quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Vincent Van Gogh, o imortal!


Auto-retrato, no atelier

A propósito de duas exposições que abriram há pouco na Pinacoteca de Paris: “Van Gogh, sonho do Japão” e “Hiroshige,  a arte da viagem”, pensei uma vez mais no pintor mais amado do mundo, atrevo-me a dizer...

Quem era? O que desejou? O que perdeu? O que ganhou?

Desde pequena, são os quadros dele que me atraem, nas estampas que via enquadradas nas paredes da casa dos meus pais: “Os girassóis”, por exemplo, e uma paisagem de árvores castanhas, de ramos como loucas.


Van Gogh seguiu-me quando, mais tarde, comecei a “perseguir” o impressionismo.
E vêm outros: Pissarro, Manet, Monet (o mais próximo de mim), muito Renoir, Cézanne, Degas.

Que importa isso?, é de Van Gogh que queria falar.

Voltei a pegar num livro sobre a sua vida, livro muito humano, escrito com respeito e amor: “Le secret de Van Gogh”, de Pierre Maurois. 




E  reli algumas cartas da sua correspondência com o irmão "Lettres à Théo" (Gallimard, L'Imaginaire, 1956).

Auvers e a sua Igreja, 1890

Choupanas em Auvers, 1890

Van Gogh, "o artista que a tristeza venceu", diz o autor a certa altura. A 27 de Julho de 1890, depois de ter disparado uma bala no peito de que vai morrer a 29 de Julho, na madrugada. E que deixou, do ano em que morreu, tantos quadros cheios de cores!

Auvers, "Seara com corvos", 1890

casa natal de Van Gogh

Van Gogh nascera em Zundert, na Holanda, perto do condado de Brabante e da fronteira com a Bélgica, em 30 de Março de 1853.  


Vista de Auvers, 1890

 Morre em Auvers-sur-Oise, onde chegara em Maio, para mudar de ares e consultar outro médico. Era o dia 29 de Julho de 1890. Tinha 37 anos.

Depois da tentativa de suicídio, a morrer, dirá ao irmão bem-amado e tão próximo durante tantos anos de vida, seu outro “eu”:

Não chores. Fi-lo para o bem de todos. A tristeza ia durar sempre.” (pg.193)

E Pierre Maurois acrescenta: “ A sua ferida era incurável”.

De facto, Van Gogh escolhe morrer quando percebe que, se continuasse a viver, o sacrifício de Théo seria enorme e poderia vir a destruir a sua “vida verdadeira”, a vida pessoal, com a sua pequena família.

Jardim florido, em Arles

Vincent  considerava-se "pesado" em demasia ao irmão. Ele, mais a sua “vida abstracta”, a vida de artista, de solitário e desadaptado. Doente. De hospital, em asilo de loucos, de Arles para Paris,
E, finalmente, Auvers, perto de Paris, para estar mais perto de Théo, onde encontra algum repouso e se sente mais calmo...

Vista de Auvers, 1890

E Théo sempre preocupado. Vincent escreveu-lhe um dia :

És tão bom, queria poder fazer alguma coisa boa para te provar que não sou ingrato” (pg.166).

Pouco antes de morrer, pintara o quadro que mais revela o seu desespero: “Champs de blé avec corbeaux”, e escreve ao irmão:
Champs de blé aux corbeaux, 1890

desenho de Van Gogh, nas Cartas a Théo

Absorvido pela paisagem de um campo infindável, coberto de searas, encostadas às colinas; grande como o mar. Por agora, sinto-me calmo. Talvez demasiado calmo.” (p.188)

Sempre segundo o livro de Maurois, é fácil ver como a natureza o influenciava e lhe fazia bem. 
Planície em Auvers

Dissera ao irmão: 

Gostaria que a família fosse para ti o que a natureza é para mim... a natureza, a terra revolvida, a erva, o trigo amarelo, o camponês...” (pg.163) E enviava ao irmão desnhos, esboços de temas que lhe interessavam.



Théo, que se preocupa, escreve à mulher, Jo, contando que tinha recebido carta de Vincent e perguntava-se:

 “Terá alguma vez um pouco de felicidade? É tão bom...

Vincent admirava a vida e a humanidade dos quadros de Millet e escrevia:
Millet, "Trovoada na montanha"

"Primavera com arco-íris", de Millet

 “Ah Millet! Millet! esse que pintou a humanidade e algo "lá no alto" familiar e ao mesmo tempo solene. Pensar nos dias de hoje nesse pintor que pintava a chorar; pensar que Giotto, que Angelico pintavam de joelhos; Delacroix, chocado e comovido... 
Quem somos nós, impressionistas, para querer ser como eles? (...) As nossas fraquezas, as nossas doenças, os nossos turbamentos actuais... Pensando nisto (...) vem-me o desejo de me refazer e de pedir desculpa por os meus quadros serem um grito de angústia, em que o girassol simboliza, apesar de tudo, a gratidão.”

