Conforme os dias, dia sim dia não, sou optimista ou pessimista.
Em relação ao que se passa no mundo ou em relação à vida? Tudo em geral. O pessimismo, quando vem, é muito forte!
Receio que a utopia que
defendo com unhas e dentes não tenha hoje razão de ser. Um mundo melhor? Ou, distopicamente pensando, virá um mundo pior?
Será, ao menos, possível um mundo de paz e de justiça, num dia longínquo -ou nem isso?
No fim e ao cabo
é disto que falamos ao falar de “utopias”. Porque hoje querer acreditar num mundo de paz
parece utópico, quando as imagens que nos rodeiam falam apenas de guerra, de tortura, de infelicidade e de morte.
Terá de ser sempre assim? Acreditar é apenas uma questão de vontade e de persistência, digo para mim...
Leio um livro que a minha amiga Lea me deixou: "La mia terra promessa" de Ari Shavit, de que falarei aqui um dia. Não posso dizer que seja animador. Mas é belo tentar acreditar!
Edna Dagan, Oração
Vem-me uma forma de tristeza, de desconsolo ao deparar com as imagens de hoje, com os artigos que leio e não consigo entender.
Um dia será diferente? Um dia o nosso olhar verá outras imagens?
Sandro Botticelli, Natividade mística
E os homens que fogem das guerras e da morte terão o apoio de outro homem? Terão compaixão, generosidade, interesse pelo "seu caso"?
O homem dará a mão ao outro homem e dividirá com ele o que tem? Perguntará, apenas, sabendo que é um "terrestre" como ele: "Donde vens, amigo? De que mundo e de que sofrimentos?"
Arjen Galema, Encontro na Noite, 1949
Ouço já os comentários de alguns: “Dividir com essa gente? era o que faltava! Nós
suámos para ganhar o que temos!”
Sandro Boticelli, Abraço místico...
Vencerá o ódio, o rancor e o ressentimento como –tantas vezes –
acontece nas nossas vidas pequeninas - as que vivemos a par da Vida com letra grande. Sempre o medo
será a causa de outros males, de outras dores?
"Não somos heróis, nem anjos, somos homens", diz Ari Shavit no seu livro.
Telavive 1921
Lembro o meu amigo Inácio que me dizia, em Telavive: “Sabe, Maria João,
os dois sentimentos que mais comandam os homens não são o amor e o ódio, mas sim o amor e o medo”.
Eu nunca tinha pensado nisso e impressionou-me ouvi-lo.
O medo? Os maus sentimentos, a desconfiança do outro, sempre? Sempre, a
raiva? Sempre, estar na defensiva, ter de usar a couraça, para não nos ferirem mais?
Sandro Boticelli, Fortitude
Marc Chagall, Guerra
Nunca o raminho de oliveira e o sorriso? O circo e a festa? E sinto-me estúpida a querer
acreditar nisso: que sim, que um dia o sorriso vai vencer as palavras maldosas
que se lançam como pedras. E o céu continua indiferente?
Era o que sonhávamos, quando sonhávamos? Para isto crescemos,
trabalhámos, aprendemos e tivemos filhos? E o que lhes ensinámos não foi justo?
Mary Cassatt, Mãe e filhos
Como explicar-lhes, hoje, que para eles não há lugar neste mundo
que “moldámos” (foi culpa nossa porque o deixámos desenvolve-ser assim?); nesta sociedade de corrupções várias, de indiferenças e de egotismos; nesta corrida ao dinheiro,
ao ganho, ao roubo?
Por que não há-de existir a palavra boa que “anima” o outro, que nos ajude
a viver melhor o nosso dia? Um sorriso, um suspiro de bem-estar? Um pouco de poesia? Uma gargalhada?
Penso no Rabbi Nahman de Breslav, um homem maravilhoso que "pregava" a alegria: "Nada nos ajuda tanto como a alegria. Liberta o espírito e enche-o de calma."
E, noutra passagem, apoia-me na vontade de acreditar: "Mais vale ser um louco que acredita em tudo do que um céptico que não acredita em nada -nem mesmo na verdade!"
Marc Chagall, Criação do mundo
Nézò, Rostos e barcos
Lembro um poema lindo de António Couto Viana. Lembro-me de o ouvir cantado, num pequeno 'single' há muitos anos:´
Trova Dor
Ciência inútil e cega!
Os homens chegam à lua,
Mas a minha mão não chega à tua!
Ai, se as duas se encontrassem,
Como manda o coração,
Talvez os homens voassem
Neste chão.
Ciência que mais importa:
A poeira poluída
Da lua morta
Ou nossas mãos que são vida?
Sandro Boticelli: Primavera (pormenor)
Uma mão estendida para outra, a pancadinha na face – que não seja interpretada logo como perversa, ou demasiado familiar?, em vez de se pensar ser apenas como dizer: estou aqui, não estás sozinho. Sim:
Talvez os homens voassem
A minha teimosa utopia gastou-se com os dias? Talvez não. Vou
acreditando menos do que acreditava: acredito dia sim, dia não: hoje é não,
portanto. Demasiado cansada das imagens e das palavras.
Anjos e demónios - quais os anjos e quais os demónios?
Sandro Boticelli, Anjos ou demónios
Mas há-de voltar um dia-sim! Porque a minha esperança quer manter-se
viva. Hei-de voltar a querer acreditar que um dia, sim um dia…
Sandro Boticelli, Natividade mística: abraço?
Porém, hoje, não sei se alguma vez o homem dará a mão ao outro homem: "a minha mão não chega à tua."
Diz o Salmo 37.11 “Os suaves
ganharão a terra prometida. E terão a paz.” Como o meu livrinho de salmos é inglês/hebraico fiquei a hesitar no sentido de “suaves”.
Livro dos Salmos
Sandro Boticelli: "E terão a paz.”
O inglês “meek é, traduzido, “manso”, “dócil”. Só que não acredito que se precise
de ser “dócil” para ganhar a terra prometida. A luta, a rebeldia fazem parte da procura do “justo”.
Por isso prefiro dizer que serão os “suaves”- tal como o ‘doce Rabi’ de que
fala Eça, num conto maravilhoso- que terão a terra prometida…
Sandro Boticelli, Tentações de Cristo, O leproso
“A vida é um momento efémero, um sopro, uma passagem”, como diz o Salmo 39, e nem
sempre e fácil encontrar um sentido para essa fragilidade e precariedade da
vida humana. Onde estão os suaves, os rectos, os bons?
Seja como for, enquanto passa, a tal vida efémera, a folha seca que somos e se vai perder no vento, o sopro que pouco dura, pode trazer-nos muita coisa!
Mary Cassatt, Leitura no jardim
Traz-nos os amigos, os livros, as pinturas, a arte que nos emociona e transforma uma tarde cinzenta num dia de sol.
Oded, Céu e mar
A
palavra cheia de ternura que nos vem ajudar! Ah, sim acredito que isso existe numa vida.
E que devemos estender a mão para os outros, acredito também! E que vale a pena lutar por isso mesmo.
Chagall, Les amants et le claire de Lune
Será que, depois de escrever tudo isto, vou acabar o dia...optimista? Terá sido do luar desta noite de Setembro?
Arthur Dove, A lua e o mar