segunda-feira, 13 de julho de 2015

Pôr-do-sol em Ribeira-Peixe...


um pôr-do-sol em São Tomé (MJF)

Poucas vezes vi um pôr-do-sol tão especial na minha vida, como o daquela tarde em Ribeira-Peixe.
Ribeira-Peixe é uma terra perdida, em S. Tomé, uma vila desolada e pobre, com bandos de crianças a correr à frente dos carros que por lá passam de quando em quando e a pedirem: “doce!, doce!”
A estrada batida, alcatroada em alguns troços mas sempre esburacada, atravessa a vila. O pavimento gasto, estragado pelas força das chuvadas frequentes.

Uma coisa que recordo de São Tomé é a efemeridade: por exemplo as pinturas exteriores, as paredes, as casas de madeira, os estuques, tudo se degradava em poucos anos. Bastava a passagem de uma estação das chuvas para se notar a diferença.
As chuvas destroem, cíclica e metodicamente, tudo à sua passagem. Vendavais inesperados ou a chuva, fininha, contínua, durante horas e horas, tornavam as 'coisas' muito frágeis.
Tantas vezes me espantei com a fulgurância desses momentos: nuvens no céu que iam escurecendo, até ficarem negras, um relâmpago que iluminava o cair de tarde, os trovões a aproximarem-se e, de repente, a chuva a desabar no meu jardim. 
Horas depois, pequenos lagos tinham brotado, por aqui e por ali, onde grossos pingos de chuva continuavam a cair. É verdade que logo abria o sol quentíssimo!

pelo caminho... (MJF)

No entanto, no caminho para Ribeira-Peixe, não recordo a chuva, e sim um sol lindo, as flores por toda a parte e os enxames de abelhas à sua volta, porque era uma viagem que não se faria em dias de chuva... 
De um lado é a montanha e do outro o mar, e ambas as paisagens são maravilhosas.
caminho para Ribeira-Peixe (MJF)

Por cima das bermas e dos barrancos, a floresta virgem resplandece de verde vivo. E o mar, verde e translúcido, com as ondas a virem morrer devagarinho na praia. Julgava ouvir o ruído das bolhinhas de espuma a rebentar no branco areal.
para o Sul (MJF)

Passava-se por Ribeira-Peixe, não se “ia” a Ribeira-Peixe. Estava no caminho para a turística cidade de Porto Alegre, mesmo na ponta sul da ilha, na província de Caué. Porto Alegre,  zona de grande beleza pela transparência das águas do oceano que ali formam autênticas piscinas naturais, cavadas nas rochas vulcânicas negro-avermelhadas.
o mar e os rochedos, em Porto Alegre

cruzamento de Ribeira Afonso e Porto Alegre (MJF)

Imagino-me de novo, ali, onde vezes sem conta passei. O jeep vai bamboleando ao sabor dos buracos da estrada, eu vou olhando para o lado, sem me cansar. 
na estrada para Ribeira-Peixe...

Ora a vista das praias infindáveis, e da costa arborizada, ora o lado da terra, as serras arborizadas com árvores de fruto.
cacaueiro (imagem tirada da internet)
árvores sombreiras (MJF)

Os cacaueiros, as “sombreiras” de flores lilás ou laranja, que davam sombra ao cacau, ou as elegantes palmeiras e as frondosas mangueiras. Ou os ocás gigantescos.

tronco de um ocá (imagem da internet)
Mesmo a simples árvore do mamão era bonita. Fascinavam-me, sempre, os delicados coqueiros, que pareciam esboçados a tinta-da-China ou pintados a aguarelas.

Vamos seguindo sempre e estremeço com os desníveis da estrada, agarro-me ao cinto de segurança, mas sei que não corremos perigo, é um jeep forte, o nosso amado UMM-Alter!

A verdade, porém, é que para se ir da cidade capital para Porto Alegre era essencial levar dois pneus sobresselentes. E muitas vezes nos serviram, porque os cortes das pedras vulcânicas eram frequentes. Desde o Pantufo com o seu mercadinho, à beira da estrada, indo pela estrada de Santana, e parando na praia Melão...
o mercadinho do Pantufo (MJF)


Praia Melão na Gravana (MJF)

Como 'aconteceu' aquele pôr-do-sol, não sei. O sol cai muito cedo em São Tomé. O dia começa às 5 horas da manhã e a noite vem, súbita, por volta das 5 horas da tarde. “Hora de relógio”, como se dizia em São Tomé, para afirmar que era uma hora certa e não uma hora aproximativa, “mais ou menos”…

Quantas vezes vi o sol descer no meu jardim e a luz dourada brilhar por um momento. Depois, céu ficar cor-de-rosa, avermelhado, logo vermelho vivo e depressa o crepúsculo e o negro da noite. Começavam a ver-se as estrelas no céu, na estação da Gravana, quando o céu estrelado é inesquecível.

Como foi daquela vez em Ribeira-PeixeA tarde estava amena, o mar tranquilo. 
meninas em Ribeira-Peixe (MJF)

O sol foi descendo sem que eu desse por isso, distraída como ia. E foi um momento de encanto. Ao chegarmos, a vila parecia cor-de-rosa. O sol era uma bola vermelha poisada no poente a entrar devagarinho na água. E, de repente, voltou um azul suavíssimo...
para o Sul, ao fim do dia (MJF)
jovem mulher em Ribeira-Peixe (MJF)

Entre dois coqueiros, alguém esticara uma corda da roupa. E, penduradas, ou estendidas no chão, os panos coloridos ou as roupinhas de uma criança, de tons suaves, pareciam bandeirinhas de festa. Uma jovem mulher recolhia a roupa e olhava-nos.
panos coloridos a secar (MJF)

Era um sentimento de calma, uma paz estranha. As cores agitavam-se, na delicadeza, viviam por si num movimento mágico de ondulação, que a brisa nos trazia. À beira-mar, uma cabrinha pastava.


cabrinha a pastar (MJF)

Inesquecível pôr-do-sol em Ribeira-Peixe! Receio nunca mais voltar a ver uma imagem tão bela.

3 comentários:

  1. Que relato tão bonito!

    Mesmo que não torne a ver um pôr-do-sol igual, tem a felicidade de ter esse, guardado no seu olhar:)

    Um beijinho grande :)

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  2. Como te compreendo! Vivi sensações parecidas nas aldeias de Celorico, onde ia com o meu pai. Nunca esquecerei o que vivi, essa sensação que descreves tão bem de "uma paz estranha". A natureza engancha, será porque vimos da selva. Há lugares onde nunca voltaríamos e que no entanto levaremos sempre dentro. São Tomé e Príncipe, depois de Roma! A cara e a cruz duma mesma moeda que é a paixão pela vida. Gostei muito deste post.

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  3. ~~~
    ~ Belíssimos apontamentos são-tomenses...
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ~ Temperaturas equatoriais, dias iguais às noites,
    tempestades súbitas e fortes que não refrescam,
    floresta de sombra - a virgem - praias contornadas
    de palmeiras e ocasos deslumbrantes sobre o mar.
    ~ Um povo muito simples, humilde e pobre...

    ~~~ Gostei do que li. Beijinho. ~~~~~~~
    ~ ~ ~

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