Levou-me longe a leitura d’ Os últimos dias de Charles Baudelaire – de Bernard-Henri Levy- (*)
de que aqui falei ontem. Fez-me
procurar e reler tudo o que tinha guardado nas estantes: L’art romantique, o livro
‘Baudelaire par lui-même’ das Editions du Seuil, Colecção “écrivains de toujours”, volume organizado por
Pascal Pia. Sempre um ‘utensílio’
magnífico pela síntese, pelas imagens, pelos extractos de poemas e textos, por
temas, e pela voz do poeta a falar de
si-mesmo…
Livros que comprámos, ainda estudantes na Faculdade
de Letras, e onde encontrei muito do que procurava: tantas coisas maravilhosas e
esquecidas.
Baudelaire, por Courbet
Courbet, L'Atelier du peintre - e Baudelaire
Reli as suas páginas
íntimas, ‘Fusées’, ‘Mon coeur mis a nu’, ‘Pauvre Belgique!’, e ‘Le Spleen de Paris’. Voltei a ler leitura
os Poemas, nas ‘Oeuvres Complètes’
(Pléiade)
“L’Art romantique”, colectânea de bons
artigos - porque Baudelaire era, além de poeta, um grande crítico de literatura
e de pintura. Naqueles seus ‘ensaios’, inteligentes e sensíveis, lúcido sempre,
debruça-se sobre os mais assuntos diversos assuntos e personalidades de
artistas.
E faz críticas de pintura, dos Salões das
Exposições que frequenta, em Paris – fala de Delacroix, por exemplo, cuja pintura soube entender e explicar melhor
do que ninguém.
Escreve sobre os escritores que o entusiasmam,
como Théophile Gautier, Victor Hugo, Chataubriand ou Balzac – e outros
desconhecidos do grande público como o jovem poeta Pierre Dupont.
Théophile Gautier
A propósito
desse poeta, diz:
“Prefiro o poeta que se
põe em comunicação permanente com os homens do seu tempo e troca com eles
pensamentos e sentimentos expressos numa linguagem nobre e suficientemente
correcta. O poeta, posto num ponto da circunferência da humanidade, reenvia na
mesma linha mas em vibrações melodiosas, o pensamento humano que lhe foi
transmitido”.
Pierre Dupont (cuja juventude se passa sob o reinado de Louis-Philippe) “transmite os sentimentos, as doutrinas, a vida exterior, a vida íntima e os modos e costumes dessa juventude”.
Pierre Dupont (cuja juventude se passa sob o reinado de Louis-Philippe) “transmite os sentimentos, as doutrinas, a vida exterior, a vida íntima e os modos e costumes dessa juventude”.
Juventude que era toda uma história de locais de perdição e de restaurantes de luxo. “Mas - acrescenta- alguns cantos e versos puros e frescos
começavam já a circular em certos concertos ou clubes particulares.”
Baudelaire era um dandy. Interessa-lhe a essência do Dandismo:
“O que é um
homem superior? Não é o especialista, é o homem que vagueia no tempo livre,
homem de Educação geral.”
O aspecto
ou, melhor, a atitude conta apenas
como símbolo da superioridade do espírito e nada tem que ver com o dinheiro ou
o poder. "É um
diletante que odeia o utilitarismo moderno".
*
Baudelaire era um anarquista? Não creio. Esteve
nas barricadas em 1848 (Mon ivresse en
1848, escreve mais tarde), nem ele percebe porquê. Era, sim, um rebelde e um provocador que não respeitava os ‘bons costumes’ dos burgueses.
Figura atraente e por vezes quase repulsiva,
complexa, paradoxal, contraditória.
Li um pequeno texto de Le Spleen de Paris, intitulado “Les yeux des pauvres” que mostra a
face escondida do seu dandismo que só aparentemente é egocêntrico.
“O novo
café iluminado, cheio de vidros brilhantes e de cristais. Lá dentro o poeta e a
amada. Cá fora um pobre homem com dois filhos pequenos, um deles ao colo.
Rostos sérios, olhos, abertos de espanto, que o olham fixamente.
