abertura dos JO, no Rio (bela foto de Marisa Volonterio)
Nesta altura de Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, tempo de desporto, futebol e outras coisas como ameaça terrorista, problemas de crise, "golpe de estado" ainda sem solução... achei
que devia falar do Brasil!Do país amigo, que fica do outro lado do mar, como diz a canção, e ao qual nos ligam tantas raízes, uma ligação íntima feita de coisas boas e de coisas más.
Vou falar das coisas boas que nos levam a nunca esquecer o
Brasil. Quero falar da Literatura maravilhosa, com nomes de nível internacional.
Falo dos mais
próximos (afectivamente), porque gosto de falar do que conheço e gosto.
Estudei
Literatura Brasileira na Faculdade de Letras de Lisboa, com um professor especial, o escritor Vitorino
Nemésio. Assisti a poucas aulas mas senti o fio que o prendia àquela
literatura. Fazia-nos gostar porque 'vivia' o que nos ensinava. tenho pena de não ter assistido a mais aulas! Tinha casado e era aluna 'voluntária' o que significava que não
tinha obrigação de ir às aulas. Não podia, tinha uma filha pequenina e fui estudando em casa.
Então tinha de fazer, apenas, os exames de frequência –geralmente em Fevereiro- e os exames finais, em Junho. Havia ainda a época de Setembro, como hoje haverá. Sei
que me formei um ano mais tarde porque o Manuel se esqueceu de me inscrever nos
exames de Setembro! E por isso não esqueço essa 'época' de Setembro.
Na Universidade, tive de ler “Sertões”, de
Euclides da Cunha e nunca mais esqueci esse autor grande da história das gentes
do Brasil!
Período que faz a transição do Romantismo para o momento Moderno. O Romantismo onde encontrei
os livros de encantar de José
de Alencar, com o seu ‘indianismo’, os heróis índios, guaranis ou tupis: Iracema,
Ubirajara, Guarani, A Pata da Gazela…
José de Alencar, 1828
É uma época
de transição, ainda marcada pelo regionalismo, pelo positivismo, referindo os problemas
sociais, os valores tradicionais, a linguagem coloquial.
Chegamos ao Modernismo (1922-1930), um dos períodos mais importantes da
História do Brasil e de Portugal. Pela importância que teve a 'Semana de Arte Moderna' de 1922. No Brasil. Pelo mundo fora.
Os pintores Anita Malfatti e Cavalcanti e os poetas Mário de Andrade e Oswaldo de Andrade (do Grupo dos 5) participam na Semana
de Arte Moderna de 22.
Anita Malfatti, O Homem Amarelo
Cavalcanti
Chegam
os temas do nacionalismo, da vida quotidiana urbana, mais do que o quotidiano do campo. A
linguagem procura um certo humor, os textos são directos.
Lembro o poeta que
muito amo ainda hoje, Manuel Bandeira (nasce no Recife em 19 de Abril de 1886 e morre no Rio em 13 de Outubro de 1968). Quem não recorda “Essa nega Fulô”?
Conta Jorge Amado no prefácio ao livro de Graciliano Ramos Vidas Secas (Portugália Editora- Contemporânea, s/d):
"Em 1933 rumei para Maceió, onde morava Graciliano Ramos. Era nos tempos heróicos do 'movimento de 30', movimento literário que sucedia ao 'modernismo' somando um interesse real pelo homem brasileiro e seus problemas às conquistas formais da 'Semana de Arte Moderna' (1922). O 'modernismo' processara-se na cúpula dos serões literários, em São Paulo e no Rio, e de revistas de pequena circulação.
Só muitos anos depois o público viria a tomar conhecimento dos grandes nomes de 22."
É um pouco através da acção de Gilberto Freyre que isso vai acontecer, explica Jorge Amado.
"Jovem pernambucano de formação científica (coisa rara no Brasil de então) cujo bom gosto literário e qualidades de escritor já eram evidentes que viu mais dos que os corifeus sulistas do 'modernismo'. À simples revolução estética dos paulistas ele opunha a visão dos problemas nacionais, o conhecimento do homem e do país. O 'movimento de 30' processou-se por assim dizer, no meio da rua, entre o povo. Esta a sua diferença essencial do 'modernismo'."
Só muitos anos depois o público viria a tomar conhecimento dos grandes nomes de 22."
É um pouco através da acção de Gilberto Freyre que isso vai acontecer, explica Jorge Amado.
"Jovem pernambucano de formação científica (coisa rara no Brasil de então) cujo bom gosto literário e qualidades de escritor já eram evidentes que viu mais dos que os corifeus sulistas do 'modernismo'. À simples revolução estética dos paulistas ele opunha a visão dos problemas nacionais, o conhecimento do homem e do país. O 'movimento de 30' processou-se por assim dizer, no meio da rua, entre o povo. Esta a sua diferença essencial do 'modernismo'."
