Lembrei-me de Marrocos e de
Rabat, onde vivi mais de dois anos. Vida nómada a nossa …
De peripatéticos, diria Aristóteles, que o era a filosofar, a andar sempre dum lado para o outro.
De peripatéticos, diria Aristóteles, que o era a filosofar, a andar sempre dum lado para o outro.
A verdade, porém, é que acabámos por viver bastante tempo em cada um dos lugares : Itália, São Tomé,
Israel, Marrocos!
Um périplo por alguns continentes e vários mundos: cheios de coisas diferentes: gentes,
costumes, línguas, culturas. A riqueza que traz a diversidade dos povos!
A verdade é que me lembrei de Marrocos, talvez devido aos fogos que têm girado o país de Norte a Sul, talvez por ver
as pessoas desesperadas, os socorros entregues aos bombeiros, homens generosos, sacrificados, sem
meios, de olhos perdidos, fatos chamuscados, rostos negros de fumo -como os mineiros! E Marrocos ajudou-nos !
bombeiros, foto do Facebook (Vasco Ganda)
Foram imagens
que me deram vontade de chorar. E, ao ver que, ao lado da Itália, da Rússia e da
Espanha (apenas!), Marrocos tinha mandado dois Canadair novos, prontos a intervir, senti um calor na alma, senti voltar um perfume de
outros lugares – que me fazia bem! Lembrei Marrocos, Rabat, os amigos, os lugares, a paz que ali sentia.
A Medina de Rabat na sua frescura, mesmo nos dias quentes de
Verão, protegida que era por panos, telas, que não deixavam passar o calor.
E revi rostos. Fahtma, Hakima, Hassnâa, Hanane. Recordei pessoas que nos acompanharam ali e conviveram, em nossa casa.
Lembrei a casa onde vivemos, arquitectura de bom gosto, um jardim de sonho, que pertencia a uma jovem mulher bela e inteligente que ficou uma grande amiga!
Lembrei a casa onde vivemos, arquitectura de bom gosto, um jardim de sonho, que pertencia a uma jovem mulher bela e inteligente que ficou uma grande amiga!
E tive saudades dela também.
A medina de Rabat era linda! Coberta por um tecto em vidro, como vitrais transparentes, encastoados em prata.
O cheiro a cominhos e a canela, a curcuma amarela, acre e perfumada, as pimentas coloridas, a paprika, os fiozinhos de açafrão verdadeiro que não têm nada que ver com o pó colorido que se compra por aqui e por ali. O açafrão que é no fundo uma parte da flor, os filamentos…
O cheiro a cominhos e a canela, a curcuma amarela, acre e perfumada, as pimentas coloridas, a paprika, os fiozinhos de açafrão verdadeiro que não têm nada que ver com o pó colorido que se compra por aqui e por ali. O açafrão que é no fundo uma parte da flor, os filamentos…
Medina de Rabat, rue des Consuls
Os vendedores da medina, comerciantes que tudo vendiam, e sempre –mas sempre!- com a eterna discussão do preço: o que constituía um prazer para ele - e um desafio à inteligência do
comprador.
Os barros, os artigos folclóricos para turistas, ou os móveis e as peças maravilhosas, esculpidas em raiz de tuya, as tigelas pintadas de branco e azul, modeladas à mão, os trabalhos delicados em prata, na Rue des Consuls, nas lojas dos judeus que ainda lá vivem.
Ou as djellabas coloridas, espécie de túnicas até aos pés, tecidas em materiais diversos, para homem e para mulher, com capuz ou sem ele, para Inverno ou para Verão - na medina encontrava-se tudo.
Descobri boas fotografias na internet que mostram bem a variedade de tudo o que se encontrava e o colorido da medina!
Muitas das que tirei perdi-as, mas há algumas que re-encontrei e também as ponho...
Ou as djellabas coloridas, espécie de túnicas até aos pés, tecidas em materiais diversos, para homem e para mulher, com capuz ou sem ele, para Inverno ou para Verão - na medina encontrava-se tudo.
