sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Reler Sigrid Undset

“…pétalas caindo
E pó sobre o alaúde –
Os pássaros estão perplexos.”
(Matsuo Bashô) 


Sigrid Undset foi uma escritora norueguesa que, em 1928, ganhou o Prémio Nobel de Literatura.
retrato de Carl Larsson, em 1908

Antes dela foi Selma Lagerloff, sueca, a primeira mulher a receber tal galardão (1909).
Penso que não foram muitas as mulheres que o conseguiram. Injustiças do destino para com as mulheres? Não do destino, mas sim dos homens.
Recordo uma escritora sarda que o ganhou antes de Sigrid Undset, em 1926, Grazia Deledda. Pouco lembrada -se não mesmo esquecida- no entanto falou muito bem da dura realidade da sua ilha

Há algumas semanas, aqui em casa, falei com a minha amiga Dalit Lahav, tradutora e mulher de Cultura telaviviana, judia de várias origens, entre elas triestina, tendo vivido no Brasil antes de ir para Israel.
Nós tínhamos regressado de Trieste no dia anterior e ela, que estava de passagem por Lisboa, veio ter connosco.

A Dalit é a tradutora dos livros do Manuel para hebraico. Liga-nos uma amizade de longos anos. 
Começámos a falar do avô dela, que nasceu em Trieste, continuámos pela literatura triestina, -de tradição judaica e mitteleuropeia- e acabámos a falar das mulheres que receberam -ou não- o Prémio Nobel.
De facto, comentando o livro que eu estava a ler, “Feliz Idade”, de Sigrid Undset, e lembrando a grande trilogia "Cristina Lavransdatter", andámos à volta das escritoras que tiveram o Prémio Nobel - concluindo que há uma pequena percentagem de mulheres escritoras nobelizadas  - num mar de homens.


Até o Prémio concedido a Nelly Sachs, em 1966, foi partilhado com um homem – por sinal o grande escritor judeu, Y.S.Agnon.
Confesso que não sei quantas foram, mas sei que muitas o teriam merecido e não o tiveram.
Recordo, mais recentemente, a escritora afro-americana Toni Morrison,  que foi a primeira mulher negra - autora de "Beloved" e de outros bons romances - a receber o Prémio.
Também a inglesa Doris Lessing, que pertenceu ao movimento dos escritores da "Angry Generation" dos anos 50/60, recebeu-o em 2007. 
Doris Lessing

Alice Munro

E, mais recente,  a canadiana Alice Munro, cujos contos têm muito interesse, em 2013. Voltando atrás no tempo, lembro outra,  a escritora chilena Gabriela Mistral

Gabriela Mistral

 Ou, ainda, em 1991, Nadine Mortimer, sul africana e defensora de Mandela, que dizia que "escrevia como se estivesse morta", sem ligar ao tempo nem ao espaço em que vivia. 
Nadine Mortimer

***
Voltando à autora de “Feliz Idade” recordo que a novela foi publicada pela Inquérito, em 1940, na colecção ‘As melhores novelas dos melhores novelistas'. É o sétimo volume da colecção.
Os escritores anteriores revelam por parte da editora uma escolha fantástica: o primeiro é Dostoievski e a novela “Está Morta” (La Douce, na tradução francesa), uma das peças de maior dramatismo e poesia que conheço. Segue-se Tolstoi e “Senhor e Servo”, Flaubert e “Uma alma simples”, e  “Zinaida” de Tourgueniev.

Não se enganaram os organizadores da colecção - entre eles Gaspar Simões, um dos melhores críticos portugueses de sempre, que se caracterizava por um gosto crítico apurado que poucas vezes falhava.
Tudo isto é passado, podem dizer. 
É a partir do passado que se tem de dar um passo em frente, para viver o presente e o futuro. Porque, se o não dermos, arriscamo-nos a ficar 'entre cá e lá', parados, imóveis, sem fazermos mais nada (já o dizia John Steinbeck).
A novela, comprado na Feira do Livro, um ano depois de o Manuel e eu termos casado, acompanhou-nos nas viagens que fizemos. Encontrei-o há pouco, na estante da entrada - criada dentro do vão de uma porta comunicando com a sala- junto de outros livrinhos da Colecção da Inquérito. 
Fomos comprando, depois,  outros livros de Sigrid Undset, que teve o condão de me deslumbrar.  Não conseguia largar as imensas páginas das suas obras mais conhecidas: "Olav Aundunson" ou “Cristina Lavransdatter”, sagas nórdicas, que falam da vida de figuras de mulheres corajosa e infelizes. 
"Cristina" é uma trilogia inesquecível! Que não acabei de ler, reservando algumas páginas do fim para um dia mais tarde. Não tive nunca a coragem de fechar o livro para sempre.

A novelinha “Feliz Idade” está muito bem escrita e sente-se passar a vida viva, pulsando entre as páginas que se lêem a correr. 
No fundo, fala apenas do destino de três amigas jovens : Uni, Carlota e Birgit. E das suas grandes esperanças.

