sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

MIGRANTES OU BÁRBAROS? DEPENDE DE NÓS...


 Sutera, cidade da Sicília, 'presépio-vivo'

Hoje vou partilhar uma experiência maravilhosa que se passou na Itália do Sul. Na Sicília. No “profundo sul”, como se diz em Itália quando é o sul mesmo.  
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Barco no crepúsculo, Arai Yoshimune (1873-1945)


Em Sutera, a 39 kms de Caltanissetta, as consciências mudaram quase da noite para o dia, as pessoas agitaram-se e reflectiram. Depois do naufrágio nas costas de Lampedusa em Outubro de 2013.
sobreviventes, em Lampedusa 

Nessa data, morreram trezentos e muitos migrantes. Afogados, quase ao pé da salvação. Depois de sofrimentos e tragédias imensas, numa travessia sem fim, cheia de sacrifícios.
Lampedusa  mortos na praia

Estes habitantes pensaram: não podemos ficar de braços cruzados. Vamos fazer o que pudermos. E organizaram-se “como puderam”. Todos quiseram dar, ajudar, saber o que era o mais urgente para aqueles desgraçados sem terra e sem nada.
"Aprender a língua é o mais importante – para comunicarem connosco", disse o professor. 
Para poderem ter um trabalho depois. Sutera é uma terra de onde todos os jovens emigraram. "Nos anos 60 éramos e 5.000, hoje somos 1500 pessoas" -diz o Presidente da Câmara. 
"Sempre –desde sempre- que se partiu para o Norte: Milão, Turim, era a Fiat! - para Pavia, para o Norte da Europa: para os automóveis, os empregos! Os nossos foram mineiros na Alemanha, camponeses em Inglaterra", conta Guiseppe Grizzante. 
 fuga para a Croácia

"Pensámos que depois de tantas partidas era altura de receber alguém, de os hospedar e ajudar. Nas nossas viagens, sempre esperámos ser recebidos de modo digno”.
Hungria e arame farpado

Nem sempre o foram, é certo, mas a vontade de o fazer um dia, ficou. Receber os que chegam à procura de alguma coisa. Mas com dignidade.
De modo digno...
Serão assim recebidos os que procuram outra vez o Norte da Europa, vindos de outras margens e de outros mundos? Ou recebidos com arame farpado por tantos lugares da civilizada Europa!
fuga da Hungria

O professor Mario Tona, reformado depois de 40 anos de uma carreira ilustre e honrada no ensino (liceo classico, humanidades), vai dar uma lição diferente a estes homens que vêm do Nepal, da Gâmbia, da Nigéria, do Paquistão. 

Uma aula diferente com certeza. Mario Tona é um professor voluntário. No sentido de que “ensina grátis”. Sabe que tem uma responsabilidade imensa. E quer ser responsável.
Chega à aula improvisada e diz: “Ciao a tutti. Siete i benvenuti!” Fala, comovido, o professor. Bom dia a todos! Benvindos!

E explica aos jornalistas: "o que pretendo o mais possível é tornar estes rapazes independentes."

Sutera, pequena aldeia,  é a terra que decidiu abrir-se ao mundo para não morrer. Sutera quis pagar o que os seus emigrantes receberam lá por fora. Pensando no como  "deveria ter sido" essa recepção. Que nem sempre foi boa.
Ser difícil não quer dizer impossível. Eles quiseram tentar que fosse positiva. Digna.

Pela Europa vai um pandemónio! A Turquia ameaça não impedir mais os migrantes de passarem, porque a Europa tem de pagar mais. Para o governo de Erdogan -para quem matar não é um problema -basta ver como bombardeia os kurdos do seu país, em vez de bombardear (como dissera) os djihadistas- para ele os 3 biliões de euros que deu a UE é pouco...

entre a Sérvia e a Hungria

A Hungria levanta torres de arame farpado e ameaça disparar com tiros reais, na passagem das suas fronteiras. 
A dirigente alemã do Partido de Alternativa (BfD), Frauke Prety, de extrema-direita, também não sente grandes problemas, nem tem estados de alma, em aconselhar o uso das armas, contra gente indefesa. Basta ver-lhe a expressão decidida. 



Diz o Presidente húngaro, o neo-nazi, Viktor Orban: "A Europa é rica, mas fraca. Não deixou apenas a porta aberta a todos, mas ainda enviou um convite”. 
A Europa não é fraca, a Europa tem uma responsabilidade e essa é a de tornar mais humano este "cataclismo" que ninguém esperou nem quis! 
E não é Viktor Orban, neo-fascista, que deve aconselhar seja o que for à Europa. Ou criticá-la sequer. 

É uma situação muito grave! A Europa devia ter uma política de ajuda comum. Solidária. Há problemas sociais que não se podem ignorar. Nem situações de fome e desespero de milhares no nosso solo que se define nos valores "liberdade, fraternidade e solidariedade".
É fácil falar utopicamente das coisas? O importante é falar delas. E tentar encontrar soluções. Utópicas.

Felizmente, a Europa é também a de Sutera: a dos voluntários que vão ajudar, 'grátis' como o professor Tona, nas costas de Lesbos. Os Gregos que recebem gente que nunca mais acaba porque não querem fazer o trabalho sujo da Europa e "empurrar" os refugiados para o mar - como muitos gostariam. 
A Europa é também a Marinha Italiana que chegou a salvar 150.000 pessoas, num ano só. 
A Europa é ainda as gentes  que acreditam que nem todos os migrantes  e fugitivos são bárbaros e terroristas! (Os terroristas já chegaram há mais tempo.  Vivem por cá. E vieram de avião, com passaportes falsos.) 
A Europa ainda pensa que nem todos os estrangeiros e refugiados "vêm violar e matar as nossas mulheres!" 

A verdade é que disso também já cá temos: Os bárbaros estão há tanto tempo a matar e a violar mulheres! Basta ler os jornais, todos os  dias e saber as estatísticas dessas mortas....
Sutera

O que nos fica desta história, afinal? Para mim, Sutera é uma luz. É,  sobretudo, a história de gente que não quer atraiçoar-se. Que pensa na dignidade dos outros. E na sua própria dignidade.
Sutera (Festa do presépio-vivo)


4 comentários:

  1. Apreciei imenso este registo. Dói a alma ver tantas mortes resultado da fuga da própria morte e de más condições de vida. Tenho tristeza por esta Europa tão pouco digna e não receptiva. Cada vez gosto menos da Europa, o Velho Continente.
    Beijinho grato por este grito.

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  2. Tens razão, un cataclismo mais a pesar-nos nas consciências. Eu sinto-me personalmente culpável todos os dias, por não pôr a minha qualidade de vida ao serviço de nenhum desgraçado, por não abrir as portas da minha casa a nenhuma criança que me atormenta tanto. Com abrir as portas do coração não é suficientea. É um tema sangrante. Maldita guerra, maldito tudo!!!

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    1. Pois é, Maria e Ana: quem tem consciência sente-a pesada. Também acho que não faço nada e queria, como tu Maria, abrir a minha casa e dar um pouco do que tenho a quem precisa tanto. Mas ficamos pegados aos nossos hábitos e costumes e...nada. Talvez apareça a ocasião, quem sabe?
      Bom domingo!

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  3. Grande verdade MJFALCÃO, a nossa dignidade passa pela dignidade dos outros.

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