Descobri boas fotografias na internet que mostram bem a variedade de tudo o que se encontrava e o colorido da medina!
Muitas das que tirei perdi-as, mas há algumas que re-encontrei e também as ponho...
variedade de tapetes e tajines, os 'tachos' de barro
Foi o escritor Elias Canetti (Prémio Nobel de Literatura 1881) quem respondeu bem a essa pergunta, no seu livro “Vozes
de Marraquexe”,(1954), publicada em Portugal pela editorial Dom Quixote:
“É impossível saber, nas medinas
de Marrocos, qual será o preço justo seja do que for, porque não existe um
preço certo.”
Depende do dia, do ‘mood’ - como se diz hoje- do vendedor, da cara do cliente, da empatia que sentem – ou não-
um pelo outro. E vem o chá quente e perfumado, com sabor a hortelã, em copos de vidro coloridos. E, com o chá, a conversa. O cliente senta-se e falam de outras coisas da vida que até podem ser íntimas.
Conservo o meu tabuleiro de chá, os copinhos de cristal e o velho bule onde a Hassnâa -e depois a Hanane- preparavam o chá.
Conservo o meu tabuleiro de chá, os copinhos de cristal e o velho bule onde a Hassnâa -e depois a Hanane- preparavam o chá.
a Hanane
Deitavam-se umas colheres de chá verde no fundo do bule, uns quadradinhos de açúcar, em cima dos quais se punha um grande ramo de hortelã e se deitava água a ferver. Depois, para não sair por fora dos copos, nem pingar, erguia-se o bule e deitava-se o chá de alto! O chá pode ferver e referver e tem de ser muito açucarado. Em dias de calor, revela-se um bom remédio!
ritual do chá marroquino
Também na medina tomávamos o chá, antes de se negociar. Havia o Yassin e os primos. O Yassin era um grande conversador e falava horas com o Manuel. Gostavam os dois muito de conversar...
"Quantas mulheres tens, mon ami?" Ou: "Então hoje trouxeste a outra mulher?"
Como se o negócio em si não interessasse a nenhum deles. Era um ‘ritual’ de reconhecimento?
Acabava por ser também um prazer para quem comprava! E, se o cliente voltasse dias depois, era com gosto que reencontrava a conversa do vendedor, para quem ele era já “mon ami”.
Que importava saber se o ami não era de verdade ami: havia uma relação, verdadeira essa, que se criava (ou não) e isso era importante para os dois.
Havia outra Rabat, igualmente atractiva: a Kasbah des Oudayas, as suas ruelas, o Café Maure e a vista sobre o Bou Regreb.
Ou a Rabat moderna, com o Mausoléu do Rei Mohamed V, a rua principal, com os cafés e as pequenas praças e jardins. Mas era na medina que tudo parecia tão diferente!
"Quantas mulheres tens, mon ami?" Ou: "Então hoje trouxeste a outra mulher?"
Como se o negócio em si não interessasse a nenhum deles. Era um ‘ritual’ de reconhecimento?
Acabava por ser também um prazer para quem comprava! E, se o cliente voltasse dias depois, era com gosto que reencontrava a conversa do vendedor, para quem ele era já “mon ami”.
Que importava saber se o ami não era de verdade ami: havia uma relação, verdadeira essa, que se criava (ou não) e isso era importante para os dois.
Havia outra Rabat, igualmente atractiva: a Kasbah des Oudayas, as suas ruelas, o Café Maure e a vista sobre o Bou Regreb.
Kasbah des Oudayas
Mausoléu Mohamed V (MJF)
Ou a Rabat moderna, com o Mausoléu do Rei Mohamed V, a rua principal, com os cafés e as pequenas praças e jardins. Mas era na medina que tudo parecia tão diferente!
Mausoleu Mohamed V (MJF)
Havia outras cidades bem diversas da capital de Marrocos. Por uma bela autoestrada, entre campos verdes salpicados de flores e flores amarelas e cor de laranja, na Primavera, chegava-se a Fez.
