quinta-feira, 14 de abril de 2016

Um autor, um livro e um passeio “cultural” à Guarda!


O livro merece ser lido. Trata-se de Céu Nublado com Boas Abertas, de Nuno Costa Santos. Fomos assistir à sua apresentação na Guarda, feita pelo Manuel Poppe. 
E o tempo da viagem adaptou-se ao título do livro: céu nublado...com algumas (poucas) abertas...


A apresentação foi, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, um belo edifício cheio de luz, onde reencontrámos os amigos que, antes, encontrávamos no TMG.

Lá estava o Américo Rodrigues, hoje director da Biblioteca depois de o ter sido do TMG (TeatroMunicipal da Guarda) onde realizou trabalho inestimável, a Élia Fernandes, a Alice Manso. E foi bom reencontrá-los.
sessão de apresentação  

O livro de Nuno Costa Santos fala, no fim e ao cabo, de uma viagem ao passado, para "recuperar" uma coisa perdida. Um tempo perdido...
O narrador descobrira, na estante que fora do avô materno, uma série de cadernos, dossiers, papéis dactilografados e manuscritos, que falam da vida de João Pereira da Costa, seu avô: um livro que nunca terminara ou que, pelo menos, nunca publicara.

A biblioteca do meu avô define em parte aquilo que sou e o que faço.”

E decide corresponder ao pedido desse avô que deixara escrita esta nota: “Se tiver descendente que se interesse pela escrita peço-lhe para ir a São Miguel e trazer de regresso um conjunto de histórias do presente da Ilha.”
E acrescenta, amargo e irónico: “mas não se fatigue demasiado. Que viva a vida que não consegui viver.”

E o neto decide: “corresponder ao pedido.” O livro que o avô não editou vai fazer parte do seu livro, onde contará histórias, de hoje em dia, passadas na ilha.
Parte para os Açores, a seguir o mesmo trajecto de João, e o que encontra, transforma-se numa história quase-policial, cheia de auto-ironia e de humor.

Em 1944, em São Miguel, João Pereira da Costa, casado há meses, descobre que está tuberculoso. O estado é considerado muito grave: uma caverna no pulmão. O médico aconselha uma intervenção urgente, um pneumotórax. Não é experiente, era um “faz-tudo” segundo escreve João Pereira da Costa, quis fazer o que não lhe competia, nem era da sua competência. 
A situação, em vez de melhorar,  piora e João vai para o continente, tratar-se no Sanatório do Caramulo, onde passará 6 anos difíceis, de solidão, de medo e de dor. Um Sanatório que, no entanto, se revela um local onde pôde cultivar-se, lendo, numa boa Biblioteca, os livros que nunca lera.

E o neto vai re-percorrer esse caminho. No avião que o leva aos Açores, o narrador entretém-se a ler, num jornal, a metereologia:nevoeiro, vento, chuva, tempestade.” 

E a tempestade chega e assusta os passageiros que, entre medo e piadas forçadas e gracejos, aguardam que o piloto encontre o local mais seguro onde o aparelho poderá aterrar. 

No jornal há também anúncios ‘amorosos’. Um desses anúncios é assinado por uma misteriosa Ruiva do Pico.
O companheiro do lado mete conversa, tratando-o por tu, o que não lhe agrada. É uma pessoa grosseira, metediça. Chama-se Laureano. E diz, presunçoso e estúpido: “um desses anúncios é da minha namorada.”
a Ruiva do Pré-Rafaelita,  Dante Rossetti

Em São Miguel, o narrador vai encontrar essa namorada, a tal Ruiva, que se chama Neuza. E que lembra Aja Warner, escreve o autor. Outra ruiva, pensei eu. 
Como os livros são feitos de coisas reais ou menos reais esta Aja Warner é afinal uma modelo que um amigo do autor (real) põe todas as manhãs no FB. 
Afinal, indo à internet, descobri que havia esta Aja. Aja Naomi King (Aja Warner) que não era ruiva, mas era actriz e modelo. E muito bela! Ainda julguei que fosse ironia. Não era esta Aja! 

Continuei à procura e descobri a verdadeira ruiva Aja Warren (e não Warner). Aqui fica...mais próxima dos pré-rafaelitas.


Na ilha, o narrador vai descobrindo gente estranha e vai vivendo aventuras que não sonhara. Verdade? Ficção? Pouco importa porque a verdade do escritor é sempre a sua ficção…Ou vice-versa. E as aventuras parecem acontecer por acaso, mas talvez seja ele que, no subconsciente, as procura para  corresponder ao pedido do avô.

