sábado, 26 de julho de 2014

O Ratinho e o Ouricinho foram à Feira do Livro!



Os amigos têm andado muito calados, é verdade. A Isabel vai sempre perguntando por eles, mas não tem acontecido nada de especial, Isabel. 

Calmos, no quotidiano invariavelmente igual, da janela para a varanda, a ver as imagens dos livros e a brincar com as frutas e a fazer composições artísticas com a Gatinha japonesa. 

Ou algumas leituras e pouco mais.
Mas ontem fomos à Feira do Livro a Cascais!  Foi uma aventura, uma festa, claro. Adoraram as barracas cheias de livros, o carrocel, o Jardim e tudo.

- Ó Ratinho Poeta, tu já viste  o carrocel?
Era o Ouricinho sempre atento às coisas luminosas e coloridas.
- Vi, disse, taciturno, o Ratinho, que contemplava o jardim e as pessoas.


O Ratinho é mais interiorizado, muito observador, menos expansivo. Pouco se manifesta mesmo quando gosta.


- Olha, um porco e um galo no carrocel! Um galão mesmo! Parece um perú...Hihihi. Não queres dar uma voltinha?
- Não me apetece. Prefiro ver de fora. Gosto de andar por aqui, a ver os livros com calma…
- Olha a massa frita! 
E apontava com o dedinho esticado.
Logo, o Ratinho, interveio:
- Diz-se “farturas”. Ou “churros”, acho que é em espanhol.
- Eu cá chamo-lhe “massa frita”!

Virou-se para mim:
- Era assim que lhe chamavas quando eras pequenina, não era? E ias com o teu pai à Feira das Cebolas… Escreveste já isso numa história…

Sorri. Ele tem razão, eu dizia sempre "massa frita". Sempre que passo numa feira e vejo as barracas cheias de todas as coisas boas, lá vem a recordação da “massa frita” da minha infância. E  a memória volta atrás, dolorosa e ao mesmo tempo suave na sua nostalgia.


Senhor Doutor, então hoje trouxe as suas meninas à feira?” E o meu pai: “Sim, D. Rosa, viemos ver a feira à noite…
E revejo as luzinhas bruxuleantes das tendas iluminadas a petromax, cheias de tudo aquilo que eu adorava: brinquedos, balões, bolas, porta-chaves… 
Sim, houve um ano em que tive a mania de comprar porta-chaves. E pendurava-os no cinto. E comprei, até na feira, um cinto vermelho, cheio de trevos de quatro folhas dourados a enfeitar.
E lá vinha o cheiro das farturas, o vapor que se libertava daquelas panelas gigantescas onde se fritavam tiras enroladas, enroladas sem fim, de massa, a fritar, dourada como o sol. E as "farturas", nos papéis de embrulho que nos dava a D. Rosa, vinham a escaldar, cheias de açúcar e de canela. 
Tanta melancolia nestas lembranças. Acordou-me destes pensamentos a voz do Ouricinho. Tínhamo-nos aproximado da barraca dos livros de espionagem e policiais.


- Olha um livro do John Le Carré! Tu gostas… Já o leste? É barato, custa só cinco euros!
- Obrigada, Ouricinho, não o tenho e vou já comprar.

- Viste os livros do Tom Sharpe? Lembras-te das maluqueiras do Wilt?

Como não me havia de lembrar? Muito me ri eu com esses livros! Respondi-lhe:
- Então não lembro, Ratinho? Eram histórias de loucos e muito me ri com elas...
- Olha, livros para crianças! Compras para nós?, pediu o Ouricinho, já instalado na barraca do lado.


- Claro… Qual queres?
E ele acrescentou, entusiasmado com um caixote de revistas.
- Viste estas revistinhas de cow-boys? Levas também para nós?


- Sim, meu querido, lia! Claro que levo para vocês. E para mim...
As velhas histórias da Colecção Apache - que eu lia adolescente e cujos heróis depois desenhava e recortava para depois inventar eu as minhas histórias…

A atracção que têm as feiras dos livros, para mim, é inegável. Sempre assim foi. Cada capa me encantava! Queria comprar todos os livros, mesmo os que já tinha lido e que me atraem sempre da mesma maneira... 

Chego a encontrar três edições (em línguas diferentes...) dos livros de que mais gostei! E lá fico a hesitar com os autores: Scott Fitzgerald, Allan Poe, Leskov, William Golding, o terrível Golding!





Tão bom que é ler! Tão bom que haja feiras do livro onde as pessoas possam comprar livros a preços acessíveis e continuar a ler!
Demos um grande passeio e fomos até à Praia dos Pescadores. No caminho vimos um lindo "orgue de Barbarie"!


- Olha o realejo! 
E os olhos do Ouricinho ficaram presos ao boneco que agitava a mãozinha a bater no coração.
- O Arlequim! Tão bonito que ele é!


