sábado, 26 de janeiro de 2019

Os amigos sentem-se esquecidos?


Sempre que há alguma alteração dos hábitos em casa, “eles” sentem-se esquecidos. Mal amados.
“Eles”... já todos sabem a quem me refiro: o Ratinho e o Ouricinho. Não me atrevo a dizer o mesmo da gatinha Japonesa porque ela tem uma cultura diferente e reage de forma mais calma, meditada, sem impulsos incontrolados.

Mas eles!... São logo os seres mais infelizes do mundo. Vão-se pôr à janela de costas, a fingir que estão a comentar o tempo. Não entendem por que os deixo e me preocupo com coisas que a mim interessam e a eles talvez não.

- E nós? Não te interessamos? Ou é o Facebook, ou é o teu livro! Não nos dás atenção. Tens sempre uma razão para nos abandonares.

Ai, Ratinho poeta, meu mimoso, sofres sempre com todas as coisas. Serás tu um masoquista encoberto?, pensei. Pois é, foi o meu livro... Andei distraída...
E, claro, o Ouricinho - que é, de natureza, um brincalhão bem disposto – nestas alturas alinha logo com o protesto do outro e vai atrás do Ratinho, com cenas de amuos para mim.

- Agora que o publicaste bem podes ficar sentada ao pé de nós. A falar connosco. A fazer-nos companhia.
- Sentada a fazer o quê, Ouricinho? Por quê sentada? Eu gosto de andar, de me mexer, mas nunca me esqueço de vocês.

Parei para arranjar fôlego e dizer o que eles precisavam de ouvir:
- A verdade é que as pessoas têm a sua vida própria, que é feita de muitas coisas diferentes, variados interesses e cada um tem os seus... o que não impede que se continue a amar os amigos.
- Que coisas são essas tão importantes que passam à frente dos amigos?, era o Ratinho.
- Não passam nunca à frente. O vosso erro é pensar que um interesse apaga o outro. Os amigos como vocês estão sempre no meu coração.
- Como no filme, não? “Allways in my heart”. Conversas!, resmungou o Ratinho.

É tão complicado este Ratinho quando se trata de se sentir menosprezado por mim - ou quando pensa que não o oiço com atenção.
- Ratinho querido, tu és muito egocêntrico!

O Ouricinho perguntou curioso:
- O que é egocêntrico, Jana? Nunca ouvi...

- Olha, Ouricinho, egocêntrico é aquele que se considera o centro de mundo, o mais importante de todos. O seu “ego” – “ego” que é o mesmo que “eu” - quer abarcar as atenções, o amor, a amizade.

- Assim como um narcisista?, perguntou, com um sorriso malandro, a gatinha japonesa.
- Uma espécie de narcisista, sim. Que se ama a si. Que ama a sua imagem, a imagem que tem de si. E não gosta de ser contrariado. Quer que tudo gire à volta dele: estar no centro da existência de todos!

- Como o Narciso da pintura do Caravaggio, a contemplar-se na água do rio?, insiste a gatinha.

O Ratinho zanga-se.
- Eu não sou esse monstro! Fazes uma caricatura muito feia de mim...  E tu, gatinha, está calada! Já te tenho visto a olhar para o espelho muitas vezes! 
Acalmou um pouco e disse, mais baixinho:
- Claro que gosto que me dêem atenção, mas quem não gosta?! Até tu, Jana! Estavas sempre a falar do teu livro! E. depois, não te calavas com a apresentação...

Envergonhada, porque ele tinha razão, defendi-me:
- Sim, todo gostamos um bocadinho, mas se exagerarmos, podemos ser desagradáveis para os outros que estão à nossa volta.

Senti-me estúpida por estar a fazer aquele retrato inútil e um tanto injusto do Ratinho. Gosta de ser o centro, sim, mas é generoso. Fala mais porque estudou mais do que os amigos, sabe mais e quer ensiná-los...
Acrescentei, com doçura, fazendo uma festinha na cabeça do meu amigo:
- Tu não exageras nunca, está descansado! E sabes muitas coisas.
Riu-se. O Ouricinho saltitava à minha volta, a caminho da varanda.
- Vamos ver as flores novas!
Dentro de casa, tenho uns jacintos cor de rosa magníficos que me ofereceu a Gui! Mas eles queriam ir à varanda...

E a beleza pode atrair o narcisismo e eles, os meus amigos, são belos e, felizmente, são jovens e não guardam ressentimentos contra ninguém. A tristeza depressa desaparece quando tudo volta ao “normal”, todos juntos e a falar de tudo.  E de si próprios. Acontece a todos...
Pelo canto da janela da sala, afastando o cortinado, posso espreitar um pouco da varanda.

E sei que estão lá umas flores novas, uns jacintos azuis, lindos, que a Gui me ofereceu há dias e  cresceram cheios de força. A beleza, sempre a beleza...

2 comentários:

  1. Que bom que apareceram os amigos! Já tinha saudades deles e destas conversas!
    A amizade verdadeira tudo supera! Ainda por cima quando as coisas não são feitas com maldade.
    As suas flores estão muito lindas!

    Beijinhos e um bom domingo!

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  2. Uma história, à colherada, de psicologia dos comportamentos com figurantes catitas e personagens com personalidade.
    Como o Rei-Trovador poderia perguntar: o que levais no regaço?
    - Figos Maduros de Setembro!
    História de pasmar...
    Bj.

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