quinta-feira, 4 de abril de 2019

A LIVRARIA “SHAKESPEARE AND COMPANY”

O livro “Shakespeare and Company” (1), escrito por Sylvia Beach (sai em 1959), fala das aventuras da conhecida Livraria que abre em Paris, nos anos 20. Precisamente no dia 19 de Novembro de 1919, vai fazer, pois, cem anos. Li este livro numa tradução italiana que saiu o ano passado.
A livraria parisiense mais famosa do mundo. Nas suas vitrinas, obras de T.S. Eliot, James Joyce e, nas paredes, desenhos de William Blake, retratos de Poe, Walt Whitman e Oscar Wilde.

A criadora deste milagre, Sylvia Beach, era uma americana que sonhava abrir uma livraria francesa em New York. Como esse seu desejo, por motivos vários, não se pôde realizar acabou por abrir uma livraria inglesa em Paris, na Rive Gauche, rue de l’ Odéon. Com a ajuda da sua amiga a livreira francesa, Adrienne Monnier.
Percorro o livro à procura de nomes conhecidos: lá estão os americanos Scott Fitzgerald e Hemingway, o irlandês James Joyce com os seus “manuscritos de Trieste”.

 Paul Valéry  André Gide frequentavam a livraria desde os primeiros dias. A escritora Gertrude Stein era também uma amiga das livreiras.
Conta Sylvia Beach: “Um dos nossos amigos era Scott Fitzgerald (...). Gostávamos muito dele, como, aliás todos os que o conheciam."

O autor de The Great Gatsby era, e facto, famoso em Paris. E todos o apreciavam pela sua simpatia e generosidade, quase ingenuidade por vezes. Muitos se aproveitaram dele durante toda a sua vida...
Em Paris, encontra-se com Ernest Hemingway, na Shakespeare and Company e por toda a parte. 
Hemingway vai ser bastante duro com ele no livro  "Paris est une Fête"- The Moveable Feast. Talvez tivesse uma pontinha de ciúmes dele. 
Frequentavam os mesmos lugares, o Hotel Ritz, na Place Vendôme ou o Café Dôme, em Montparnasse. No Ritz existe mesmo um Bar dedicado a Hemingway!
"Com aqueles seus olhos azuis - continua Sylvia Beach - a sua generosa e louca imprevidência, com aquele fascínio de lindíssimo anjo caído, passou como uma visão luminosa, demasiado fugaz, pela rue de l’Odéon, deixando-nos encandeados por um momento.” (p.147)
Demora-se um pouco nesta figura, fala da sua veneração por James Joyce e do terror, misto de timidez, que tinha para se aproximar do Mestre.
Sylvia Beach e James Joyce

Um dia Sylvia e Adrienne organizam um belo almoço em casa delas e convidou Joyce e a mulher, os Fitzgerald e o jovem escritor André Chamson e a mulher.
No meu exemplar do 'Great Gatsby', Scott fez um desenho representando os hóspedes à roda da mesa. Joyce tinha uma auréola em cima da cabeça e Scott estava de joelhos ao pé dele, eu e a Adrienne à cabeceiras da mesa, com caudas de sereias.”
Pobre Scott! Ganhava tanto dinheiro que ele e Zelda (a mulher) tinham de beber rios de champanhe em Montmartre para se verem livres do dinheiro. E, de facto, gastavam tudo sem se preocuparem com o futuro.”
Eram as noites no Ritz e as tardes e noites pela Rive Droite, nas esplanadas de Montparnasse, sobretudo no Dôme.
Café Dôme
Outras personagens – sobretudo Joyce - são aqui lembradas. De facto, foi a livraria "Shakespeare and Company" que publicou o manuscrito de James Joyce, Ulysses, o livro tão contestado com imensas dificuldades em ser publicado, considerado "imoral".
Quando o livro acaba de ser impresso, os exemplares são empacotados e enviados para a Inglaterra, e para a Irlanda, para determinadas pessoas "seguras" - para evitar que a edição fosse apreendida pelas autoridades, como acontecera aos exemplares enviados para Nova Iorque onde, no porto, confiscaram todos os exemplares.
Sylvia e Hemingway e  amigas
Como disse atrás, pela livraria, passava também Hemingway, em Paris depois de uma temporada em Espanha para a publicação do seu livro “Morte na tarde” (Death in the afternoon).