Angústia, desespero, tristeza, sim.

Em Abril de 1890, três meses antes do suicídio, escreve a Théo:

Desespero quase -ou completamente mesmo- comigo próprio. Meu pobre irmão, aceita as coisas como são e não te preocupes comigo. Saber que governas bem a tua casa, encoraja-me e dá-me forças.”

Oferece-lhe os quadros que acabara de pintar, agradecendo tudo o que Théo fazia por ele.

Estivera internado no asilo de Saint-Rémy, na Provença, devido a mais uma crise de desespero, ideias de suicídio, e lamentava não ter podido pintar as árvores em flor, nessa Primavera. 
Em Auvers desde Maio  tentava curar-se.

Estivera em Paris em Maio, fora ver o filhinho de Théo, nascido em 30 de Janeiro, e que se chamava Vincent como ele. Ao lado do irmão, comovera-se a ver aquela coisa pequenina e indefesa. Para ele pintou as últimas flores de amendoeira, o belíssimo quadro que todos conhecemos.

o último ramo de amendoeira florida, para o pequeno Vincent

Aguenta dois ou três  dias, apenas, em Paris, sofre com o barulho e a agitação da cidade. Volta para Auvers-sur-Oise.  E escreve logo, a dizer como lhe agradara voltar a casa e rever “a terra, as casas com tectos de colmo, a suavidade dos campos, a vegetação bem ordenada...”
Escada em Auvers, 1890

Mas esse equilíbrio, esse sentimento de harmonia e paz,  duram pouco. Seguem-se várias tentativas de suicídio, algumas bebendo as tintas  com que pinta, ou, até, petróleo.
Campo de papoilas em Auvers, 1890

                                          Ceifeiro no trigal, debaixo de sol, 1890

"A morte via-a no ceifeiro que pintava numa seara imensa. Mas dizia ele: "nesta morte não há nada triste, passa-se tudo à luz do sol que tudo inunda com os seus raios de oiro fino." E acrescenta: "Quase com um sorriso".


Ceifeiro no trigal, ao sol nascente


Campos e céu nublado

A morte, continua Pierre Maurois, era a única coisa que podia oferecer aos que amava. Pensava nela sem tristeza. Escrevera sobre a morte: “tal como se apanha o comboio para ir viajar, também se apanha a morte para ir até uma estrela”.


Noite estrelada em Auvers

No último ano de vida pinta como um verdadeiro possesso. (pg.160) O “expressionismo” de algumas das últimas telas, antes do suicídio, como “Seara com corvos”, são quadros pintados em momentos de lucidez, que revelam desespero mas não loucura.
Casas em Auvers, 1890

"O seu suicídio foi um acto de lucidez, perfeitamente reflectido”, insiste Maurois. (pg.153)

desenho incluído numa carta de Vincent a Théo

A “verdadeira vida”, a vida pessoal de um homem, com uma família não fora para ele... Ele pertencera aos que viviam uma vida “abstracta”, sem o conforto de uma casa. Como desejaria tantas vezes, e cuja suavidade imaginaria, ao pintar a filha do Dr. Gachet, grande amigo do pintor, em Auvers.


Marguerite Gachet, no seu jardim, 1890

Nesse ano escrevera ao irmão: 

Sinto que as histórias das pessoas são como as histórias do trigo, se não for semeado em terras onde possa germinar, que importa?, seremos todos moídos para fazer o pão. A diferença entre felicidade e infelicidade? São as duas igualmente necessárias e úteis, e a morte e o desaparecimento... é tudo tão relativo – e a vida também”. (pg.161)
Trigais, em Arles

E em 27 de Julho, tenta o derradeiro gesto. O irmão é chamado e, quando o vê, tem esperança que sobreviva, tenta animá-lo e persuadi-lo que se vai curar. Vincent sabe, no entanto, que “curar-se” não resolveria nada: a tristeza dele continuaria. 

Nessa mesma noite, velando Vincent, Théo escreve a Jo: 

Nunca teve muita felicidade na vida e não tem esperança em coisa nenhuma; a solidão pesa-lhe tanto...”

Vincent Van Gogh morre, na madrugada de 29 de Julho. É enterrado em Auvers. 