Os
autores do Realismo, Neo-Realismo ou Naturalismo (1930-1945) esses conheci-os
melhor. Os escritores denunciam os problemas sociais, as injustiças, as prepotências. Retomam, como no período anterior, os assuntos de um quotidiano urbano, além, também, dos
assuntos místicos e religiosos.
Machado de Assis
Há uma preocupação de ‘análise psicológica’, também, com o grande Machado de Assis, romancista e contista – um dos maiores escritores da Literatura de língua
portuguesa! As suas “Memórias Póstumas de Brás Cuba” e “Dom Casmurro” são
livros e personagens de grande riqueza que desenvolve numa profunda análise psicológica. Quem não lembra o inesquecível "Quincas berro d'água"!
"Vidas Secas”
E,
depois, como não lembrar logo “Vidas Secas”, de
Graciliano Ramos? Aliás, ele é um dos grandes romancistas do seu tempo!
Estilo bem seco, directo, com uma profundidade que nos leva ao fundo das almas
dos deserdados da terra. Graciliano nasce no distrito de Alagoas, no sertão nordestino, em 27 de Agosto de 1892 e morre no Rio em 20 de Março de 1953.
O escritor Jorge Amado (nascido em Itabuno, Bahia, em 10 de Agosto de 1912, morre São Salvador em 6 de Agosto de 2001) diz no referido Prefácio:
"Em 1933, começa a falar-se de Graciliano Ramos. Maceió -onde ele vivia- era um centro cultural importante (...). Estavam os paraibanos José Lins do Rego e Santa Rosa, a cearense Rachel Queiroz, os alagoanos Jorge Lima e Aurélio Buarque de Holanda."
E mais adiante:
"Pode dizer-se que Graciliano foi considerado um 'clássico' ainda quando era vivo. Escreveu romances Insónia, Angústia, São Bernardo e Vidas Secas."
"Com este último, 'Vidas Secas', retoma o tema que parecia esgotado das secas, do árido sertão de 'retirantes', deu à nossa literatura uma das suas obras-primas, livro de densidade incomum, de raro equilíbrio, de comovente beleza (...) Este sertanejo de Palmeirim dos Índios nasceu clássico, um clássico brasileiro. Sertanejo feito de uma só peça, um carácter, uma consciência. Não foi só um grande escritor, foi um grade homem" (pg 15)(...) Foi extraordinária a sua confiança no povo, sua fidelidade à literatura."
Escreverá outras obras, igualmente importantes, como "Memórias do Cárcere", relato dos anos passados na prisão, por motivos políticos.
Graciliano Ramos
"Em 1933, começa a falar-se de Graciliano Ramos. Maceió -onde ele vivia- era um centro cultural importante (...). Estavam os paraibanos José Lins do Rego e Santa Rosa, a cearense Rachel Queiroz, os alagoanos Jorge Lima e Aurélio Buarque de Holanda."
E mais adiante:
"Pode dizer-se que Graciliano foi considerado um 'clássico' ainda quando era vivo. Escreveu romances Insónia, Angústia, São Bernardo e Vidas Secas."
"Com este último, 'Vidas Secas', retoma o tema que parecia esgotado das secas, do árido sertão de 'retirantes', deu à nossa literatura uma das suas obras-primas, livro de densidade incomum, de raro equilíbrio, de comovente beleza (...) Este sertanejo de Palmeirim dos Índios nasceu clássico, um clássico brasileiro. Sertanejo feito de uma só peça, um carácter, uma consciência. Não foi só um grande escritor, foi um grade homem" (pg 15)(...) Foi extraordinária a sua confiança no povo, sua fidelidade à literatura."
Escreverá outras obras, igualmente importantes, como "Memórias do Cárcere", relato dos anos passados na prisão, por motivos políticos.
Outro grande escritor é José Lins do Rego (3 de Junho de 1901 e morre no Rio em 12 de Setembro de 1957).
Quem melhor do que ele falou dos 'engenhos' e dos escravos das plantações de cana do açúcar : “Doidinho" e "Banguê”, “Usina”, “Fogo Morto” - livros com uma tal humanidade que não se esquecem nunca.
Também Rachel Queiroz que não li muito. Mas cito dois dos seus livros, o seu famoso "O Quinze", sem esquecer a preocupação com a literatura infantil.
E como esquecer Jorge Amado? O “País do Carnaval” um dos seus melhores livros, dizem, sim, mas antes escolho a maravilha dos garotos de “Capitães da Areia” ou "Velhos Marinheiros".
Quem melhor do que ele falou dos 'engenhos' e dos escravos das plantações de cana do açúcar : “Doidinho" e "Banguê”, “Usina”, “Fogo Morto” - livros com uma tal humanidade que não se esquecem nunca.
Também Rachel Queiroz que não li muito. Mas cito dois dos seus livros, o seu famoso "O Quinze", sem esquecer a preocupação com a literatura infantil.
E como esquecer Jorge Amado? O “País do Carnaval” um dos seus melhores livros, dizem, sim, mas antes escolho a maravilha dos garotos de “Capitães da Areia” ou "Velhos Marinheiros".
