sexta-feira, 1 de junho de 2018

OS AMIGOS, O SAPINHO JABA E O HEDONISMO...



O Ratinho e o Ouricinho descobriram um novo amigo. Amigo propriamente não sei, mas que é um grande conversador, isso sim. Está sempre a falar. Mete conversa com toda a gente. Até com o Ganesh que veio há uns tempos da Índia, na bagagem da Gui – esse, pelo contrário, silencioso, perfeito contemplador, em meditação constante– pobre deus Ganesh nunca mais teve sossego.  

O sapinho Jaba não se cala nunca e tem uma opinião definitiva sobre todas as coisas. Nunca duvida de si próprio. Costuma dizer aos novos amigos:
- Pensei muito, sou um filósofo, acho eu, e não me venham contradizer. Eu é que sei.

E troca a perna para o outro lado, a fingir que está a pensar.
- Mas só falas de ti! O resto não te interessa!
O Ouricinho Dan perde a paciência com ele a toda a hora.
- Sou a pessoa mais interessante que conheço!
O Ratinho, diplomático, verdadeiro filósofo, cala-se, observa-o e ainda não o “catalogou”.
Costuma dizer que ele não cataloga ninguém e que “cada pessoa é várias coisas ao mesmo tempo e que temos de entrar na pele dos outros para verdadeiramente os entender”.

Bem, isto é o que costumava dizer, agora está hesitante. E reflecte sobre o que há-de dizer.
Para o Ouricinho, o sapo doutor está definido:
- É um convencido e um prepotente. E um narcisista para além disso. Se reparares, Jana, ele só fala dele e das qualidades dele! Ali está, sem fazer nenhum, a dar graxa ao Ganesh.

Eu levantei os olhos do livro, mas não respondi, preferia ouvi-los.
O Ouricinho continuou:
- E é um aldrabão. Há dias, trouxe um peixe da rua e disse que o tinha pescado na praia da Azarujinha. Ora ali nunca vi ninguém pescar nada.


O Ratinho coçou o nariz e disse:
- Ainda não formei uma opinião sobre o Jaba. Mas sobre o peixe tens razão,  era mentira. Não pescou nada. Até porque o peixe era de chocolate!

Eu ri-me a bom rir porque aquele peixe fazia parte duma caixinha de “sardinhas de chocolate” que comprei na Ericeira.
- Grande mentiroso! Quer ser sempre melhor do que os outros.
O Ouricinho protestava mas o Ratinho, pensativo, só disse:
- Quanto a mim, ele é um hedonista.
- Um quê? O que é isso de hedonista? 
O Ouricinho é uma alma simples e sensível mas gosta das coisas claras. É um espírito pragmático mas com muito de poeta, ele também. Só que não escreve versos como o Ratinho.
O Ratinho encostou-se à parece e começou a explicar. Quando explica, o Ratinho faz-se entender, isso é verdade. Porque lê muito e concentrado na leitura.
- Vou ser o mais claro possível. Refiro-me à palavra hedonista, ou hedonismo – que foi uma filosofia, na Grécia antiga que segue a procura do próprio “prazer”. Porque “hedonikus” quer dizer “prazer” em grego. Também lhe chamam “epicurismo” porque….
- E o epicurismo o que é? Fico na mesma. Ó Ratinho, és demasiado intelectual. Despacha-te...
O Ouricinho estava impaciente. A Gatinha japonesa intrometeu-se e deu a sua opinião.
- Vem do nome de Epicuro - um filósofo grego que defendia essa filosofia. E gostava de viver e de ter amigos.
- Ah! E como sabes tu essas coisas e eu não sei?, interrompe o Ouricinho.
A Gatinha não respondeu. Era amiga do Ouricinho e não queria que julgassem que era “inculto”, mas o Ratinho apressou-se:
- Tu és um jovem aprendiz, Dan! Um aprendiz de feiticeiro…
E riu-se com as gargalhadinhas irónicas dele. Era uma ironia boa que não magoava ninguém. O Ouricinho encolheu os ombros:
- Sim disso gosto! Quero ser feiticeiro e saber tudo sem ter de estudar muito!
- Pois é, tu és um preguiçoso! O "epicurismo" é um pouco diferente, continuou o Ratinho, pretende ser um aperfeiçoamento do hedonismo. Não se deve pensar apenas no prazer mas sim na “ausência de dor”. Defender a tranquilidade, a serenidade de espírito.
-Ah, então eu sou um epicurista, um optimista. Gosto tanto de viver. 
O Ratinho olhou em redor e viu o Jaba, que se tinha aproximado devagar e estava caladinho, lá ao fundo, deitado na toalha de praia. Costumava dizer: “Eu sou um solar!