 Ah! – dizia-lhes a tia uma personagem de Undset – “é uma feliz idade a vossa, pequenas, tendo toda a vida maravilhosa à vossa frente.”
Feliz idade! Seria feliz aquela idade? Não sei. 
Foi longo e duro o caminho da protagonista, Uni, e das outras duas e nem sempre a felicidade andou por perto.
Uni, a insatisfeita Uni, sonhava ser actriz quando era afinal apenas empregada de escritório. Ensinava uma catrefada de miúdos, por pouquíssimo dinheiro, para poder frequentar lições de teatro. 

Mais tarde, dirá que o tempo passou por cima dela e das amigas sem lhes ter deixado nada.
Carlota, a amiga que tudo ambicionava conseguir, revolta-se contra a vida, contra a rotina do trabalho que abomina – ela que desejava tantas coisas especiais e elevadas! 

Revolta-se contra o tempo que passa, a neve, o frio - a percebe que as expectativas  e os sonhos que tivera não se realizariam.
Detesta as noites infindáveis e os dias curtos, e igualmente a insuportável claridade, a luz que dura até à noite.

"Ah, como as noites são curtas!”, lamenta-se - como antes dissera o contrário: "detesto as noites infindáveis!"

Nada de grande acontece às três jovens mulheres. Impacientam-se porque ~tão grande fora o sonho e tão pouco a vida lhes trazia. O tempo passa e cada dia nada acrescenta ao anterior. 

Existe um destino?” Não sabem, não têm respostas. Queriam mudar de vida, ou, melhor, mudar a vida, queriam ser elas, queriam poder escolher. Exigiam-no. 
"Escolher o amor ou a Arte?", é a dúvida de Uni.

Feliz idade? Vamos ficar assim para sempre?” queixa-se Uni. “Assim” é o facto de pertencerem a uma classe média mas pobre que não lhes permite realizar nada do que sonharam.
Carlota responde: “O tempo passa-nos por cima e ficamos como cadáveres debaixo de água: não vivemos!” 

De facto, o destino de Carlota vai ser trágico.

E Birgit, a pequena Birgit, prima de Uni? Fugira da aldeia à procura dum destino diverso e vai viver na cidade. Tudo corre mal, apaixona-se, sofre a desilusão de ser abandonada e volta para casa da mãe, ao campo. 

Chora no ombro de Uni, dizendo desconsolada e infeliz: “Antes queria não ter nascido…”
Desistências. Desânimos. Desilusões. Desespero.

***
Lembrou-me os livros amargos e revoltados da irlandesa Edna O’Brien, “The country girls  Trilogy". Só que Sigrid  (nascida em 1882) escreve o seu livrinho trágico, em 1940, e Edna (nascida em 1930-) escreve-o muito mais tarde, em 1961-1964.


No entanto, é o protesto de uma voz de mulher (a mesma voz) que exige  a mudança dos costumes, a abertura de um espaço de liberdade para a mulher. 
Edna O’Brien

Alguma coisa mudou na situação das mulheres? Sim, com certeza. Mas o Prémio Nobel, durante estes anos  todos, continuou a ser ganho na sua grande maioria...por homens.



7 comentários:

  1. Deve ser um livro bem interessante. Compreendo o que dizem as personagens. A vida manda mais do que nós.

    Tenho alguns livros da autora, mas ainda não os li e é uma das autoras que quero ler, desde que a Maria João me falou dela. Mas não consegui ainda lê-los.

    Mais um post que adorei ler.

    E estou a ADORAR o seu livro!

    Beijinhos e um bom fim-de-semana, com chuvinha:))

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    1. Obrigada! Aqui está um solinho malandro, ora aparece, ora se esconde...beijo

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  2. Um post sugerente e bem escrito pela minha querida autora de Os Figos de Setembro. As mulheres quase sempre ficaram à sombra do Poder e da Glória, sem por isso deixar de ter vidas plenas muitas vezes. Não citas Pearl Buck, que eu adorei cuando li, há mil anos (não sei se hoje gostaria igual, mas já não tenho tempo para comprovar...)
    Um beijinho grande, grande

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    1. Sim, li e gostei muito dela! Sei que eram uns 4 volumes! Estive quase a pôr o nome dela, mas com a confusão de ir à procura de fotografias, falhei este Nobel! Gracias...

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    2. Para além da Pearl S. Buck, consigo lembrar-me de mais estas:
      - Wislawa Szymborska
      - Elfriede Jelinek
      - Herta Müller
      - Svetlana Alexievich
      Penso que foram apenas 14...

      Maria

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    3. Tens razão, Maria, também vi. Mas só conheço dessas a Pearl Buck e gostava imenso dela! Beijinhos

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  3. Um post carregadinho de referências interessantes para os amantes de literatura.
    O Luís Caetano fez, recentemente, um belo programa na Antena 2, a propósito do romance Saga de Selma Lagerlof, da Cristina Carvalho.
    Bj.

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