Li, no jornal italiano La Repubblica, em Novembro do ano passado, um artigo em
que se falava do escritor Primo Levi e de David Grossman, ensaísta e romancista israelita. Intitulava-se "Ler Primo Levi". De facto, a temática do escritor é, infelizmente, verdadeira e actualíssima! O homem continua a perseguir o homem. O homem continua a infernizar a vida do homem.
O jornal referia-se à cerimónia
de entrega, em Génova, do ‘Prémio Internacional Primo Levi’, a David Grossman.(1)
Diz o articulista: "Grossman confessa que aprecia Levi desde a leitura de 'Sistema periódico' . Considera que o livro 'Se questo è un uomo' é especial, com uma lição muito importante a tirar."
Grossman
que aprecia Levi desde a leitura de “Sistema periódico”, acha que Se questo è un uomo é um livro muito especial:
“Enquanto o lia, página atrás de página, sentia que o livro deste autor, deste
homem –como me aconteceu com mais três ou quatro- me indicava um modo único e
particular não só de observar a vida mas também de a viver!”
E
refere isto como coisa de grande actualidade, num momento em que o problema dos migrantes
continua a acender-se sobretudo na óptica do acolhimento destes refugiados do
mundo.
No discurso de agradecimento, diz :
‘Se questo è un uomo’ é o livro em que pela primeira vez Levi fala dos quase doze meses no campo de extermínio de Auschwitz. Poderíamos falar horas e dias desta obra, da desorientação que causa no leitor o estilo sóbrio e límpido do escritor mesmo quando descreve os horrores mais terríveis, nunca antes sofridos por seres humanos, o processo de destruição e da perda de qualquer semelhança humana não apenas por parte dos nazis e dos seus auxiliares, como também das próprias vítimas.”
No livro "Il sistema periodico", Primo Levi referira já a passagem por Auschwitz. Esta sua autobiografia é considerada uma das mais belas e originais.
A particularidade é que cada capítulo do livro corresponde a um elemento químico da tabela periódica de Mendeliev que, confesso, não conheço.
‘Se questo è un uomo’ é o livro em que pela primeira vez Levi fala dos quase doze meses no campo de extermínio de Auschwitz. Poderíamos falar horas e dias desta obra, da desorientação que causa no leitor o estilo sóbrio e límpido do escritor mesmo quando descreve os horrores mais terríveis, nunca antes sofridos por seres humanos, o processo de destruição e da perda de qualquer semelhança humana não apenas por parte dos nazis e dos seus auxiliares, como também das próprias vítimas.”
No livro "Il sistema periodico", Primo Levi referira já a passagem por Auschwitz. Esta sua autobiografia é considerada uma das mais belas e originais.
A particularidade é que cada capítulo do livro corresponde a um elemento químico da tabela periódica de Mendeliev que, confesso, não conheço.
Mendeliev e a tabela periódica
na Universidade de Turim, que tem de abandonar pelas "leis rácicas"
Leio na internet que "no capítulo dedicado ao Ouro,
entramos com Primo Levi no Campo de
Aushwitz".
‘Na minha cela também havia um rato. Fazia-me companhia mas, de
noite, mordiscava-me o pão. (…) Sentia-me mais rato do que ele: pensava nos
caminhos nos bosques, nas neves lá de fora, nas montanhas indiferentes, nas
centenas de coisas maravilhosas que, se voltasse a ser livre, poderia fazer, e
a garganta fechava-se como um nó.’
Sabendo que não haveria tempo para relembrar tudo isto, Grossman escolhe "falar do único,
crucial, contacto humano que Levi teve em Auschwitz, com um homem que se
chamava Lorenzo.”
E acrescenta:
Primo
Levi escreve: “a história da minha
relação com Lorenzo é ao mesmo tempo longa e breve, simples e enigmática: é a
história de um tempo e de uma situação hoje apagados por qualquer realidade
presente.
(...)
Reduz-se
a pouca coisa: um operário civil italiano trouxe-me um bocado de pão e os
restos da sua comida todos os dias durante seis meses; deu-me uma camisola
remendada, escreveu – a meu pedido - um postal para Itália e, depois, a minha
resposta a esse postal. Não pediu nada por tudo isto nem aceitou qualquer
recompensa, porque era um homem bom e simples e não pensava que o bem se
praticava para ter alguma paga.”
Tantas
coisas pequenas, quase insignificantes, mas que se revelam essenciais para um ser humano que não esteja dolorosamente ferido e cheio de medo, ao ponto de viver
mecanicamente, apenas para sobreviver de qualquer maneira.
"Num
lugar onde os civis nos olhavam com todos os matizes que estão entre o desprezo
e a comiseração. Éramos como “intocáveis”, marcados talvez por uma culpa
gravíssima para termos sido condenados a tal vida, reduzidos àquela condição, quase
como animais, batidos todos os dias, cada dia mais abjectos aceitando sem nos
rebelarmos, sem um olhar de esperança, de paz, ou de rebelião.”
Lorenzo Perrone
Primo Levi
“Lorenzo era um homem; a sua humanidade era pura e incontaminada, ele estava
fora do mundo de negação em que vivia. Graças a Lorenzo consegui nunca esquecer
que eu próprio era humano também.”
Lorenzo Perrone nasceu em Fossano, em 1904, e ali morre em 1952, alcoolizado, incapaz de "lidar" com o traumatismo do que viu em Auschwitz.
