Francisco Bugalho não seria o poeta que é; sendo já, sem nenhum desperdício de palavras, um belo pintor da Natureza …
Os conhecidos
sentidos … multiplica-os, transcende-os o poeta pela sua faculdade de sonhar,
contemplar, cismar, abandonar-se. Eis que a sua comunicação com a Natureza vai
muito além, assim, do primeiro contacto e penetra-a até aos seios do mistério.”
Segundo alguns, é "herdeiro de Fernando Pessoa, ortónimo, pelo
desdobramento do eu ("...os fados em mim mesmo depuseram / Razões de ser e
de não ser, contrárias / Nas emoções que, dentro de mim, cresceram /
Tumultuosas, carinhosas, várias")".
Talvez, por isso, e pela obsessão do "cantar", pela duplicidade do canto e de quem canta, me lembre o poema "Ceifeira", de Fernando Pessoa:
"(...) Ouvi-la alegra e
entristece,
Na sua voz há o campo
e a lida,
E canta como se
tivesse
Mais razões pra
cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem
razão!
O que em mim sente
‘stá pensando.
Derrama no meu
coração
a tua incerta voz
ondeando!
Ah, poder ser tu,
sendo eu!
Ter a tua alegre
inconsciência,
E a consciência
disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A
ciência
Entrai por mim
dentro!
Tornai Minha alma a
vossa sombra leve!
Depois, levando-me,
passai!"
Segundo outros, seria descendente de Cesário Verde.
"Por uma visão que
subjetivamente transfigura a paisagem concreta, (…) em comunhão íntima com a
natureza, (…) e nela encontra a calma e a eternidade (intuindo o que nela
existe de inefável e sobrenatural) ou adquire pelo confronto com a paisagem a
consciência do seu sofrimento dando voz à dor de pensar, à desistência e ao
cansaço.” (infopedia)
(*) Nota biográfica:
"Francisco Bugalho nasce a 26 de Julho
de 1905, no Porto, e morre a 29 de Janeiro de 1949, em Castelo de Vide. Estudou
Direito em Coimbra, aí convivendo com o grupo de escritores presencistas.
Fixou residência no
Alentejo, como funcionário no registo predial de Castelo de Vide. Colaborou em
publicações que marcaram a poesia dos anos 30 e 40, como Presença ou Cadernos
de Poesia. Foi pai do poeta Cristóvão Pavia.” (infopedia)
Nem sempre a visito mas quando venho, gosto sempre.
ResponderEliminarAbraço, M.João.
Gostei muito do poema de Francisco Bugalho!
ResponderEliminarGostei de todo o post. Tenho muita vontade de visitar a casa-museu de José Régio:)
Um beijinho grande :)
Mais uma maravilha em torno da poesia.
ResponderEliminarGostei muito e achei graça ao retrato de José Régio.
Beijinho grato pela partilha. :))
Não conhecia este poeta, confesso. Portugal é a terra da boa poesia. O que sim conhecia são os estupendos versos de Pessoa, ""Ah! poder ser tu, sendo eu/ Ter a tua alegre inconsciencia/ E a consciência disso!..."
ResponderEliminarA foto de Régio é muito "cercana", não encontro a tradução.
Beijinho grande