sábado, 27 de abril de 2019

FALANDO DE TRIESTE ...OUTRA VEZ!

"Sartine", no Molo Audace(MJF)

Sempre a vontade de recordar. Voltar sempre ao mesmo sítio pode ter os seus inconvenientes. 

Terá…mas, por enquanto, para mim é como chegar a uma casa minha também: sempre o mesmo appart-hotel, no mesmo andar, o 9º, o mesmo quarto com a vista especial sobre o Golfo e parte da montanha do Carso. 
vista da minha janela (foto MJF)
E o mar de dia para dia e de hora para hora diferente nas suas diversas fases: do nascer da manhã aos pores do sol. E os barcos variados que aproam ao porto.

Este ano, juntou-se outro “aspecto” que seria talvez bem dispensável: os grandes barcos que chegam ao porto carregados de turistas. Apesar de não gostar, acabo por me divertir: acordar e ver os barcos de manhãzinha quase a quererem entrar pela janela! (foto MJF)
a "barcolana" (MJF)
 Surgem por detrás dos telhados vermelhos mesmo à frente da janela do quarto. A estrutura branca recorta-se nítida no céu, ora azul, ora cor de chumbo –pois neste Outono o tempo foi particularmente incerto - e é como um mundo novo dentro da cidade.
Imagino os passageiros como formigas a subirem e a descerem em grande actividade, mas quando fui ver o barco de perto, não está lá ninguém – só a brancura do barco fantasma, enorme e com uma risca azul.
De noite, tudo muda. São luzes a brilhar, janelinhas sem fim, correntes de ferro, o radar em cima iluminado, e uma espécie de farol que gira e gira. Senti-me “infantil” como quando ia ver o Circo na Praça do Rossio da minha terra.
(foto MJF)
Houve um dia em que o nevoeiro surgiu, intenso, ao cair da noite. Da janela, vi adensar-se aquela mancha branca que parecia de algodão leve e transparente que como uma mão enorme envolveu a cidade e desceu sobre o mar. 

O barco dos turistas foi  desaparecendo, pouco a pouco, na bruma até ficar tudo branco à frente dos meus olhos. Mal se divisavam os prédios do outro lado da rua. E, tal como veio, se foi. A primeira coisa a aparecer foram os mastros do barco, e seus picos embandeirados. 
Piazza dell'Unità na noite (MJF)

E subitamente uma luz azul forte no céu, com os riscos de cor rosada do pôr-do-sol,  deu um ar misterioso à cidade. As luzes tinham-se acendido e tudo mudara.

O barco felizmente vinha só uma vez por semana e, nas últimas semanas de frio e de "bora" -que tornava as águas do Golfo perigosas- deixaram de vir.

Mas os turistas do barco quase não se vêem passar pela cidade. Ficam, apenas, pela Piazza dell’Unità, ou na esplanada do “Caffè Degli Specchi". 
“Caffè Degli Specchi" (MJF)

estatueta de James Joyce, “Caffè Degli Specchi" (MJF)

O Café fica mais cheio de gentes, de risos e de conversas. E os empregados que eu conheço e são amigos, todos correm dum lado para o outro, carregados de bandejas.
(MJF)
E vejo as minhas amigas a Amarilda ou a Halima e a Fiore agitarem-se sem poder parar: “Ciao, Maria” –dizem, e eu fujo para uma zona mais tranquila. As minhas amigas vêm de fora. Uma vem de Marrocos, a outra dos Camarões e a outra é última é albanesa. 
Costumamos falar as duas de Kadaré, o único escritor albanês que conheço, um bom escritor! Falávamos dos "Tambores da Chuva" que ambas tínhamos lido.


Borgo Cavana (MJF)
Deixo a Piazza com os seus turistas e busco refúgio noutra parte longe do centro. Tanto pode ser o borgo Cavana, nCaffè Life, ou MUG, como ir até ao Canale Grande.

(MJF)

Na zona do Canale Grande, refugio-me no Caffè Stella Polare onde, há muitos anos – muitos mesmo - conheci uma pessoa que me impressionou muito. Já falei dele – o escritor Giorgio Voghera- e dele falarei em breve outra vez.



Caffè Libreria San Marco (MJF)

Ou, mais longe, no Caffè Libreria San Marco, onde além dum café especial ou dum cappuccino - que em triestino se chama "capo" - posso andar à procura de livros, ver quadros, exposições temporárias, um Café de Cultura completo!


Caffè Libreria San Marco (MJF)

Desta vez, fico-me pelos cafés – a verdade é que, em Trieste, passo grande parte do tempo neles. 
o Molo Audace ao entardecer (MJF)

Também, claro, a passear no Molo Audace, ao fim da tarde, para ver as duas meninas, as “sartine”,  a costurarem as bandeiras da libertação de Itália. 

Ou ir até ao Canale e ao Ponte Rosso cumprimentar o James Joyce que por ali anda a todas as horas. Ver o maravilhoso pôr do sol no mar que fica mesmo ao fundo do Canale. (foto MJF)
James Joyce, (MJF)
Este ano a nossa estadia coincidiu com a data dos cem anos da libertação de Itália, no final da Primeira Guerra, com o desaparecimento Império Austro-húngaro a que Trieste pertencera longos anos.
Caffè degli Specchi, (MJF)
Houve festas, desfiles militares, reconstituições de momentos num infinito cortejo que deu a volta às ruas até entrar, quase imperialmente, na Piazza dell’Unità, onde o aguardava o Presidente da República Italiana, personagem de grande simpatia e seriedade. 

Tocaram o belo Hino de Mameli – que sempre me comove. Os “bersagliere” entraram outra vez a tocar os seus clarinetes, sempre a correr e com as penas negras e brilhantes dos capacetes, caídas para um lado.
“bersagliere” (foto da internet)

A quantidade e variedade de fardas coloridas, a beleza e riqueza delas impressionam. Assisti também à passagem da guarda a cavalo, tendo à frente uma elegante jovem cavaleira italiana. 
Caiu a noite e a festa continuou, mas a Praça ficou pouco a pouco silenciosa.
Piazza na noite, foto MJF
E o tempo foi passando, agora depressa de mais pois estava a chegar ao fim da viagem.
 (foto da internet)
Voltámos a casa, deixando para trás o vento que traria depressa a "bora", as árvores de Natal preparadas, grinaldas e estrelas penduradas, de candeeiro a candeeiro, de janela a janela, ou de casa para casa, como no poema de Baudelaire.
Trieste na noite (MJF)

E lá ficou a Piazza de l'Unità, com as duas filas perfeitas de árvores de Natal, cheias de luzes e mais luzes, os mercadinhos organizados debaixo dos arcos da praça, para vender doces, brinquedos e recordações de Trieste. 
"Voltaremos?", pergunto-me. Talvez sim. Talvez não. As imagens estão dentro de nós...

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