terça-feira, 3 de julho de 2018

HANOCH LEVINE OS MORTOS E OS VIVOS


Hanoch Levine

Interessei-me por Hanoch Levine durante o meu período de vida em Israel. Era um poeta conhecido e amado e um dramaturgo de sucesso. Um dos mais importantes do seu tempo.
Nasceu em 18 de Dezembro de 1943, em Telavive – onde estudou Literatura e Filosofia na Universidade. Morreu em Ramat Gan, em 18 de Agosto de 1999.
Eu estava lá e lembro-me disso. E lembro-me de ter lido na altura, na edição inglesa do jornal Ha'aretz, um poema que muito me impressionou: “Lives of Dead”. 

O poema copiei-o do jornal: traduzi um bocado e guardei-o para usar como epígrafe no que iria escrever – e escrevi - sobre o meu cão Zac, que morreu em 1999, pouco antes de Levine.
As vidas dos mortos

Hanoch Levine começou por ser poeta, depois aproximou-se da linguagem teatral e concentrou-se nas peças de teatro. Ligado ao Teatro Cameri, também trabalhou no Teatro Nacional de Telavive, o famoso Habima
Habima Theatre

Escreveu cerca de 50 peças, 35 das quais representadas. A sua obra teatral inclui comédias, tragédias, textos de cabaret satíricos, peças essas montadas, a maior parte deles, por ele próprio.

Escreveu cinco livros de novelas e poemas e uma história para crianças. Recebeu Prémios não só em Israel, como no estrangeiro – no Festival de Edinburgh, por exemplo. Foi representado pelo mundo inteiro e teve em Israel o Prémio Bialik, em 1994. 
o poeta Hayym Nahman Bialik, em 1923

Considerado um dos mais originais e inovadores escritores da sua geração, o realizador e dramaturgo Hanoch Levin, apesar de muito conhecido em Israel, a verdade é que não existem muitas traduções dele, fora do país.

Em 2003, surge em Inglaterra a tradução do livro:“The Labor of life”.
Recordo-me que aparecia, por vezes, o nome dele nos cartazes do Teatro Cameri, um pequeno e confortável teatro moderno. 

O teatro ficava muito perto da nossa casa, e fomos ver alguns espectáculos ali. As peças eram faladas em hebraico, e os sub-títulos em inglês (neste caso sobre-títulos), corriam numa faixa por cima do palco e dos actores.
Nas suas peças "disseca a sociedade contemporânea, descreve em pormenor a “crueldade, insensibilidade, violência, opressão, intolerância e crueldade”. 
O egoísmo, o esquecimento, a indiferença são constantes: na sua obra, como na vida que vivemos. Já o dizia Tchekhov: “Senhores, como viveis mal!”

 Lives of the Dead: poema épico” fala da vida dos mortos e do seu possível sofrimento.

Lembro a canção de Léo Ferré, com versos de Baudelaire: “les morts, les pauvres morts, ont de grandes douleurs.” As promessas dos vivos e a realidade do esquecimento dos mortos... 

Escreve Hanoch Levine:

“Pensei que connosco fosse diferente.
Quando os médicos disseram ‘Está morto’,
tu desataste num grande choro
e depois foi o silêncio,
não te ergueste num protesto,
não te revoltaste,
significava que tinhas aceitado,
queria dizer: ‘eu vou por aqui, tu vais por aí’…”

Onde, as promessas? Chora-se durante um tempo, sofre-se profundamente – e depois? O esquecimento vem. “Nevermore”, dizia o corvo de E. A. Poe…
Sim, claro: “eu vou por aqui, tu vais por aí’… 
Por necessidade de sobreviver, compreensível, por incapacidade de suportar o sofrimento e a solidão.
Baudelaire, em Les fleurs du mal, cantava o abandono a que são votados  os mortos e as dores ignoradas, o frio, a solidão - como muito bem refere no terrível poema: “La servante au grand coeur”.

A “que dorme o sono último num humilde canto de verdura/Deveríamos levar-lhe algumas flores./Os mortos, os pobres mortos, têm grande sofrimentos./ E quando Outubro sopra o …das grandes árvores/o seu vento melancólico à volta dos mármores,/devem achar os vivos bem ingratos,/ a dormir ao quentinho, nos lençóis,/Enquanto que devorados por sonhos negros,/Sem companheiro de cama, sem boas conversas,/Velhos esqueletos gelados roídos pelos vermes,/ sentem degelar as neves do Inverno.”
Teatro Cameri

E recordo que a propósito do poema de Baudelaire, disse André Suarez: “os 'pobres mortos' somos nós os vivos. Como sofremos nós que estamos vivos!” 

Sobre a obra de Levine, escreveu o crítico teatral Michael Handelzats, em “All About Jewish Theater”:
"Stage anima"

“As suas primeiras obras satíricas e dramáticas causaram profunda impressão na sociedade israelita. ” Porque falava dos defeitos de uma sociedade esquecida da companhia, ignorando e afastando os outros, centrada no próprio "eu".

Sentimos um gosto amargo e doce ao ouvir falar da luta desesperada e cruel, de amor e de ódio, entre os seres humanos.
Hanoch Levine, dirigindo os actores

Que infelizmente existe por aqui, por ali: em todo o mundo, nas as relações humanas:  “a crueldade, a insensibilidade, a violência, o afastamento das pessoas, a opressão, a intolerância e crueldade”.

Léo Ferré

3 comentários:

  1. Gostei de ler o post. Achei muito interessante.
    Beijinhos e continuação de boa semana:)

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  2. Tudo muito certo, é um tema inesgotável. Permito-me acrescentar esta visão optimista da artista Matilde Pérez:"La muerte es un instante. Hasta ese instante todo lo demás es vida".
    E depois o silêncio definitivo...
    Aproveitemos a vida pois.
    Bjs

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    1. Querida Maria, gosto do que escreves porque mostra que estás numa posição de optimismo que me agrada. Penso isso mesmo, como tu, mas nem sempre é fácil...beijinhos

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