- O epicurismo também se aproxima da escola Cirenaica de Aristipo e de Demócrito.
Aristipo de Cirene

- Eu sei!, disse a Gatinha japonesa. Esse filósofo Demócrito era muito feio e gordo! Vi uma fotografia no livro de História. Dizia uma coisa divertida sobre a felicidade!
O Ratinho recitou: “a felicidade é prazer, bem-estar, simetria e ataraxia.”
- Ataraxia?! Nunca ouvi.
O Ouricinho estava interessado, tinham despertado a sua inesgotável curiosidade sobre as coisas da vida.
- Ouviste, sim. Lembras-te de termos lido aquele poeta que tinha muitos nomes?
Desta vez a Gatinha metia-se a sério na conversa e perdera a timidez.
- Hihihi, riu o Ouricinho. E acrescentou logo:
- Eu sei! Era o Pessoa! Gostava era de não fazer nada, estar a olhar para a água, e com flores nas mãos, a namorar…
O Ouricinho desta vez sabia a resposta. Insistiu ainda:
- Como o Jaba, com rosas!

Ficou feliz quando o Ratinho disse:
- Bravo! É isso: a ausência de inquietação e de preocupações. É ter tranquilidade de espírito.
De repente, o Ratinho voltou-se par a o sapinho Jaba e perguntou:
- Não é assim, Jaba?
Ele atrapalhou-se porque julgava que não tinham reparado que estava a ouvi-los.
- Bem, estou a ouvir-vos indagar sobre essas palavras estranhas que não pertencem à minha filosofia, nem aos verdadeiros problemas da vida.
Abanou a cabeça, com um ar sabido e exclamou:
- Mas é interessante, sim, muito interessante.
Pegou na toalha, virou-lhes as costas e foi falar com o Ganesh que ouvia as suas tagarelices sem responder. Muito provavelmente sem o ouvia.
Os outros amigos ficaram a vê-lo ir embora. O Ouricinho estava espantado:
- Os problemas da vida?
- Sim. É a verdade, foi o que todos eles procuravam: o sentido para a curta vida que vivemos. Como escreveu Bécquer:
“Ao brilhar o relâmpago nascemos,
e ainda o fulgor dura
quando morremos!
Tão curto é o tempo de viver.”

O Ouricinho bateu palmas:
- Muito bem, lindo poema. Não sei quem é o Bécquer, mas gostei.
- Gustavo Bécquer…Hum…
O Ratinho continuou sem se deixar interromper com a ‘saída’ do Jaba, mas hesitava como se tivesse perdido o fio ao discurso.
O Ouricinho disse-lhe:
- Era sobre o hedonismo e o tal Epicuro!
- Esse Epicuro não era aquele que dizia que um grupo de amigos fiéis podia mudar o mundo e serem felizes?
Surpreendidos, olharam os dois para a Gatinha japonesa. Eu intrometi-me, a corrigir a frase.
- A frase não é bem assim mas o sentido pode ser.
E citei a frase completa de Epicuro que é bem bonita.
A amizade dança em volta do mundo, dizendo a todos que acordemos para a felicidade.”
- Mas o que tem o Jaba a ver com isto? Não quis falar com vocês sobre o epicurismo?
- Não!, disseram em coro os três. Ele não quer nada a sério!
- Ele quer é viver a boa vida! E anda a ver se te afastas de nós, julgas que eu não percebi?
Era o Ouricinho indignado. O Jaba fingia não ouvir.
- Eu posso ser apenas um aprendiz de feiticeiro, mas sei quando me querem roubar o lugar. Está sempre atrás da Jana.
Hedonista o Jaba? Talvez. Interesseiro, também. Creio que anda a querer ocupar o lugar deles junto de mim. De facto, todas as manhãs, vai ao pé de mim e encosta-se à chávena, ver-me tomar café. E gosta muito porque eu tenho uma chávena de cores diferentes todos os dias.
- Que lindas cores têm as tuas chaveninhas.

