Acabei
de ler hoje um livro que fala das memórias de uma vida passada, de “um viver já
vivido”. E gostei de o ler.
É
disso que trata – e muito bem - o autor:
recuperar a vida vivida e nunca
esquecida, “arrumada” sabe-se lá onde nem como, na nossa memória. Guardada,
segundo o narrador, num pequeno caderno de capa preta, perdido e reencontrado.
A
história é contada na primeira pessoa: o narrador é o que já “viveu” as
memórias, noutros tempos, e é igualmente Daniel, a personagem principal, a
criança, o adolescente e o jovem que ele foi que as “está a viver” no passado.
Esse
debruçar-se do narrador sobre a vida passada como se a estivesse a ver “passar”,
na distância, longínqua no tempo e, no entanto, tão perto do coração, torna o
livro muito vivo, cheio do colorido da memória revisitada.
O
leitor pode acompanhar
essa viagem e observar a vida vivida de um mundo de província, na vila de
Vendas Novas, onde apesar de não ter nascido lá, ali viveu “dois terços da vida”.
A vila ressuscita aos nosso olhos, porque nós nos debruçamos também a “presenciar”
através dos olhos do autor essas “vivências.
Daniel pequenito a entrar para a
escola, adolescente e jovem, acompanhado pelo olhar terno e observador, com um
sorriso por vezes amargo. O primeiro amor, a desilusão. Ela, Ana Lúcia, que
casa com outro. Medo? Hesitação? Desconfiança?
A verdade é que fica um sabor amargo de frustração quando volta à terra passados
uns anos e vê, por acaso, o casamento dela.
Outras cenas revisitadas são
divertidas: os hábitos (simples) da vila, as férias que consistiam muitas vezes
em ir até à ribeira passar um dia com os vizinhos, na carroça do espanhol. E a
aventura “ribeirada” que, como diz, era “a praia dos pobres”.
E é como uma pintura essa lembrança: a
água da ribeira, o pego onde estendem as redes, o mergulho a pescar os peixes
grandes que estavam lá no fundo. E o vizinho, o Sr. Pereira, a chegar com dois
peixes em cada mão e um na boca!
Depois, a história de Don António que
viera fugido de Espanha nos tempos da guerra civil e arranjara uns cavalos e
uma carroça e fazia os transportes na vila, as mudanças.
Ainda as recordações da Feira do Gado,
em Setembro, que era a preferida de Daniel.
A importância dos Bombeiros Voluntários
para organizar bailes, festas.
Depois vem Lisboa, a Universidade, um
mundo novo, os amigos, os desencontros e desencontros, a descoberta da política. O regresso a Vendas Novas: as reuniões na oficina do Armando, as expectativas, as desilusões. As esperanças.
Memórias, René Magritte
Tudo contado num tom em que as
aventuras que o narrador conta – e os seus apartes que vão explicando, juntando
explicações, apresentando os que vão aparecendo.
Leonel Cunha nasceu em 17 de Novembro
de 1935, em Lisboa. “Contudo passei dois
terços da minha vida em Vendas Novas.”
Daí, a necessidade de redescobrir esse
mundo perdido. E “salvá-lo” do esquecimento.
Publicado pela Edições Colibri (Dezembro, 2017) é já o segundo livro do autor. As duas obras debruçam-se sobre a vida na vila de Vendas Novas: “Vendas
Novas das Passagens e dos Passantes – Cenas de uma Vila Tranquila” saiu em
2016, também na Edições Colibri.
Parece ser interessante!
ResponderEliminarA Maria João consegue ler muito. Eu tenho lido tão pouco...Como eu gostava de estar aposentada!
Beijinhos e uma boa semana:)
Gostei de tudo o que li, muito envolvente, sentido e interessante.
ResponderEliminarMaria, apreciei muito, mesmo, saber de António Botto e suas Canções, mergulhei em toda a beleza do poema. Li que ele morreu aqui no Brasil, no Rio de Janeiro. Este foi um dos presentes que você me deu, obrigado!
Também agradeço pelo comentário no meu blog, tão gentil e amável. E então, continuemos, "as duas na procura da beleza... pela vontade de viver a vida "malgré tout", ou da mesma maneira, Antonio Botto cantou: "O mais importante na vida, É ser-se criador –criar beleza."
Um beijo e "abraço no coração".