domingo, 15 de fevereiro de 2015

O RATINHO E O OURICINHO NESTE DOMINGO DE CARNAVAL

O Ouricinho perguntou-me há dias:
- Tu também foste pequenina?
Surpreendida, sorri, ao responder-lhe:
- Claro, Ouricinho Dan. Por que perguntas?
Baixou os olhos, envergonhado. O Ouricinho gosta muito de ter conversas comigo. Só nós os dois. É um tímido o Ouricinho.

- Bem, tu és grande. Podias ter nascido assim. Não sabia se tinhas sido pequena alguma vez.
- Todos fomos pequeninos! Só que alguns esqueceram-se disso. E a vida deles passou a ser mais pesada e triste.
- Por quê?, continuou. Tu não esqueceste? Também gostavas de te vestir de Carnaval como eu?
O Ouricinho decidira festejar o Carnaval e vestira-se de índio. Um pouco à trapalhona porque nem eu nem ele soubemos encontrar tecidos bonitos na caixa da costura. Para isso era preciso tempo, e ele está sempre apressado. Passeava-se contente pela casa e pediu-me que lhe tirasse fotografias. Assim fiz...

O Ratinho quando o viu desatou às gargalhadas e até se deitou no chão, a rir, de divertido. 
O Ouricinho ofendeu-se um pouco, mas como adora brincar foi mostrar aos amigos que estavam a ver tudo empoleirados no cesto amarelo, como se estivessem à janela a ver um cortejo do Carnaval do Rio! 
E aplaudiam. A gatinha japonesa pendurou uma borboleta no vestido e sentou-se: “Eu sou a Shosho San, a Madame Butterfly!”
Gostei que não se tivesse rido do Ouricinho, era bonito aquele gesto de solidariedade da Gatinha. 
O que podia dizer ao Ouricinho sobre a infância? Tinha-me saído aquela frase sem pensar. A verdade é que sempre me impressionaram mal as pessoas que eram velhas em todas as idades da vida. Eram tristes e não esperavam nada.

- Sim, vestia-me de Carnaval. Assim como tu, com tudo o que encontrava: trapos bonitos que descobria nas gavetas da minha mãe, colares, sedas, lençóis para ser o Lawrence das Arábias. Lembro-me de tudo isso. Com ternura...
O Ratinho meteu-se na conversa, interessado.
- Devem ser infelizes os que não se lembram da infância. Que preferiram crescer e encher-se de coisas e de problemas. Em vez de se simplificarem...
O Poeta conseguia ser sempre sério. Sim, tristes os que não conseguem recordar o que foi bom da vida: ou porque nunca a tiveram, ou porque não foram felizes nela. Queria explicar-lhes, mas não encontrava as palavras.
- Mas o que é ser pequenino?, perguntou outra vez o  Ouricinho.

O que teria sido a infância do Ouricinho e do Ratinho que chegaram a minha casa adolescentes e que nunca mais tinham querido crescer? Lembro-me do dia em que trouxe o Ratinho Poeta para casa. E lembro também o dia em que ele encontrou na rua o Ouricinho, sem família e sem ninguém, e o trouxera atrás dele. 
Este vai ser o meu aluno”. Eu era professora e ele gostava do que eu lhe ensinava e queria ter o seu pupilo!
- Bem, comecei eu, hesitante. Ser pequenino é gostar de tudo o que vemos. É gostar das pessoas. É ficarmos contentes quando brincam connosco, quando nos dão brinquedos, ou prendas…
- Ah! Eu gostava de ter tido isso tudo…
- Não te queixes, Ouricinho!, interrompeu o Ratinho. Tu tiveste isso aqui na nossa casa! Ter alguém que se ria para nós! Que acha graça às nossas brincadeiras. Quem nos oiça sempre… E nos dá boa comidinha! Hihihi!
Tinha razão o Ratinho e explicava melhor as coisas do que eu. E continuou, inspirado.
- Ser pequeno é isso: é esperar que o bem venha ter connosco! Que olhem por nós e não nos esqueçam. É amar os outros sem esperar retribuição. É ser inconsciente na alegria, ao pé dos amigos. 
E o Ouricinho disse:
- É tão bom quando olhamos qualquer coisa bonita, lá  fora, e estamos juntos! Ou quando tomas o café ao pé de nós...

Pensei acrescentar umas palavras, mas calei-me. Eles sabiam mais do que eu e estava tudo dito!
"Acreditar. Esperar. Não ter medo de "cativar" nem de ser "cativado", como o Principezinho. Viver na inconsciência consciente de que alguém tomará conta de nós e que a vida não nos pode cair em cima!"
Como tudo isso era verdade e que bom era ouvir os que continuava a pensar assim. 
De repente, o Ratinho, virou-se de costas como se estivesse a arranjar. Quando se voltou para nós, tinha pendurado nos bigodes uma imagem de faraó que o Ouricinho encontrara nas suas pesquisas. 
- Também quero entrar na festa do Carnaval. Sou o faraó Tutankhamon!


Foi uma risada geral. É bom continuarmos em frente, juntos, sem que as voltas da vida nos tirem a nossa verdade. Aquilo em que acreditamos. É bom continuarmos a ser “pequeninos”- nesse sentido…

7 comentários:

  1. Adorei as histórias e as memórias. Há pouco também foquei a história do Principezinho pois adquiri um livro relacionado com ele.
    É sempre bom visitá-la e absorver as histórias da infância. Também gostava de me mascarar e de assaltar as casas dos nossos amigos.
    Beijinho e bom Carnaval, tenho imensos exercícios para avaliar. :))

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  2. Que bom ver aqui os meus heróis preferidos em mais uma bela história que me fez rir e pensar e sorrir com ternura.

    Acho que ainda sou também um pouco criança, porque me identifico com muito do que eles disseram. E apesar de nunca ter gostado do Carnaval, talvez por timidez, gostava de brincar aos teatros e vestir coisas diferentes e criar personagens.

    Adorei as fotos e o post! Maravilha!

    Um beijinho grande e uma boa semana:)

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  3. Esqueci-me de dizer que a máscara do Ouricinho está tão perfeita - um autêntico índio da pradaria - que eu nem o reconheci!...

    (Ah!Ah!Ah!)

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    1. Ainda bem que gostaste, Isabel! penso sempre em ti quando estou a escrever as histórias deles... É um disfarce de índio pobre da pradaria, tens toda a razão! Um beijo e obrigada

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  4. Gostei tanto da história e da definição do que é ser pequenino e de rever o ouricinho e o ratinho poeta, obrigada, adorei a história de Carnaval :)
    um beijinho grande
    Gábi

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  5. Encontrei-me sem história, com uns grandes espaços pretos(?!).
    Aprecio a tua capacidade de passar das histórias mais cruéis às mais brancas e suaves. Nunca deixarás de surpreender-me...
    Beijinho

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    1. Espaços pretos??? Será o "buraco" do universo????
      Bem, eu também a mim mesma me surpreenedo às vezes, porque apesar de tudo tenho uma grande capacidade de optimismo e quando vejo notícias que me deitam abaixo, tenho de subir para quaqleur poiso!!! Beijinhos

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