O Jaba é um divertido e leva a vida a brincar. Deitado, seja onde for, de perna cruzada e braços detrás da cabeça, é o símbolo vivo da "quieta vita" e da inconsciência do futuro. Disse ao Ouricinho:
- Não tenhas medo, ninguém roubará nunca o teu lugar!
E acrescentei para o Ratinho também:
- E só vocês é que irão ao Caffè Degli Specchi de Trieste comigo!
Riram-se, talvez mais aliviados.
Agora lá está ele a olhar para o Ganesh  - enfeitado com colares ao pescoço – e o Jaba parece dizer “Meditemos, gente, meditemos.”
Com o ar de que será essa a última coisa que ele fará. 

Bem disposto, alegre, tem na mão a felicidade de viver facilmente a vida – o que é um segredo difícil de aprender.
Deixo-os a falar sobre o Epicuro e vou até à varanda! Dá-me muito que pensar esta varanda.
Há uns ‘migrantes’ que se querem instalar a pôr ovos e criar filhos: os pombos de todas as primaveras. E eu, que me preocupo com os ‘migrantes’ escorraçados do mundo, contradigo-me, a pôr obstáculos a que os pombos venham fazer o ninho nos vasos!

Agora que, há dias, começaram finalmente a romper as florinhas, não deixo entrar aqui ninguém!
Que paradoxo que nós somos: os seres humanos!

10 comentários:

  1. Adoro estas conversas!!

    Este Jaba é um cómico! A pescar peixes...de chocolate!! Isto promete!

    Já me ri com estes diálogos. Eles são tão giros, e a Maria João tem o dom de lhes "dar vida"!

    A imagem nova do blogue é lindíssima!

    Beijinhos e um bom fim-de-semana:)

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    1. Querida Isabel, tu és uma das pessoas que me empurram para escrever! Estas histórias dos "amigos" são sempre a pensar em ti, fica sabendo. Ando pouco motivada para escrever, no entanto é aquilo que mais gosto de fazer. paradoxos...
      Um grade beijo, amiga do coração, fiel como uma rocha!

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    2. Muito obrigada:)))))

      E a Maria João pode crer que eu ADORO mesmo estes bonequinhos e estes diálogos, que contêm muita sabedoria.

      Um beijinho grande cheio de saudades:) e escreva mais vezes. Já tinha saudades de um novo post:)

      Bom fim-de-semana:)

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  2. Uma boa radiografia de alguns rasgos das pessoas, tão diferentes umas das outras como o Ratinho do Jaba ( para mim o mais expressivo ...).
    Outro conceito de felicidade de que gosto é de Camus: "simplesmente a harmonia entre o homem e a vida que leva".
    Beijotes

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  3. ...as flores da varanda estão muito bonitas!

    Beijinhos:)

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  4. Um encanto, uma ternura e um deleite...
    Agradeço estes momentos de leitura extraordinários!
    Beijinhos, MJ.
    ~~~~

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  5. Boa tarde Maria João
    Essas aventuras dão um maravilhoso livro. E se não der, sortudos nós que nos deliciamos com elas ;)
    Beijinhos desde o Alentejo de uma Carlota e um SolPerdido

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  6. Se a Maria João não anda motivada e mesmo assim escreve estas histórias maravilhosas que nos encantam; imagino o que escreveria se estivesse motivada...
    Quanta imaginação, humor, beleza...
    Um beijinho especial.:))

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    1. Querida Cláudia, vocês é que me animam!Bem, e estes "amiguinhos", como lhes chama a Isabel, também. Beijinhos

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