Foi difícil encontrar-lhe um carro funerário - porque o padre de Auvers recusara-se a ceder o da paróquia para um suicida  - e teve de vir de outra aldeia. O silêncio cerca o caixão porque o pároco recusara também o ofício dos mortos, o "Requiem aeternam..."
a Igreja de Auvers

Théo provavelmente terá no bolso a última carta do irmão: 


Túmulos de Vincent e Théo, em Auvers

"Meu querido irmão, obrigado pela tua boa carta e pela nota de 50 francos que trazia (...). Quero voltar a dizer-to que tu és muito mais  do que um simples  "marchand" dos quadros de Corot, tu, por meu intermédio, participas nas minhas próprias telas que mesmo na sua desordem guardam uma certa calma. (...) Pois é, o meu trabalho é aí que arrisco a vida, e o meu juízo perdi-o ali em parte  (...) Mas o que queres?..." ("Lettres à Théo", pg.5)

Que responder a essa última pergunta? "Mas o que queres?!...

Théo vai escrever à velha mãe, desolado, inconsolável:

" É impossível descrever a sua tristeza e encontrar consolo. A dor que sinto nunca me deixará. A única coisa que poderemos dizer é que encontrou o repouso a que aspirava.

Seis meses depois, morre de uma nefrite crónica de que sofria há dois anos.

Foi enterrado ao meio-dia  num dia de calor tórrido. O cemitério estava rodeado de searas.” (Pierre Maurois, o. c. pg. 196.)

E, quase sem querer, recordo outro enterro, na manhã de um 17 de Agosto, dia de Verão tórrido, em terras do Alentejo. Enterravam o meu pai. Do cemitério, viam-se, ao longe, as searas douradas.

Searas alentejanas (foto de Stego)

(1) "Le secret de Van Gogh”, de Pierre Maurois, Stock, 1957

(2) "Lettres à Théo", Gallimard, L'Imaginaire, 1956,inclui as cartas que durante 18 anos Vincent escrevera ao irmão (prefácio de Pascal Bonafoux)

(As imagens das pinturas maravilhosas de Van Gogh tirei-as da internet. Impossível dizer exactamente de que sites. Agradeço. Incluí as fotografias que fiz de alguns desenhos reproduzidos no volume da correspondência)

8 comentários:

  1. Gostei muito. Adoro Van Gogh, como tu e tanta gente. Há uma enorme quantidade de pintores fora de série, mas algum antes pintou o céu amarelo e a terra azul?
    ..." vem-me o desejo de pedir desculpa por os meus quadros serem um grito de angustia"...
    Nós é que temos de pedir desculpa de não ter sabido tratar a um génio que tanto nos enriquece o espírito e a condição humana.
    Beijinhos

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    1. Sim, "nós" (eles?) é que não o compreendemos durante a vida. Poucos dias depois da sua morte, conta Théo, já havia alguns "marchands" em Paris a interessarem-se pelos quadros do morto Vincent... E quantos não fizeram fortunas logo a seguir?

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  2. Também gosto muito de Van Gogh. Li as Cartas a Théo há muitos anos. Ofereceram-me também há muito tempo um livro da Taschen com a obra completa do pintor.
    Vi o filme na Cinemateca: «Van Gogh», de Maurice Pialat que adorei. Não vi o de Alain Resnay que julgo é de 1948.
    Parabéns pela postagem tão interessante, Como gostava de ir a Paris...

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    1. Ó Ana, vá até Paris ver os seus japoneses! Esses não será fácil vê-los outra vez. E ver Van Gogh... Tentei ver uma grande Exposição dele em Londres mas estavam milhares à espera de entrar todos os dias!
      Vi esse filme do Pialat mas pouco recordo. E vi o mais antigo, americano, com o Kirk Douglas (Van Gogh) e o Anthony Quinn (Gauguin).

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  3. Gostei muito deste post.
    Gosto de Van Gogh e colocou aqui pinturas lindas.
    As searas alentejanas é uma imagem de beleza que certamente Van Gogh poderia ter pintado.

    Um beijinho grande

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    1. Sei que gostas deste pintor, estas imagens são bonitas e confesso que a maioria delas "descobri-as" agora depois de ler o livro...
      Beijinhos

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  4. Maria João, felicitá-la será pouco, por este magnífico pot. Penso que nunca tinha lido nada tão belo, apesar do fim trágico, sobre Van Gogh.
    E, tão bem ilustrado.

    Gostei imenso.

    Um beijinho grande.:))

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    1. A história dele é tão triste!Eu só passo por alto nessa tragédia... Vale a pena tentar ler mais!
      Procure as Cartas a Théo, são de uma ingenuidade e simplicidade e generosidade enormes!
      beijos

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