quinta-feira, 9 de junho de 2016

Não é simples dizer adeus...

No último post disse-vos que ia de viagem. Sim, andei por fora, talvez para esquecer o que sabia inevitável: a morte de alguém muito importante. 
Aconteceu: o meu tio Fausto morreu! 
A viagem, que deveria ser de festa, transformou-se numa visita, triste e saudosa, à minha terra. 

Da Guarda a Belmonte, o Manuel e eu fomos a Portalegre. Queria ver o meu tio, já muito doente. 

o belo jardim de Belmonte


Os campos estavam lindos por toda a parte, cores variadíssimas que iam do amarelo dourado das giestas ao roxo do rosmaninho... e ao vermelho!
De facto, o vermelho das papoilas perto de Estremoz rebentava em cada cantinho de ervas. 
papoilas e Estremoz ao longe
Vim, desolada, da primeira vez. Estava muito doente o Faustinho, muito fragilizado e ausente. 
Mas não queria ficar, ali, à espera do desfecho! Voltámos  para São João. 
Nessa noite mesma, o velho amigo de tantos anos partiu. Nunca mais verei os seus olhos verdes risonhos. Ou cinzentos?... Olhos garços chamava-lhes  a minha mãe.
E voltei a Portalegre para o acompanhar à ultima morada. Morada, onde? Quem o sabe? Gostei que ficasse ao lado do avô João Diogo e da avó Branca. 
Quero apenas acrescentar que foi uma pessoa séria, boa, afectiva, divertida, amigo fiel. 
Caçador que amava os animais, pescador que se divertia a contemplar os rios. E que gostava de ir com os amigos, companheiros da pesca e dos petiscos. Das últimas vezes que foi pescar -contaram os amigos - vendo-o cansado, levavam-no às cavalitas!
Depois, passou a ir com os filhos dos amigos. Finalmente, ia com os netos dos amigos... E eram esses, com certeza, que o traziam às vezes às cavalitas.

Convivia com toda a gente sem olhar às diferenças sociais. Nem às convicções políticas. Homem de esquerda, era admirado e respeitado por pessoas que não tinham as mesmas opiniões. Respeitava os outros. Agnóstico, se dizia ele, mas aceitava a inclinação religiosa da mulher.

Por onde passava, aconselhava com o “saber de experiência feito” de que falou Camões. Viveu com generosidade. Ajudou com a companhia, a boa disposição, o calor humano e a grande inteligência de saber viver cada momento como se fosse o último. Atento à beleza da vida selvagem e à das gentes que ia conhecendo.
A vida dele foi rica. Não foi um homem rico, mas viveu cada momento a tentar o que era justo, e querer a ser feliz, com dignidade, tirando partido das mais pequenas coisas.

Há muitos muitos anos, fui ao casamento dos meus tios. Ficámos ligados para sempre.

Anos mais tarde, os meus tios foram visitar-nos a Itália. Sei que ele gostou dessa viagem e nunca esqueceu os amigos novos que encontrou, de Veneza a Roma. 
tia Nina, tio Fausto e eu (na Serra), nesses anos

Falava -como hoje a tia Nina ainda fala- dos irmãos Bianchini e do Franco Avicolli.
As viagens que fiz com eles, pela Úmbria, pelo Lazio, pela Toscana, são uma recordação mágica. 
Perdíamo-nos sempre, no regresso à caótica Roma. Nunca encontrávamos a saída da via Nomentana que nos levaria ao Raccordo Anulare e, dali, à Via Cassia
Era ele quem ia descobrindo os  caminhos, a rir de todas as situações difíceis, como uma aventura mais. 
a tia Nina e eu, na casa dos meus pais, na Serra

Com a maravilhosa Tia Nina ao lado, na aventura – como o foi sempre a vida deles desde que se encontraram, ele vindo do Alentejo para estudar no Porto. Ela uma bela jovem do Porto. Nunca mais se deixaram!

A vida não se repete, o tempo não volta atrás : a não ser na memória. 
Há pessoas que, porém, nunca desaparecem da nossa lembrança. 


com o meu tio Fausto, Outubro de 2015

Tinhamo-nos visto no ano passado...Vira-o dois dias antes...E agora é o dia do enterro. 
Vou revendo as ruas por onde passámos, até ao cemitério, numa tarde de calor intenso. 
a Fonte da Boneca, perto da Igreja

Amigos, conhecidos, velhos, novos. Um senhor, de muita idade, no seu fatinho castanho coçado, veio cumprimentar a minha tia. Tinha susto no olhar com lágrimas. Disse palavras que ninguém fixou. No olhar dele, porém, estava bem viva a pena que sentia. 
E fiquei a pensar por que razão um grupo de ciganos entrou na Igreja de Santiago e ficou ao fundo, como se estivesse à espera dele. Talvez o conhecessem, quem sabe? Ele girou o Alentejo e conhecia toda a gente! Talvez o quisessem levar para uma viagem como no Grand Meaulnes, de Alain Fournier!


Hoje quero ter a memória dele, junta com a presença dos que partiram: o passado, sim, mas um passado que se leva pelo presente fora, até muito longe! Sem nunca olhar para trás a lamentar.
A figura deste Homem é inesquecível e é no futuro que eu quero continuar a vê-la. No nosso Alentejo!

Fausto Casaca bem merecia uma homenagem da sua terra!

10 comentários:

  1. A Maria João já prestou uma bonita homenagem ao seu tio. Tem um ar tão simpático...bem como a sua tia, que é também uma senhora linda.

    Lindas fotografias que aqui colocou e gostei muito da nova imagem no cabeçalho, cheia de papoilas! Flores de que gosto muito!

    Um beijinho grande e um bom feriado:)

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  2. gostei de tudo o que li e ia sentindo tambem. beijos Jana
    saiu um artigo no jornal Alto Alentejo e tb li um da actual Presidente da Camara , aqui no fb.

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  3. ~~~
    Uma homenagem muito bela, tocante e amorosa...

    Os tios a partir e nós a ficarmos na linha da frente.

    ~~~ Abraço solidário, MJ. ~~~

    ~Ps~
    Acabei por criar um blogue meu!
    Sendo da área científica, hesitei muito...
    Todos são carinhosos, mas continuo muito insegura.
    Talvez queira dar-me uma opinião.

    http://avivenciaravida.blogspot.pt/

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    1. Obrigada a todos.
      Majo, vou com certeza ver já o seu blog! Não desista, faz muito bem à 'alma'!

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  4. É duro ver partir as pessoas que queremos e que só repartiram amor e alegria. Como também não creio no "Além", valorizo muito a passagem por esta vida efémera, que pode ser tão maravilhosa como a do teu tio Fausto!Um beijinho

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  5. Maria João,
    Uma homenagem muito bonita. Deixa-nos sem palavras. Admiro-a pois não sei se conseguiria fazer uma postagem tão bela e serena. O tio viveu em pleno e isso é que importa.
    Beijinhos. :))

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  6. Querida Maria João, nestes momentos, todas as palavras parecem tão poucas...
    Fica a tristeza e o vazio! A saudade... mais do que muita e as boas recordações!
    Bonita e sentida homenagem!
    Um beijinho amigo.:)

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  7. Há pessoas que nunca saem da nossa memória, nunca! Estão sempre conosco, mesmo tendo partido, ainda ficam a conversar conosco, como se estivessem ao nosso lado.
    Entendo perfeitamente Falcão.
    Uma bela homenagem fizestes ao seu tio Fausto. Plena de memórias inesquecíveis e amor.
    Meus sentimentos.
    Beijinhos.

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