Uma das personagens é Marinho. Encontra-o no Joe’s Bar, bar de açoreanos, antes imigrados na América. Que o olham um pouco de lado, e não se fiam: para eles, pelo sotaque, é um “português”.

Um dia, entra pelo bar um homem que, assim que o vê, lhe quer bater. “Foste tu!”, grita. É Marinho! Marinho anda à procura do porteiro da discoteca que o não deixara entrar na discoteca. 
Vem a polícia e leva-o para a prisão. O dono do bar explica, enquanto ajuda o narrador a levantar-se do chão: “Anda à procura do tipo que não o deixou entrar numa discoteca, há vinte anos!

Há um chinês que é escolhido para "mordomo" das festas. Há também uma mulher pobre que lhe chama “menino”, e que tem o filho na cadeia. Vai descobrir que é a mãe de Laureano.

O próprio narrador vai parar à cadeia, envolvido num tráfico de droga.  E, lá, encontra Marinho e Laureano. Mais histórias!

Tratara-se de um erro, é evidente. No footing matinal, à beira mar, o narrador encontra um pescador. Senta-se a falar com ele, que não abre a boca. Quando se levanta para continuar a corrida, diz-lhe o homem: “esqueceu-se disto” – e aponta para um embrulho. “Não é meu”.  E o outro: “Leve-o”…
São pacotes de droga. Vai deitá-la no lixo. Um barco de um traficante de droga afundara-se e os pacotes de droga espalharam-se pela costa. 
O narrador é ilibado e sai da prisão. Laureano e Marinho querem que ele os ajude a fugir da cadeia. 
Mulher ruiva, de Dante Gabriel Rossetti

Encontra Neuza, a Ruiva, que lhe traz recados de Laureano.

São estas as histórias que o narrador vai levar. Em Portugal visita o Sanatório, passeia pelos pinhais e pela mata, absorve a atmosfera que o avô conhecera; o sítio onde passeiam, quando jovens, o avô e a avó, quando ela, passados quatro anos de separação, vai viver com ele no Sanatório, arriscando muito.

E o neto começa a escrever o livro, intercalado situações com o do avô, em muitas citações, passagens que se “cruzam” com as histórias do presente, alternando capítulos de um e de outro, intercalando fotografias (*) para tornar mais presente esse passado.
Entre as histórias vividas, no presente, pelo neto, e as do avô, na mesma ilha, nas duas narrativas, perpassa o destino desse jovem, que passara parte da juventude no sanatório. E que ele recorda, anos mais tarde, sentado numa cadeira, com oxigénio, talvez com um livro na mão.
livraria Almedina, escaparate


"Céu nublado com boas abertas" é um livro cuja leitura aconselho! Escrito de forma directa, cheio de ironia, melancolia (melancómica), sem artifícios, bom diálogo, falando da vida onde há "céu nublado" que se intercala com "boas abertas":  é um romance positivo, e é um prazer lê-lo!! 

 (*) o arranjo fotográfico é de Jorge Jorge Vaz Gomes, artista plástico de fotografia e de vídeo, e realizador.

NOTA: Nuno Costa Santos nasceu em 1974. Viveu dos 7 aos 18 anos em São Miguel (Açores). Trabalhou em géneros muito diferentes do teatro à crónica, passando pelo guião e pelo documentário”. É colunista da revista “Sábado” e autor da série televisiva "Melancómico". Este livro, publicado pela Quetzal, é o seu primeiro romance.




5 comentários:

  1. Tenciono lê-lo. Não para já, mas vou lê-lo. O autor esteve aqui no Festival Literário, no sábado, como mediador de uma conversa com um autor.

    Então foi um bom passeia até à Guarda!

    Já vi "A última Estação". Adorei!

    Um beijinho grande:)

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  2. Fazes bem, Isabel! Por acaso, disse ao Manuel: tenho a certeza de que a Isabel vai gostar de ler! Beijinhos

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  3. Fazes bem, Isabel! Por acaso, disse ao Manuel: tenho a certeza de que a Isabel vai gostar de ler! Beijinhos

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  4. Deve ser um bom livro, se o Manuel aposta por ele.
    A Guarda para viver é um pouco dura, nós sempre íamos de compras a Vizeu, onde estive interna nas freiras e fiz o 6º e 7ºano no Liceu, e fui absolutamente feliz.
    Bom finde, bjs

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  5. Gosto de Nuno Costa Santos, como "marginal ameno" e como "melancómico".
    Como escritor, também me deverá agradar.
    A Sé da Guarda é um dos meus monumentos preferidos.

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