sexta-feira, 22 de junho de 2012

Lembrando Raul Brandão, um grande escritor, o livro "Os Pescadores" e a sua paixão pelo mar!



Se eu fosse pintor, passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas todas variadas, com tintas novas e imprevistas".

William Turner, "pescadores no mar"

(In Os Pescadores, “Pequenas notas”, Pores do Sol)

William Turner, "tempestade"



"Se fecho os olhos sinto logo esta mão áspera e enorme que me leva na noite húmida e cerrada. não vejo o mar, mas envolve-me e penetra-me o hálito salgado e ouço--lhe ao longe o clamor. no primeiro plano ecoa o desabar ininterrupto, depois, lá ao fundo distingo outra voz mais rouca e para além um lamento que não cessa (...)"


in "Os Pescadores", Ida ao mar, 5 de Setembro 1920

“Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador. Depende do mar e vive do mar: cria-se no barco e entranha-se de salitre. Desde que se mete à terra, o poveiro modifica-se: perde em agilidade e equilíbrio, hesita, balouça-se e não sabe onde pôr os pés.”

Ilya Repin, "barqueiros do Volga"

"Os Pescadores", De Caminha à Póvoa, 21 de Setembro 1921

O escritor Raul  Brandão nasceu em 12 de Março de 1867, na Foz do Douro, filho e neto de pescadores. E  morreu em Lisboa, em 1930.


Raul Brandão e a mulher, pintados por Columbano (1928)


"Os Pescadores"  falam do mar: a força do mar, o amor ao mar, a irresistível atracção que o mar exerce sobre quem vive à beira dele!

Dedica o livro:  "à memória do meu avô que morreu no mar". 


edição da Verbo, 2009

É o mar que perpassa pelo livro, zunindo como o vento, gelado. Com o cheiro do mar, as suas  cores do verde, ao cinzento, ao azul, as gentes do mar, a força, a coragem e o medo quase irreal daquele inimigo que lhes dá a vida!

Estes contos - poderemos chamar-lhe contos? Que importa isso?- perfeitos, de grande intensidade dramática, de rostos agrestes e de vozes que gritam e sofrem e que a nossa imaginação "recria" e "vê" e que são quadros cheios de sombras e de luz e de azul!

"A Morte do Arrais", "Alguns tipos", "Berlengas", "A ida ao mar", "Palheiros de Mira" são momentos inesquecíveis!

O livro reúne pequenos textos que falam do mar de Norte a Sul de Portugal. Da Foz do Douro, a Mira, a Olhão, Peniche, Sesimbra, Aveiro, não há um pedacinho de Portugal à beira-mar que o autor não tenha visto. 

E escreve sobre o que viu. Do bem e do mal.

Diz ele, na "introdução": 

“Quando regresso do mar venho sempre estonteado e cheio de luz que me trespassa. Tomo então apontamentos rápidos – seis linhas- um tipo- uma paisagem. Foi assim que coligi este livros, juntando-lhe algumas páginas de memórias.

Por isso, por esse "estonteamento e luz" que traz do mar, nunca esqueci a história pungente dos filhos da Maria da Sé (in “Alguns tipos”) que ficam no mar, um ainda quase uma criança.


William Turner, "naufrágio"

Sempre que leio o pequeno texto comovo-me da mesma maneira como quando ouvia os meus alunos lê-lo, nas aulas.

 E vem a angústia daquela Maria da Sé, mãe como outras mães, quadro que o autor nos “pinta” de tal modo que não nos sai dos olhos, errando pela praia, no final.

A Maria da Sé ficou viúva, com dois filhos que faziam grande diferença de idade. Um andava na catraia d o Manuel Jacinto, mas ao mais pequeno não o deixava ela ir ao mar.
- Não, tu não vais...(...)  Custaste-me muito a criar. Hás-de perder o sêstro.
Mas ele não perdia o sêstro. O mar atraia-o irresistivelmente.”
(...)
“Um dia vai na nova catraia que tinham lançado ao mar. O irmão mais velho promete:
- Deixe-o ir comigo. Na minha salvação que lho trago. Eu respondo por ele.
E o pequeno, de olhos muito abertos, numa ânsia de ir ao mar, como o pai, como os irmãos, como os homens:
- Mãe, deixe-me ir.
Foi, foi muitas vezes, até que lá ficou com a catraia na barra.”
(...)
Turner, "naufrágio à entrada de Calais"

Apareceram no cabedelo, unidos um ao outro. O mais velho erguia nos braços o mais pequeno procurando salvá-lo.”
(...)

Como diz o povo, citado por Raul Brandão, a vida do homem do mar é dura e a terra é mais madrasta do que mãe...

E o mar? Do mar, essa nebulosa, ele não diz nada de mal...
Aqui ficam os versos...
barcos em terra (foto de MJF)



Adeus, ó terra de Olhão,
Cercada de morraçais,
És a mãe dos forasteiros,
Madrasta dos naturais.”


As fotografias ao cimo da página:


1." pôr do sol" , de DLC in "arquivo fotográfico)
2. " pôr do sol", de MJF

3 comentários:

  1. Saiu, há pouco tempo, uma nova edição de "As Ilhas Desconhecidas: Notas e Paisagens" do Raul Brandão mas ilustrada com fotografias excelentes da autoria de Jorge Barros.
    Merece!
    Beijos e bom fim de semana,
    Raul

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  2. É dura a vida dos pescadores, cheia de incertezas.

    Gostei muito do texto, das fotos (especialmente da 2ª) e das pinturas escolhidas.
    Comprei o livro há tempos, mas ainda não o li.

    Um beijinho grande

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  3. Raúl Brandão é um excelente escritor, dos melhores... E, Os Pescadores é uma obra fantástica.
    Beijinhos e bom fim-de-semana.

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