quarta-feira, 18 de abril de 2012

Voltarão as "maias", como as andorinhas, na Primavera?




Quando chega a Primavera, lembro as “Maias” da minha terra. Da infância há coisas que recordo como se tivessem sido ontem mesmo. O canto da janela onde brincava, a janela do meu quarto...

Por essa janela, via os espaços abertos, a Serra e os pinhais em carreirinhos até lá acima... E o céu que me parecia de um azul fora do vulgar. 


andorinhas (da net)

Depois, na Primavera, eram as andorinhas cruzando os espaços, ou os pássaros que passeavam nos  telhados do lado de lá da rua, saltitando nas telhas cheias de ervas.

Fascinavam-me os chilreios, a alegria, e aquele movimento todo, apoiada nos braços, a olhar para lá janela.

andorinhas, foto de Isabel Vaz

Ao menor barulho, corria à janela, apesar de estar proibida de me debruçar sozinha. Quando as andorinhas começavam a fazer os ninhos eu não parava! Tinha o hábito de me empoleirar nas cadeiras, nos braços da poltrona para espreitar. Um dia a minha tia Nina apanhou-me numa dessas situações. Contou-me, depois : “Foi a única vez que te bati, rata-china!Quando te tirei dali, com o rabiosque empoleirado quase no parapeito, dei-te uns bons açoites.”


a "rata-china"

Desde pequenina que a ouvi chamar-me afectuosamente  assim, porque eu tinha uns olhos chineses e parecia uma ratinha curiosa, diz ela. Mas eu queria falar das "maias" de Portalegre! 

De repente, em Maio, vinha, lá do fundo da minha rua,o canto gritado das pequenas “maias” que subiam a rua, cheias de flores e de música.
flores da minha varanda

Edward Munch, Primavera (1890)

Flores, cantigas, alegria. Aquelas meninas pareciam vir das festas pagãs da cidade, dedicadas aos deuses das flores e à Primavera: enfeitadas com colares e pulseiras de malmequeres amarelos e rosas na cabeça, emocionavam-me e eu punha-me a cantar com elas.


Vincent Van Gogh, "Jarra com malmequeres"



“Ó Maia ó Maia,
Ó Maia das cachopas...
Pr'onde vai a Maia?,
Vai por essas barrocas...
Ó minha senhora, 
venha lá à janela
Venha ver a Maia
Que parece uma donzela...”


Segundo uma lenda da minha terra, havia uma Maia pastora, um pastor Tobias que eram jovens e felizes. Um dia, um vagabundo veio e, invejoso da beleza e da juventude deles, mata-os. Verdade? mentira?


desenho duma aluna
(Escola de Monte Carvalho, Portalegre)


A beleza e a poesia da Maia ficou... Para mim, chegava todos os anos, com as andorinhas!

Era a beleza, a poesia e a pobreza que se uniam. Sim, porque as maias da minha infância eram meninas pobres, vestidas com velhos vestidos das mães ou das irmãs, descalças, mas que as flores da Primavera, colhidas frescas nos campos,  tornavam novos e belos...

Contava-me a minha mãe que, em Alegrete, gostava de andar a colher os malmequeres amarelos, em volta da vila. Contava-me que ali lhes chamavam “boninas”...

"Os malmequeres vivem em todas as terras, a todas as latitudes", pensava eu...


malmequeres da "taiga" russa na minha varanda


As meninas de Alegrete, vila na altura muito pobre, gostavam de ir atrás da minha mãe e enchiam os braços de flores, como ela. Faziam-se coroas perfumadas com as minúsculas florinhas da "camomila". E raminhos de papoilas, que atavam com um laço, e ofereciam à minha mãe.

papoilas 


Só muito mais tarde soube que aquelas florinhas brancas e perfumadas eram, afinal, a camomila...

Maurice Denis, menina do campo com uma galinha

Pequenas "maias", meninas de todos os tempos...

Ainda haverá “maias” pelas ruas da minha terra? Ou só já há desfiles "para o turista ver"?...