Fez, entrada da medina (net)
A sua labiríntica kasbah - que chegava a ser claustrofóbica, a vista espantosa que se tem sobre a medina, ao pôr do sol, quando as casas brancas ganham um tom rosado. Nunca vi burrinhos tão bonitos como na medina de Fez!
Fez, imagens da net
E nas mesquitas, os minaretes altos- de onde, ao tombar da noite, se ouviam os 'chamamentos' para a oração, como um coro a várias vozes. E, na Maison Bleue jantava-se bem. Ou comiam-se os bolos de amêndoa com o chá de hortelã.
tabuleiro de chá e bolos (internet)
medina de Fez (MJF)
burrinhos de Fez (MJF)
Fez, entrada e burrinhos (fotos de MJF)
Djema-el-Fna à noite
Ou Marraquexe e a praça Djema-el-Fna, os palácios, a Koutoubia, ou o Café de France onde, de Inverno, no terraço, se bebia uma tigela de 'harira' bem quente, à espera de ver o õr do sol detrás da Koutoubia, e a olhar as tendas e as luzes lá em baixo na praça, e toda a riqueza de cores, de cheiros, de barulhos e de pessoas!
foto MJF
E, na costa, a delicadeza da Cité Portugaise, de El-Jadida,
com a Cisterna Portuguesa do século XVI- que nos aparece como num sonho.
A simpatia das gentes de
El-Jadida, do amigo que, na despedida, nos veio trazer a Rabat um belo cavalo árabe, de
bronze, e uma djellaba com lindos tons de ocre e rosa que, por acaso, trago vestida hoje!
El-Jadida, a Nova, é uma cidade linda sobre o mar. Muitos anos atrás tínhamos passado uns dias em El-Jadida.
vista do hotel, em El-Jadida (MJF)
El-Jadida, a Nova, é uma cidade linda sobre o mar. Muitos anos atrás tínhamos passado uns dias em El-Jadida.
El-Jadida, medina
El-Jadida, ou Mazagão, que foi uma vila portuguesa a partir do século XVI. Onde se fundou a Cidadela e a "Cité Portugaise", onde se construíram belas fortificações e onde, depois de ser 'sala de armas', se criou a maravilha que a Cisterna, em estilo Manuelino, para aproveitamento da água das chuvas.
Cisterna (imagem da net)
Cidadela de El Jadida (imagem da net)
Um trabalho de arquitectura maravilhoso, executado pelo italiano Benedetto da Ravenna e pelos irmãos Arruda, naturais de Évora, e construtores em Portugal de obras como a Torre de Belém, o Forte de São Julião da Barra: Francisco e Diogo Arruda. (*)
Cisterna (MJF)
Ou a costa, recortada, e cheia de areais junto ao mar azul, que vai até Essaouira. Essaouira onde os jovens olham para além do mar e esperam.
Essaouira que, em tempos, se chamou Mogadouro (terra de todos os ventos?) e que, mais tarde, veio dar o nome da nossa Mogadouro, ao Norte de Portugal! E não ao contrário, como se possa julgar!
Para o Norte, no Rif, outras cidades invulgares: há, por exemplo, a cidade azul de Chefchaouen, cidade inimaginável!
Essaouira, olhando para longe (MJF)
Essaouira e o porto, a sua Kasbah e os elegantes arcos das Três Portas.
Três Portas (MJF)
E a medina cheia de coisas bonitas! Tantas obras diferentes em "tuya", a raiz da árvore, quase esculpida em formas e objectos únicos!
porta-cartas,em tuya (MJF)
Essaouira, barcos em reparação (MJF)
Essaouira (MJF)
Essaouira e gaivotas (MJF, 2002)
E a estrada continua para Sul, com areias finas e brancas, ao lado, junto ao mar e os precipícios quando se começa a subir pelas montanhas. Para o Norte, no Rif, outras cidades invulgares: há, por exemplo, a cidade azul de Chefchaouen, cidade inimaginável!
em Chefchaouen
a oliveira centenária em Chefchaouen (MJF)
Chefchaouen azul (MP)
Fora da cidade é o campo. Os que vêm do campo para o mercado, param à entrada, cá em baixo, arrumam as suas camionetes, ou deixam os burrinhos e as mulas, a pastar.