“E
os olhos do pai diziam: ‘Que bonito! Como é belo! Dir-se-ia que todo o ouro do
pobre mundo veio enfeitar estas paredes.
Os
olhos do rapazinho: ‘Que bonito! Que bonito! Mas é uma casa onde só podem
entrar pessoas que não são como nós.’
Quanto
aos olhos do pequenito esses estavam demasiado fascinados para exprimir mais do
que uma alegria estúpida.
Os
poetas que fazem versos dizem nas suas canções que o prazer torna a alma boa. A
canção tinha razão nessa noite no que me diz respeito. Não só me enternecera aquela família de
olhos, como me sentia até envergonhado dos nossos copos e garrafas muito
maiores do que a nossa sede. E virava os olhos para os teus, querido amor, para
neles ler o meu pensamento; mergulhei nos teus olhos lindos, bizarramente
doces, nos teus olhos verdes (…) E tu disseste: “Essa gente é insuportável com
aqueles olhos abertos como portões! O criado não pode afastá-los?”
Personalidade riquíssima de cultura aberta e de
grande sensibilidade. Um incompreendido que é, por vezes, incompreensível para
os que frequenta. Frágil e susceptível, feroz nos ódios como nos amores ou nas
apreciações literárias.
Detestava George Sand, por exemplo. Talvez não aceitasse uma mulher vestida de
homem, uma “dandy” no feminino. Coisa
inaceitável para ele que escreve “a
mulher é o contrário do dandy. Logo, causa horror.” (in L’ Art Romantique, Mon coeur mis à Nu, pg. 407)
E repete, adiante: “A mulher é sempre vulgar, o que quer dizer o contrário do dandy”.
Há nele muito de misoginia, de um sentimento
quase grotesco e primário da “inutilidade” da mulher que – segundo ele- se
limitava a ter um corpo e nunca um espírito. Chega a perguntar: “Que conversas poderia ter uma mulher com
Deus, se ela não tem espírito?”
Jeanne Duval, por Manet, em 1862
Problema que arrastará, atraído mais pela mulher
dita “fácil” que procura nos bordéis de Paris e de Bruxelas. Uma vaga paixão
por Madame Sabatier que tinha um dos salões literários de Paris não levou a
nada se não aos poemas que lhe mandava, anónimo. Um amor passageiro que dura alguns anos pela actriz Marie Daubrun que encontra no Théâtre de la Gaîté, em 1850.
Marie Daubrun
Jeanne Duval, por Baudelaire
Não podemos esquecer que o seu único amor foi uma
prostituta, Jeanne Duval, uma prostituta com quem dividiu a sua vida. Sem pôr nisto algo de crítico...
Jeanne Duval, desenhada por Baudelaire
Mas não será antes uma questão de misantropia?
Porque na sua filosofia só o dandy é quem tem todas as qualidades de Educação
Geral, e é um homem superior -espiritualmente. Os outros homens são vulgares e
banais (como as mulheres….)
Baudelaire, dandy, aos 21 anos, por Emile Leroy
Baudelaire, dandy ainda, em 1855 (foto de Nadar)
O que Baudelaire é de certeza é um homem céptico
e um grande pessimista. A quem os abismos arrastam e que ele próprio procura.
Admiram-no alguns seus ‘pares’, como Gustave
Flaubert que lhe escreve uma bela carta, ao receber o jornal em que foram
publicados três poemas dele.
“Merci
pour le journal. Vos trois pièces m’ont fait enormement rever. Je les relis de
temps à autres. Elles posent sur ma table comme des choses de luxe qu’on aime
regarder. L’Albatros me semble un vrai diamant. Quant aux deux autres morceaux,
mon papier serait trop court si je me mettais à vous parler de tous les détails
qui me ravissent.” (*)
Gustave Flaubert
A jovem geração, os chamados “fantaisistes”: de Mendès, Mallarmé, Verlaine e Rimbaud admiram-no – mas chegam demasiado tarde.
No fim da vida, quase lhe metem medo e não os quer ver. O jovem poeta inglês Charles Swinburne aprecia-o. Não lhe interessa sabê-lo.