Castelo de Fossano
Primo Levi com amigos, antes
Diz
Grossman: "um simples operário italiano olhou para ele como se olha para um
homem. Recusou-se a ignorar a sua humanidade,
a colaborar com aqueles que queriam apagá-la e, fazendo-o, salvou-lhe a
vida. Quão simples e grandioso foi este seu comportamento. Penso na força de um
olhar benévolo na vida de uma pessoa. Não só nas circunstâncias da loucura
extrema de Auschwitz mas na vida normal de todos os dias.”
Um
olhar, um sorriso acolhedor, podem salvar quem se encontra numa situação
difícil ou, mesmo, desesperada. Lembra a situação trágica dos migrantes no mundo
de hoje. “Este livro ensina-nos a maneira não só de observar a vida como a vivê-la.”
Grossman acaba quase por nos convidar a seguirmos o exemplo de Lorenzo quando olhamos as tragédias dos deserdados de hoje. Olhar bem nos olhos pelo menos um desses refugiados é quase uma obrigação nossa.
Grossman acaba quase por nos convidar a seguirmos o exemplo de Lorenzo quando olhamos as tragédias dos deserdados de hoje. Olhar bem nos olhos pelo menos um desses refugiados é quase uma obrigação nossa.
Nesta
Europa que se fecha, que põe muros e redes de arame farpado ou não, ou que
ignora, desvia o olhar, na indiferença mais completa, criticando-os, cinicamente.
“Que voltem para a terra
deles, eu não tenho nada com isso!”
Todos
somos humanos e temos que ver com o que é humano. “Nada do que é humano me é indiferente” - ou "alheio" - já o dizia Terêncio, que pensava na humanidade "humana".
Não
esqueçam: basta um olhar. Um gesto. Pouca coisa, afinal…
***
(1)David Grossman,
escritor israelita que ganhou no ano passado, em Génova, o Prémio Internacional
de Literatura Primo Levi, artigo em La Repubblica
de 6 de Novembro 2017. O seu último livro “A Horse walks
into a Bar: a novel" saiu em 2017. Muitos livros escreveu. Ensaios. estudos políticos e sociais.
Gostei muito dos livros "The Zigzag kid" e "Procurar na letra amor"...
Gostei muito dos livros "The Zigzag kid" e "Procurar na letra amor"...
(2)https://www.tsf.pt/programa/o-livro-do-dia/emissao/o-sistema-periodico-de-primo-levi--2543142.html
(3) Lorenzo Perrone
nasceu em Fossano, em 1904, e morreu alcoolizado porque
nunca conseguiu ultrapassar o traumatismo que foi assistir à
brutalidade de Auschwitz. Ali se encontrara em 1944 com Primo Levi.
Primo Levi sobrevive ao campo de Auschwitz e, depois da libertação do campo, vai procurar Lorenzo. Encontra-o. Contactam. Tenta ajudá-lo sem conseguir evitar a sua morte. Lorenzo morre em 1952.
Mais tarde,em 1987, o "sobrevivente" Primo Levi, 'vítima retardada da detenção num campo de extermínio', suicida-se na casa de Turim, a cidade onde nascera em 1919.
Depois de recusado por várias casas editoras entre as quais a Einaudi, "Se questo è un uomo" é publicado pela pequena casa editora De Silva, em 1947. Tem pouco sucesso. Só muito mais tarde, nos anos cinquenta, é "descoberto"...
Primo Levi sobrevive ao campo de Auschwitz e, depois da libertação do campo, vai procurar Lorenzo. Encontra-o. Contactam. Tenta ajudá-lo sem conseguir evitar a sua morte. Lorenzo morre em 1952.
Primo Levi, com Roth, em 1986, um ano antes do suicídio
***
O LIVRO:Depois de recusado por várias casas editoras entre as quais a Einaudi, "Se questo è un uomo" é publicado pela pequena casa editora De Silva, em 1947. Tem pouco sucesso. Só muito mais tarde, nos anos cinquenta, é "descoberto"...
Maria João,
ResponderEliminarSim, Primo Levi é um nome a fixar e um autor a ler.
Dos vários livros que possuo dele, inclusive "O Sistema Periódico", apenas li "Se isto é um homem".
Bom fim-de-semana.:)
Todos valem a pena! Era um homem sensível e inteligente... Também li outro " Se non ora quando?" (Se não for agora, quando)
ResponderEliminarBeijinhos
Parece ser que o suicídio não esteve relacionado com a sua passagem por Monowitz, mas nunca se sabe. Medo ao sofrimento e a envelhecer? Detrás do medo há razões que a razão desconhece...
ResponderEliminarHá alguma controvérsia sobre o assunto claro. Ele teve várias depressões, tudo podia ser possível. Quando moorreu, Elie Wiesel disse: "The Nobel laureate and Holocaust survivor Elie Wiesel said, at the time, "Primo Levi died at Auschwitz forty years later".
EliminarSuponho que um pouco disso aconteceu. Monowitz era um dos sub-campos de Auschwitz e, como sobrevivente, tinha um grande sentimento de culpa por ter ficado vivo. O pai da minha aminha Susie Heffez (que esteve em Auschwitz 2 anos) suicidou-se poucos anos depois de voltar à Polónia. Era médico e sentia-se culpado por ser um sobrevivente...