O
livro “Shakespeare and Company” (1), escrito por Sylvia Beach (sai em 1959), fala das aventuras
da conhecida Livraria que abre em Paris, nos anos 20. Precisamente no dia 19
de Novembro de 1919, vai fazer, pois, cem anos. Li este livro numa tradução italiana que saiu o ano passado.
A
livraria parisiense mais famosa do mundo. Nas suas vitrinas, obras de T.S.
Eliot, James Joyce e, nas paredes, desenhos de William Blake, retratos de Poe, Walt
Whitman e Oscar Wilde.
A
criadora deste milagre, Sylvia Beach, era uma americana que sonhava abrir uma
livraria francesa em New York. Como esse seu desejo, por motivos vários, não se pôde
realizar acabou por abrir uma livraria inglesa em Paris, na Rive Gauche, rue de l’ Odéon. Com a ajuda da sua amiga a livreira francesa, Adrienne Monnier.
Percorro
o livro à procura de nomes conhecidos: lá estão os americanos Scott Fitzgerald
e Hemingway, o irlandês James Joyce com os seus “manuscritos de
Trieste”.
Paul Valéry André Gide frequentavam a livraria desde os primeiros dias. A escritora Gertrude Stein era também uma amiga das livreiras.
Paul Valéry André Gide frequentavam a livraria desde os primeiros dias. A escritora Gertrude Stein era também uma amiga das livreiras.
Conta
Sylvia Beach: “Um dos nossos amigos era Scott Fitzgerald (...). Gostávamos
muito dele, como, aliás todos os que o conheciam."
O autor de The Great Gatsby era, e facto, famoso em Paris. E todos o apreciavam pela sua simpatia e generosidade, quase ingenuidade por vezes. Muitos se aproveitaram dele durante toda a sua vida...
Em Paris, encontra-se com Ernest Hemingway, na Shakespeare and Company e por toda a parte.
Hemingway vai ser bastante duro com ele no livro "Paris est une Fête"- The Moveable Feast. Talvez tivesse uma pontinha de ciúmes dele.
Frequentavam os mesmos lugares, o Hotel Ritz, na Place Vendôme ou o Café Dôme, em Montparnasse. No Ritz existe mesmo um Bar dedicado a Hemingway!
"Com aqueles seus olhos azuis - continua Sylvia Beach - a sua generosa e louca imprevidência, com aquele fascínio de lindíssimo anjo caído, passou como uma visão luminosa, demasiado fugaz, pela rue de l’Odéon, deixando-nos encandeados por um momento.” (p.147)
Em Paris, encontra-se com Ernest Hemingway, na Shakespeare and Company e por toda a parte.
Hemingway vai ser bastante duro com ele no livro "Paris est une Fête"- The Moveable Feast. Talvez tivesse uma pontinha de ciúmes dele.
Frequentavam os mesmos lugares, o Hotel Ritz, na Place Vendôme ou o Café Dôme, em Montparnasse. No Ritz existe mesmo um Bar dedicado a Hemingway!
"Com aqueles seus olhos azuis - continua Sylvia Beach - a sua generosa e louca imprevidência, com aquele fascínio de lindíssimo anjo caído, passou como uma visão luminosa, demasiado fugaz, pela rue de l’Odéon, deixando-nos encandeados por um momento.” (p.147)
Demora-se
um pouco nesta figura, fala da sua veneração por James Joyce e do terror, misto
de timidez, que tinha para se aproximar do Mestre.
Sylvia Beach e James Joyce
“No
meu exemplar do 'Great Gatsby', Scott fez um desenho representando os hóspedes à
roda da mesa. Joyce tinha uma auréola em cima da cabeça e Scott estava de
joelhos ao pé dele, eu e a Adrienne à cabeceiras da mesa, com caudas de
sereias.”
“Pobre
Scott! Ganhava tanto dinheiro que ele e Zelda (a mulher) tinham de beber rios
de champanhe em Montmartre para se verem livres do dinheiro. E, de facto,
gastavam tudo sem se preocuparem com o futuro.”
Eram as noites no Ritz e as tardes e noites pela Rive Droite, nas esplanadas de Montparnasse, sobretudo no Dôme.
Eram as noites no Ritz e as tardes e noites pela Rive Droite, nas esplanadas de Montparnasse, sobretudo no Dôme.
Café Dôme
Outras
personagens – sobretudo Joyce - são aqui lembradas. De facto, foi a livraria "Shakespeare
and Company" que publicou o manuscrito de James Joyce, Ulysses, o livro tão contestado com imensas dificuldades em
ser publicado, considerado "imoral".
Quando
o livro acaba de ser impresso, os exemplares são empacotados e enviados para a
Inglaterra, e para a Irlanda, para determinadas pessoas "seguras" - para evitar
que a edição fosse apreendida pelas autoridades, como acontecera aos exemplares
enviados para Nova Iorque onde, no porto, confiscaram todos os exemplares.
Sylvia e Hemingway e amigas
Como disse atrás,
pela livraria, passava também Hemingway, em Paris depois de uma temporada
em Espanha para a publicação do seu livro “Morte na tarde” (Death in the
afternoon).