Com certeza pensa: o que são estes jovens ao pé dos grandes críticos como Sainte-Beuve ou os dois Théophile (Gautier e Silvestre)?
Verlaine e Rimbaud. quadro de Fantin-Latour
Stéphane Mallarmé, por Edouard Manet (1876)
Charles Swinburne, por Dante Rossetti
Sainte-Beuve
Théophile Silvestre
Quem era afinal Baudelaire? Como encontrar a
resposta se não andando à procura como ele andou?
* O Poeta
da insatisfação, sem dúvida, que diz
de si:
“Parece-me
que estaria bem num lugar, o lugar onde não estou e este problema da mudança é
uma coisa que discuto com a minha alma a toda a hora. ‘Diz alma minha, pobre
alma fria, o que achavas de viver em Lisboa? Lá deve estar calor e tu estarias alegre
como um lagarto.”
E continua a falar com a alma que silenciosa nada responde. Até ao momento em que "enfim a minha alma explode e grita: não me inetressa nada para onde! Não quero saber onnde! Desde que seja fora deste mundo"!
E continua a falar com a alma que silenciosa nada responde. Até ao momento em que "enfim a minha alma explode e grita: não me inetressa nada para onde! Não quero saber onnde! Desde que seja fora deste mundo"!
“Alma
insatisfeita…que só está bem onde não está!” (Le Spleen, "L’ Art Romantique", p.303)
* O Poeta da Beleza:
“O que é o Belo?”, pergunta a si próprio. E vai acrescentando
respostas.
“Encontrei
a definição do ‘meu’ Belo. É algo ardente e de triste, algo um tanto vago, que
dá espaço à conjectura.”
“A irregularidade, isto é, o inesperado, a
surpresa, o espanto são uma parte essencial da característica do Belo.”
"O Belo é sempre bizarro."
* O Poeta da Liberdade, da Solidão e da Beleza era também o do Absoluto, do medo do Tempo inexorável, do Nada e o do Abismo.
“O Douleur…ô Douleur! Le Temps mange la vie”
(“L’Ennemi”, pg.112)
*
“Relógio! deus sinistro, assustador, impassível,
Cujo dedo ameaça e nos diz: “Lembra-te”
das vibrantes Dores que no coração cheio de medo
Se espetarão como num alvo.”
(in “Relógio”)
*
*
“E o Tempo engole-me
minuto a minuto,
como
a neve imensa cobre o corpo gelado”.
*
“Morne
esprit, autrefois amoureux de la lutte,
L’espoir,
dont l’éperon attisait ton ardeur,
Ne
veut plus t’enfourcher! Couche-toi sans pudeur,
Vieux
cheval dont le pied a chaque obstacle bute.
Résigne-toi
mon coeur; dors ton sommeil de brute.
Esprit
vaincu, fourbu! Pour toi vieux maraudeur,
L’amour
n’a plus de goût, non plus que la dispute.
…….
Le
Printemps adorable a perdu son odeur!
Et
le Temps m’engloutit minute par minute,
Comme
la neige immense un corps pris de roideur.
……
Avalanche, veux-tu m’emporter dands ta chute?
(‘Le gout du néant’, in “Baudelaire par lui-même”, pg. 108)
*
*
Que fazer, então?
“Enivrez-vous!” Escreve: “Para viver, embebedem-se, seja do que for! Não necessariamente de álcool
“Enivrez-vous!” Escreve: “Para viver, embebedem-se, seja do que for! Não necessariamente de álcool
De
poesia, de virtude…
De
vento, de vagas,
de
estrelas e de pássaros…
*
*
Acrescentando:
“Um
dia em que na solidão morna do quarto onde acordares te sentires bem, porque a
tua bebedeira passou, pergunta ao vento, à vaga, à estrela e ao pássaro que
horas são.
E o
vento, a vaga, a estrela o pássaro e o relógio dirão: ‘É hora de te embriagares!’ De
vinho, de poesia ou de virtude, como quiseres.”
(Le Spleen,
L’ Art romantique, p. 286)
*
Poeta do(s) Abismo(s):
"Tive sempre a sensação física e moral do abismo, não só do abismo do sono, como do abismo da acção, do sonho, da lembrança, do arrependimento, do remorso, do belo e do número, etc."
