sábado, 28 de março de 2015

Perto da Páscoa, este soneto de Antero de Quental: "Palavras de um certo morto"


PALAVRAS D’UM CERTO MORTO
Botticelli, Adoração da Madalena, pormenor de "Descida da Cruz"



"Ha mil annos, e mais, que aqui estou morto,

Posto sobre um rochedo, á chuva e ao vento:

Não há como eu espectro macilento,

Nem mais disforme que eu nenhum aborto...



Só o espírito vive: vela absorto

N'um fixo, inexoravel pensamento:

«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento

É isto só... do resto não me importo...



Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia,

Um dia só — no outro, a Idolatria

Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me.



Como se eu fosse alguem! como se a Vida

Podesse ser alguem! — logo em seguida

Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!"


In “Os Sonetos Completos”, 1ª edição, Porto, Livraria Portuense,
 1890, pg. 69 (a grafia respeita a da referida edição)

4 comentários:

  1. É um poema triste.

    Mas eu desejo-lhe um domingo muito alegre e cheio de Primavera!
    Um beijinho grande:)

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  2. ~
    ~ ~ Escrito um ano antes do seu lamentável fim.
    ~Uma perigosa sensibilidade - mórbida e doce.

    ~ ~ Celebremos a ressurreição e uma nova vida
    ~abençoada por Deus, pela Natureza com Amor.

    ~ ~ ~ Dias brilhantes. ~ ~ ~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    .

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  3. O poema é lindo. A Madalena, esta em particular é para mim êxtase.
    Páscoa Feliz!:))

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  4. Estive a ler tudo, quanta fecundidade intelectual em tão pouco tempo!! "Utilizei" o "teu" fragmento de Botticelli no meu post de hoje. Beijinho

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