Admirava
Joyce e, quando Sylvia lhe expôs o problema, disse apenas: “Dê-me vinte e
quatro horas” e no dia seguinte voltou com um plano perfeito para fazer entrar
o Ulysses no Canadá e nos Estados Unidos.
No
Canadá foi simples pois não havia medidas contra a publicação do livro.
O mesmo não acontecia em relação aos Estados Unidos. Daí, um plano rocambolesco que “meteu” um amigo de Hemingway – a quem chamaram 'São Bernardo'. Inspirou-se no que, na altura, fazia os contrabandistas de bebidas alcoólicas do Canadá para os USA, pois era a época do proibicionismo ( a lei seca).
O mesmo não acontecia em relação aos Estados Unidos. Daí, um plano rocambolesco que “meteu” um amigo de Hemingway – a quem chamaram 'São Bernardo'. Inspirou-se no que, na altura, fazia os contrabandistas de bebidas alcoólicas do Canadá para os USA, pois era a época do proibicionismo ( a lei seca).
Um
misterioso Bernardo B. durante dias e dias ia passando, no ferry-boat que fazia a travessia, um exemplar, escondido dentro das
calças – tal como faziam os contrabandistas. Depois, receando demorar demasiado
tempo e vir a ser descoberto, combinou com um amigo e iam os dois no tal ferry-boat com dois livros escondidos:
um atrás e outro à frente.
Infinitas
as “histórias” que conta Sylvia. E as aventuras! E os problemas de James Joyce
com as publicações dos seus últimos livros. Depois de Ulysses, é Finnegan’s Wake
que cria problemas.
E
chegamos à ocupação alemã. Em 1941, um oficial alemão pára em frente da livraria
onde estava exposto o último exemplar de Finnegan’s Wake. Quer comprá-lo, Sylvia não
o vende e explica-lhe que é o último e quer guardá-lo. E de facto esconde-o em
lugar seguro.
O
oficial volta dias depois e quando ela lhe responde que o livro está escondido,
responde: “voltarei para confiscar a
livraria.”
Nesse
dia, de acordo com a proprietária tudo o que existe na livraria é levado para o
andar de cima. Livros, cadernos, papéis, luzes, prateleiras, fios, tudo
desaparece. Mesmo a insígnia da loja “Shakespeare and Company”.
"Shakespeare and Company" em 2013
“Terão vindo os alemães confiscar a livraria?
Se vieram, não encontraram nada. A livraria não existia”, diz ironicamente
Sylvia. E acrescenta: “Mas por fim vieram
prender a proprietária. Passei 6 meses num campo de concentração.”
A
partir da saída do campo, vive escondida. O tempo passa, a libertação chega. Um
dia volta à sua rue de l’Odéon. Volta a
trabalhar com Adrienne.
A cidade defende-se. Últimos tiros. Certa manhã, na rue de l’Odéon, ouve chamar: “Sylvia”. Era Ernest Hemingway que passava num jeep, vestido ainda com a farda com que tinha combatido, suja de sangue.
E o livro termina com esse encontro em casa dela com ele e Adrienne Monnier. A Shakespeare and Company acabara, mas pelo mundo inteiro foram abrindo outras livrarias que se intitulavam com esse nome. Ainda me recordo de uma pequena livraria em Roma que se chamava assim!
A cidade defende-se. Últimos tiros. Certa manhã, na rue de l’Odéon, ouve chamar: “Sylvia”. Era Ernest Hemingway que passava num jeep, vestido ainda com a farda com que tinha combatido, suja de sangue.
E o livro termina com esse encontro em casa dela com ele e Adrienne Monnier. A Shakespeare and Company acabara, mas pelo mundo inteiro foram abrindo outras livrarias que se intitulavam com esse nome. Ainda me recordo de uma pequena livraria em Roma que se chamava assim!
Que interessante!
ResponderEliminarGostei especialmente da história do "desaparecimento" da livraria!
Não conhecia o título "Finnegans Wake" e fui ver como se chamava em português, mas parece que não existe, pela dificuldade de traduzir um texto intraduzível.
Estou sempre a aprender, graças ao que leio aqui!
Gosto da imagem que tem agora no blogue.
Beijinhos e bom fim-de-semana:))
Esta é a gente que dá inveja, eu quero ser Sylvia Beach! Um post muito ameno. Por curiosidade, acho que estive com o Quique no café Le Dôme, hei-de comprovar quando tenha tempo, porque fiz foto.
ResponderEliminarComo vai tudo por aí? Bom finde, bss
Li a edição francesa deste livro e gostei bastante, também escrevi sobre ele:-)
ResponderEliminarEstive a ler o seu livro, que me foi enviado pela Isabel e adorei as suas memórias / contos, que transformam o seu livro em pura magia, porque ele termina por nos reenviar para a nossa própria infância e respectivas memórias.
Muito boa tarde!
Mister Vertigo, muito obrigada por me ter "falado" do meu livro. Fico contente! É sempre uma aposta ...difícil!
EliminarAgradeço à Isabel...
Bom fim de semana!
MarJoão,
ResponderEliminarGostei muito de a visitar. Adorei o post. Faz-nos viajar.
Beijinho e boa Páscoa!:))