- Chama-se orgue de barbarie, corrigiu o Ratinho, divertido, porque estava encantado também com a beleza daquela novidade.
- Tanto faz, disse eu, em português é realejo...


Frente ao mar, no pontão onde atracam os barcos de pesca, lá estava a "minha" boneca. Digo "minha" porque encabeça a proa de um barco que se chama "Maria João". 


O Ratinho olhou e protestou, indignado:
- Viste o que fizeram à tua boneca? Que bárbaros!
- O que foi?, era o Ouricinho curioso.
- Deram cabo da carinha dela! Queimaram-na. E roubaram-lhe o chapéu cor de rosa que lhe ficava tão bem!


Era verdade, estava queimada, com um punhado de cabelos arrancado, sem o seu chapelinho de praia. O Ratinho e o Ouricinho quase choravam, a olhar para ela. 
Lá longe o carrocel girava com a sua musiquinha alegre.


Sim, bárbaros, pensei, com tristeza. Por quê esta vontade do homem, este prazer, de destruir a beleza e a poesia de outro homem?


Virámos costas ao barco, tristes, e fomos ver a baía. O tempo passou depressa, e gostei muito da tarde em Cascais. Havia um vento fresco, o mar tinha um azul lindo e os barcos estavam cheios de cor. Lembrei-me da maravilha dos barcos e do mar de Turner!



10 comentários:

  1. Maria João,
    Deliciosas como sempre, estas narrativas.
    Adorei sobremaneira o realejo. Tão bonito! Acho que gostava de o ter.:)))
    Também gostei do carrossel tão "retro".
    Enfim, é sempre bom passar por aqui. :))

    Ando a ler "O Homem de Constantinopla", aliás estou quase a terminar. Depois irei ler o segundo livro, "Um Milionário em Lisboa".
    Gostou do Deus das Moscas?
    Beijinho. :))

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    1. Adoro o William Golding! O"Deus das Moscas" é um livro terrível sobre o mal -ou a procura de poder e de domínio dos outros...
      Li outros dele, gostei dos "Ritos de Passagem" (outra história bem dura!) e o "Darkness Visible" impressionou-me muito.
      O realejo se esticer à venda, ofereço-lho! beijinhos

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  2. Manténs intacto o entusiasmo pelas coisas, dá gosto ler-te!
    Também gosto muito da Feira do Livro e de massa frita...
    Feliz domingo, um beijão

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  3. Gostei muito do passeio e de rever o ratinho e o ouricinho.
    Talvez quando tenhamos a Feira do Livro no Porto, também possam cá vir.
    beijinhos para os três
    Gábi

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    1. OLá, Redonda! quem sabe se não os levo ao POrto à Feirado Livro? Eles iam adorar já se sabe. E podíamos encontrar-nos até para os conheceres pessoalmente...beijinho

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  4. Querida Maria João, tenho a certeza que esta visita à feira do livro de Cascais foi mesmo um momento maravilhoso!
    A angústia é mesmo não podermos comprar ou ter os livros todos que desejamos. Quantos mais melhor... Não é? Nunca são em demasia!
    Imagino a euforia dos nossos amiguinhos...

    Como referiu a Redonda, pode ser que em Setembro, na feira do livro do Porto, venham até cá... Era bom, oh se era!

    Um beijinho e boas leituras.:))

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    1. Pois é, já disse à Redonda "quem sabe se lá vamos?" O Porto chama-nos sempre... Vou sempre lá com muito prazer! UM beijinho

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  5. Com personagens destas é uma regalo dar um passeio, onde se queira, porque elas hão de arranjar "conversa" a contento. Pelos comentários que vejo os bichinhos são famosos. Parabéns MJ.

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  6. Famosíssimos, Agostinho! Têm muitos fãs!

    Que saudades destes amiguinhos que logo apareceram por estes dias que eu não estava cá! Mas a tempo de ver e comentar, cá estou eu!
    Adorei o diálogo, as fotos, os livros...também lia imensos do Falcão e do Xerife e essas colecções de quadradinhos. Gostava tanto.
    Se calhar já não apanho aí a feira, mas nem sei se fique triste, se fique contente, porque os livros levam-me à ruína! Comprei muitos, estes poucos dias na Figueira. Não resisto! Quem me dera que o dia tivesse mais cinco horas obrigatórias para a leitura!

    Também gosto muito de farturas. Comi umas deliciosas, nestes dias.

    Já estou roída de inveja desse encontro possível, no Porto!! ...bem, mas espero que se concretize e que depois contem!

    Um beijinho GRANDE e até breve :)

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    1. Estavas a fazer-me falta, fiel leitora! és como eu, não resistes aos livros. Então nas "feiras" e alfarrabistas....é um descontrolo total das finanças... Um beijo

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