"Tive sempre a sensação física e moral do abismo, não só do abismo do sono, como do abismo da acção, do sonho, da lembrança, do arrependimento, do remorso, do belo e do número, etc."
“Tudo é abismo, - acção, desejo, sonho
Palavra!”
...
...
Tenho medo do sono como se tem medo de um buraco
Cheio de vago horror, levando-me sabe-se lá onde
Só vejo infinito através das janelas (…)”
*
“Deita-te, sem pudor, velho cavalo cansado
que passo a passo tropeças no caminho”.
De
facto, Les Fleurs du Mal, colectânea de poemas que sai em 1857, é logo atacado violentamente no jornal le Figaro, acusado de "insulto
aos bons costumes".
O livro é retirado e o autor e o editor obrigados a pagarem uma multa cada um. E a condição de serem tirados seis poemas para o livro poder voltar a ser publicado. Em 1860, assina novo contrato com Malassis para a segunda edição de Fleurs du Mal, Paradis artificiels, Curiosités esthétiques. Em Fevereiro de 1861, é posta à venda segunda edição, amputada deses poemas e acrescida com outros textos poéticos e em prosa. extos esses agrupados em seis temas: Spleen et Idéal, Tableaux parisiens, Le Vin, Les Fleurs du Mal, Révolte e La Mort.
Em 1863, Baudelaire cede ao editor Hetzel o direito exclusivo de publicação de um volume de versos (3ª edição de Les Fleurs) e um outro de poemas em prosa, Le Spleen de Paris.
Em 1864, le Figaro começa a publição de Le Spleen de Paris, mas depressa a interrompe.
Em 1866, recebe a notícia que um jovem poeta Mallarmé escreve no "Artiste" um grande louvor da sua obra e Paul Verlaine (21 anos) elogia-o na revista L'Art. E dirá a uma amigo: "esta gente nova mete-me um medo de cães. Quero é estar sossegado sozinho!"
O livro é retirado e o autor e o editor obrigados a pagarem uma multa cada um. E a condição de serem tirados seis poemas para o livro poder voltar a ser publicado. Em 1860, assina novo contrato com Malassis para a segunda edição de Fleurs du Mal, Paradis artificiels, Curiosités esthétiques. Em Fevereiro de 1861, é posta à venda segunda edição, amputada deses poemas e acrescida com outros textos poéticos e em prosa. extos esses agrupados em seis temas: Spleen et Idéal, Tableaux parisiens, Le Vin, Les Fleurs du Mal, Révolte e La Mort.
Em 1863, Baudelaire cede ao editor Hetzel o direito exclusivo de publicação de um volume de versos (3ª edição de Les Fleurs) e um outro de poemas em prosa, Le Spleen de Paris.
Em 1864, le Figaro começa a publição de Le Spleen de Paris, mas depressa a interrompe.
Em 1866, recebe a notícia que um jovem poeta Mallarmé escreve no "Artiste" um grande louvor da sua obra e Paul Verlaine (21 anos) elogia-o na revista L'Art. E dirá a uma amigo: "esta gente nova mete-me um medo de cães. Quero é estar sossegado sozinho!"
No
'dossier' de Fleurs du Mal, escreve:
"Amassei a lama e transformei-a
em oiro".
*
"Trazia
nos olhos a força do coração
Por
Paris o seu deserto vivendo sem fogo nem lugar,
Tão
forte como a besta, tão livre como um Deus."
*
Era
tempo de acabar. Mas o fim demorou a chegar. De Bruxelas para Paris, para um hospital. A agonia foi longa e o sofrimento
imenso! Morre no dia 31 de Agosto de 1867, às 11 da manhã. Em 2 de Setembro é enterrado no cemitério de Montparnasse.
Tudo fica por dizer, mesmo depois de tanto procurar. Basta olhar a bibliografia sobre Baudelaire em qualquer manual: não tem fim!
Tudo fica por dizer, mesmo depois de tanto procurar. Basta olhar a bibliografia sobre Baudelaire em qualquer manual: não tem fim!