Depois, sobe-se e, de repente, rodeada de serras, o suave azul de
Chefchaouen, a das casas caiadas de branco e azul-clarinho que, ao longe, me pareciam feitas de algodão.
Que dizer mais? Nunca parava de lembrar o que vi em Marrocos. Tanto ficou para dizer!
Chefchaouen, no alto da serra (MJF)
duas meninas de Chefchaouen (MP)
Que dizer mais? Nunca parava de lembrar o que vi em Marrocos. Tanto ficou para dizer!
Um dia, tivemos de regressar a casa. Quero recordar ainda Tânger, que conheci mal - e disso tive grande pena. Tânger acolhedora, e os seus cafés antigos, conheci-a só já de abalada para Portugal.
Mas vejo os cafés, as ruas, a comida, as pessoas e a sensação de estar ‘em casa’ que tudo me dava!
Sim, hoje tive saudades de Marrocos!
Mas vejo os cafés, as ruas, a comida, as pessoas e a sensação de estar ‘em casa’ que tudo me dava!
Sim, hoje tive saudades de Marrocos!
adeus à casa de Marrocos (MJF)
(*) Sobre El-Jadida e a Cisterna Portuguesa: Mazagão foi uma vila portuguesa, em terras marroquinas, sob o domínio da Coroa desde 1486. Era um entreposto comercial. Os portugueses só se instalaram realmente na vila, em 1502.
Em 1514, surgem as fortificações, a chamada Cidadela e, depois, a cisterna que deve ter servido inicialmente de "sala de armas" antes de ser transformada em reservatório de água.
Em 1541, Francisco de Arruda e o irmão Diogo acompanham o italiano Benedetto da Ravenna a Mazagão. Este italiano de Ravenna concebe a bela fortificação da vila.
Em 1514, surgem as fortificações, a chamada Cidadela e, depois, a cisterna que deve ter servido inicialmente de "sala de armas" antes de ser transformada em reservatório de água.
Em 1541, Francisco de Arruda e o irmão Diogo acompanham o italiano Benedetto da Ravenna a Mazagão. Este italiano de Ravenna concebe a bela fortificação da vila.
A Cité Portugaise de El-Jadida foi decretado Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO.
Lindíssimo, oxalá nunca se perca esta cultura tão singular, engolida pelo progresso que tudo glogaliza. Eu estive de visita em Tânger, e adorei. Os marroquinos são muito hospitalários e autênticos, gente simples com uma forma de viver especial.
ResponderEliminarFoste muito afortunada por viajar tanto!
Um beijo
Adorei a leitura. Li como um conto. Um conto verdadeiro!
ResponderEliminarGostei imenso de ver as fotos. E coisas tão bonitas. Perdia-me naqueles mercados; havia de querer trazer de tudo!
Que belas memórias.
E acima de tudo, é bonito recordar o trabalho extraordinário que fazem os bombeiros. São heróis todos os dias.
Um beijinho grande:)
LINDO COMO LIDA TEM SIDO A NOSSA VIDA, MARIA JOÃO, CONTRUÍDA COM OAMOS PROFUNDO E O SONHO DA AVENTURA...MARROCOS FICARÁ COMO UMA DAS MAIS BELAS TERRAS EM QUE VIVEMOS...
ResponderEliminarfalas dos lugares, dos objectos e das coisas como se fossem pessoas. vivas.
ResponderEliminaradmirável.
Ao ler este belo texto fiquei a conhecer um pouco mais de Marrocos, que infelizmente só conheço dos livros de Paul Bowles, autor que admiro.
ResponderEliminarÉ mesmo uma grande riqueza conhecer outros povos, culturas, locais. Imagino os aromas pelas ruas...
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