Nota: O desfile das Maias é uma tradição infantil praticada em Portalegre há muitos séculos com a qual se pretende festejar o início da primavera.
Maia é uma menina a quem vestem de branco e enfeitam de malmequeres amarelos, confeccionando com os mesmos, cordões, pulseiras, brincos e coroa para adorno do cabelo.
Durante o mês de Maio as crianças reúnem-se , pegam na orla da saia, e percorrem as  ruas da cidade, cantando:

Ó minha senhora
Chegue lá à janela
Para ver a Maia
Que parece uma donzela.
Ó Maia ó Maia
Ó Maia das cachopas
Onde vai a Maia
Vai por essas barrocas

a lenda da Maia,  contada por uma aluna do ensino básico:



11 comentários:

  1. Essa varanda de flores, anda a tirar o fôlego, dão vida, dão alegria.

    bjs nossos

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  2. Que lindo post! Adorei tudo. (obrigada por colocar a foto das andorinhas num post tão bonito )

    Sabe que quando comecei a trabalhar, algumas das primeiras aldeias onde estive, também tinham a tradiçao das Maias.Só me recordo que estava associada à chegada da Primavera: o costume de apanhar as maias e depois fazer colares e coroas para o cabelo.

    Gosto de ouvir as suas histórias de infância.
    Então era como uma ratita curiosa? E havia tanto para descobrir naquelas casas antigas, nos espaços que se podiam explorar descontraidamente...
    Não é como agora, que a maior parte das crianças vive fechada num espaço pequeno e não podem brincar na rua.

    Já espreitei os links que aqui colocou. Gostei.

    Um beijinho com carinho

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  3. Sempre aqui venho aprender.

    As Maias,cá para o Norte,ainda não abriram,estão em botão.
    Há uma giesta,muito mais rara,que também dá flor amarela,e vem um pouco mais cedo.
    Distinguem-se,porque,esta mais temporã,é de folha caduca,e as flores são comestíveis,fazem-se alcaparras,ao contrário das maias que são tóxicas.
    Todas vêm com a Primavera.

    Cordial abraço,

    mário

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  4. Houve um ano em que assiti às Maias em Portalegre. Gostei tanto, era dia de festa, era a festa da cidade, era calor e lembro-me do cheiro das coroas de malmequeres das meninas.
    Adorei este post, as flores, as andorinhas, tudo.
    Obrigada!:)
    Beijinhos. :)))

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  5. As maias na sua simplicidade branca, na fragilidade das suas pétalas, algumas com um olho castanho no fundo, são como flocos de neve, enormes, a branquearem o verde forte e viçoso das primaveras,

    Ficam lindas as encostas da "nossa" serra, com as maias e as giestas a competirem na profusão... e as papoilas, claro, como gotas de sangue vivo a darem mais cor à vida.

    Abraço

    Raul

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  6. Que legal poder conhecer um pouco da cultura regional com você.Lindas imagens a que você postou, principalmente as de Munch e Van Gogh.

    Abraços!!

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  7. Sim, sim, sim!
    De quem é a aguarela naïf tão linda, é tua?

    "Volverán las oscuras golondrinas
    en tu balcón sus nidos a colgar, y otra vez con el ala a sus cristales
    jugando llamarán;
    pero aquellas que el vuelo refrenaban
    tu hermosura y mi dicha al contemplar,
    aquellas que aprendieron nuestros nombres...
    esas..¡no volverán!

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  8. Si, las golondrinas volverán!
    Tão bonito o poema, Maria.
    A aguarela não é minha, é de uma meninda da Escola. Vou já pôr a legenda...

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  9. Estes famosos versos são de Gustavo Adolfo Becquer, um poeta "romântico tardio" que em Espanha é toda uma instituição.
    Mudaste a foto! Vais de combóio?
    Feliz primavera,beijos

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  10. Como sabes que vou de comboio? por acaso até ia para o Porto...
    Os versos de Becquer são lindos. Não os identificava se não me dissesses...
    beijinhos

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  11. Muito obrigada pela sua dedicatória, Maria João, sensibilizou-me muito. E por ter referido que achava o céu da nossa terra mais azul que noutros lados, lembrei-me que o seu pai, num postal que nos escreveu da Alemanha e que é capaz de estar para aí guardado nas minhas gavetas ( talvez na casa de Portalegre) disse que tinha saudades desse azul " absoluto". É assim que o vejo, absoluto. Beijinhos e obrigada.

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