Outro
grande romancista é Erico Veríssimo que nasce em 17 de Dezembro de 1905 e morre em Porto Alegre, em 28 de Novembro de 1975.
Quantas maravilhas descobri, ainda adolescente, nos seus livros? Poesia, simplicidade, a observação da natureza e dos outros, a adolescência: "Clarissa", "Olhai os Lírios do Campo"…
Quantas maravilhas descobri, ainda adolescente, nos seus livros? Poesia, simplicidade, a observação da natureza e dos outros, a adolescência: "Clarissa", "Olhai os Lírios do Campo"…
E
os poetas? Carlos Drummond de Andrade e a sua delicada poesia intimista.
Ou a escritora Cecília Meireles (nasce no Rio de Janeiro, em 7 de Novembro de 1901 e morre no Rio em 9 de Novembro de 1964) e a sua poesia quase perfeita. E a sua literatura para crianças.
E o poeta Vinício de Moraes, de tantas canções, da bossa nova, o mestre da poesia de
amor! Inesquecível o seu soneto do "Amor total"!
Ou a escritora Cecília Meireles (nasce no Rio de Janeiro, em 7 de Novembro de 1901 e morre no Rio em 9 de Novembro de 1964) e a sua poesia quase perfeita. E a sua literatura para crianças.
Clarice
Lispector, a que vem das perseguições aos judeus na Ucrânia, durante a Guerra Civil, na Rússia (1918-1919), depois da revolução de 1917. Fugitiva, exilada, adaptou-se a outro mundo- tão diferente da sua terra natal .
Clarice Lispector, pintada por De Chirico
Escreveu “Laços de família”, por exemplo, onde recordou tempos idos e se queixou, dignamente, do sofrimento da
partida e da 'não-pertença' com grande capacidade de criação. Dela, ficou-me, sobretudo,
“Perto do Coração Selvagem”, mas sei que há muitos que não li com tanto amor. Não esqueço que a epígrafe de Perto do Coração Selvagem são palavras de James Joyce, outro exilado:
Também li “Sagarana” e “Grande Sertão e Veredas”, de João Guimarães Rosa, cuja leitura me aconselhou a Professora Luciana Stegagno Picchio, em Roma, ela mulher culta e estudiosa da literatura de expressão portuguesa. Mas, apesar de lhe reconhecer valor, é aos anteriores que me sinto mais ligada.
"Ele estava só. Estava
Abandonado, feliz, perto do
selvagem coração da vida."
Também li “Sagarana” e “Grande Sertão e Veredas”, de João Guimarães Rosa, cuja leitura me aconselhou a Professora Luciana Stegagno Picchio, em Roma, ela mulher culta e estudiosa da literatura de expressão portuguesa. Mas, apesar de lhe reconhecer valor, é aos anteriores que me sinto mais ligada.
João
Cabral de Melo Neto (9 de Janeiro de 1920- 9 de Outubro de 1999) com o seu romance “Vida e Morte Severina” - mais outro romancista importante.
É
riquíssima, como vêem, a literatura do Brasil! E a sua variada Cultura também...
É de facto um país apaixonante em muitos aspectos, com uma cultura literária e musical riquíssima. Es geográficamente imenso, anárquico, com uma história cheia de luzes e sombras. Amo muitos dos escritores que referes, senti em falta Josué de Castro, por esse Sete Palmos de Terra e Um Caixão. Aí está tudo, o Sertão, a fome periódica das terras secas, a cana do azúcar, a caça do ouro, a catinga, o pau- Brasil, os senhores da terra...Montes de coisas!
ResponderEliminarUm beijinho
Sim, Maria, também gostei desse grande e terrível livro, mas esqueci-me de o pôr. Vou tentar acrescentar...
EliminarClaro que te é familiar pois sei que gostas dele: Botticelli!
EliminarGostei Muitíssimo do visual. Soa-me muito, mas não sei de quem é, agora mesmo.
ResponderEliminarAo longo dos anos li alguns dos autores referidos neste magnifico texto, sobre a Literatura do país irmão, mas um dos livros que mais me marcou, talvez por ser muito jovem na época em que o li e a leitura ser por vezes nessa época uma actividade subversiva, nunca me esqueci da trilogia de Jorge Amado, "Os Subterrâneos da Liberdade".
ResponderEliminarDesculpe, mas há aqui um lapso: "Morte e Vida Severina" é uma estória em poema.
ResponderEliminarTem toda a razão e agradeço. Confesso a minha falha pois não li o livro...
EliminarConheço todos os autores de que fala, e já li qualquer coisa de todos eles, excepto de Rachel de Queiroz, que acho que não conheço. Vou tentar saber mais.
ResponderEliminarMais um post excelente, que nos ensina e leva a querer saber mais. Obrigada.
Um beijinho grande:)
Que belo Maria, deixo aqui um beijo afetuoso querida.
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