Admirava Joyce e, quando Sylvia lhe expôs o problema, disse apenas: “Dê-me vinte e quatro horas” e no dia seguinte voltou com um plano perfeito para fazer entrar o Ulysses no Canadá  e nos Estados Unidos.
No Canadá foi simples pois não havia medidas contra a publicação do livro. 
O mesmo não acontecia em relação aos Estados Unidos. Daí, um plano rocambolesco que “meteu” um amigo de Hemingway – a quem chamaram 'São Bernardo'. Inspirou-se no que, na altura,  fazia os contrabandistas de bebidas alcoólicas do Canadá para os USA, pois era a época do proibicionismo ( a lei seca).

Um misterioso Bernardo B. durante dias e dias ia passando, no ferry-boat que fazia a travessia, um exemplar, escondido dentro das calças – tal como faziam os contrabandistas. Depois, receando demorar demasiado tempo e vir a ser descoberto, combinou com um amigo e iam os dois no tal ferry-boat com dois livros escondidos: um atrás e outro à frente.

Infinitas as “histórias” que conta Sylvia. E as aventuras! E os problemas de James Joyce com as publicações dos seus últimos livros. Depois de Ulysses, é Finnegan’s Wake que cria problemas.
E chegamos à ocupação alemã. Em 1941, um oficial alemão pára em frente da livraria onde estava exposto o último exemplar de Finnegan’s Wake. Quer comprá-lo, Sylvia não o vende e explica-lhe que é o último e quer guardá-lo. E de facto esconde-o em lugar seguro.
O oficial volta dias depois e quando ela lhe responde que o livro está escondido, responde: “voltarei para confiscar a livraria.”
Nesse dia, de acordo com a proprietária tudo o que existe na livraria é levado para o andar de cima. Livros, cadernos, papéis, luzes, prateleiras, fios, tudo desaparece. Mesmo a insígnia da loja “Shakespeare and Company”.
"Shakespeare and Company" em 2013

Terão vindo os alemães confiscar a livraria? Se vieram, não encontraram nada. A livraria não existia”, diz ironicamente Sylvia. E acrescenta: “Mas por fim vieram prender a proprietária. Passei 6 meses num campo de concentração.”
A partir da saída do campo, vive escondida. O tempo passa, a libertação chega. Um dia volta à sua  rue de l’Odéon. Volta a trabalhar com Adrienne. 
A cidade defende-se. Últimos tiros. Certa manhã, na rue de l’Odéon, ouve chamar: “Sylvia”. Era Ernest Hemingway que passava num jeep, vestido ainda com a farda com que tinha combatido, suja de sangue. 
E o livro termina com esse encontro em casa dela com ele e Adrienne Monnier. A Shakespeare and Company acabara, mas pelo mundo inteiro foram abrindo outras livrarias que se intitulavam com esse nome. Ainda me recordo de uma pequena livraria em Roma que se chamava assim!

5 comentários:

  1. Que interessante!
    Gostei especialmente da história do "desaparecimento" da livraria!

    Não conhecia o título "Finnegans Wake" e fui ver como se chamava em português, mas parece que não existe, pela dificuldade de traduzir um texto intraduzível.

    Estou sempre a aprender, graças ao que leio aqui!

    Gosto da imagem que tem agora no blogue.

    Beijinhos e bom fim-de-semana:))

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  2. Esta é a gente que dá inveja, eu quero ser Sylvia Beach! Um post muito ameno. Por curiosidade, acho que estive com o Quique no café Le Dôme, hei-de comprovar quando tenha tempo, porque fiz foto.
    Como vai tudo por aí? Bom finde, bss

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  3. Li a edição francesa deste livro e gostei bastante, também escrevi sobre ele:-)
    Estive a ler o seu livro, que me foi enviado pela Isabel e adorei as suas memórias / contos, que transformam o seu livro em pura magia, porque ele termina por nos reenviar para a nossa própria infância e respectivas memórias.
    Muito boa tarde!

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    1. Mister Vertigo, muito obrigada por me ter "falado" do meu livro. Fico contente! É sempre uma aposta ...difícil!
      Agradeço à Isabel...
      Bom fim de semana!

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  4. MarJoão,
    Gostei muito de a visitar. Adorei o post. Faz-nos viajar.
    Beijinho e boa Páscoa!:))

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