Ao
sabor do tempo, neste blog, vou saltando de assunto para assunto porque a
nada sou obrigada. Quem gosta, lê… Quem não gosta, não venha ler.
Fixo-me hoje na figura do 'fora de lei' Butch Cassidy.
E recordo uma frase que Bruce Chatwin lhe dedica no seu
livro “Na Patagónia” (*).
Bruce
Chatwin escreveu um livro muito interessante de que já falei aqui. Livro cuja
leitura me foi aconselhada pela grande amiga, Luciana
Stegagno-Picchio, sabedora de literatura, lusitanista e mulher de cultura.
Falava-me de Chatwin às vezes! Conhecia a minha vida de viajante e dizia-me sempre: “Tens que escrever o livro das tuas viagens!” Talvez um dia o escreva, quem sabe?
O livro de Bruce Chatwin anda também ao sabor do tempo, contando coisas variadíssimas de uma
viagem à Patagónia longínqua. Onde, paulatinamente (como diziam os meus amigos são-tomenses), pára quando quer, apanha os meios de
transporte que aparecem, sem pressa, numa viagem de conhecimento do mundo diferente. Em errância, como diz.
Por vezes segue a pé, de saco às costas, ou vai montado num burro ou (com sorte!) num cavalo, à procura dum mundo que
existiu no seu modo particular e que hoje parece perdido!
Encontra gentes solitárias, vê terras selvagens, procura o sentido de uma vida que hoje aparentemente o não tem, nem tinha já- no tempo em que ele realiza a viagem.
Escrevia,
pois, Bruce Chatwin, sobre Butch Cassidy, o que se segue:
“Espírito imparcial, de lealdade selectiva,
sonhava ser cow-boy e seguia a epopeia de Jesse James nos fascículos de cordel.”
(Na Patagónia, pg 69)
Perdoem
o à parte: quem não recorda com saudade esses heróis do oeste selvagem? Jesse
James, Billy the Kid e Butch Cassidy? Quem não se sentia mais puxado para o
lado deles?
Eu, pelo menos, fascinava-me bem mais o lado deles do que o lado do sheriff Pat Garrett! Ou o da terrível Agência Pinkerton!
Eu preferi-os tantas vezes! Rebelde, Sentia-me
solidária com os bandidos fora da lei, sem deus-nem-dono,
como cantava Léo Ferré ('Ni Dieu, ni Maître'). Solidária do que me parecia ser um ideal de liberdade e de justiça (seria?)
que se afastava –ou estava acima? - da lei vigente…
Qual a justiça, nessa lei?
Há tempos encontrei na internet, na biografia de Sundance Kid - que vai ser o amigo inseparável de Butch- uma frase do
próprio, 'qualificando-se': “Sundance Kid, profissão:
fora de lei”. Adorei o seu sentido do humor!
Bem,
mas voltando ao que conta Chatwin:
“Butch
(…) aos 18 anos pensava que os seus inimigos naturais eram os grandes
rancheiros de gado, o caminho de ferro e os bancos, dizendo a si mesmo que o
direito se encontrava do lado errado da lei”. (idem, pg. 69)
Nascera
em Beaver, no Utah, a 13 de Abril de 1866. Chamava-se Robert LeRoy Parker e os pais tinham vindo de
Inglaterra, ainda crianças, e chegaram ao Oeste numa caravana de Mormões.
A mãe
era de ascendência escocesa. Foram sempre pobres, muito pobres, e tinham 11 filhos. Talvez
por isso Butch tenha abandonado a casa e tenha largado o trabalho em que se
esfalfava a trabalhar para os outros por uma paga de miséria. E, por isso mesmo, numa bela manhã, do ano de 1884, tenha
decidido partir!
“Esta sua partida coincidiu com a época
dourada dos ricos ranchos (…) dos ‘cow-boys’ a viver uma vida de privações; dos
barões do gado que pagavam salários miseráveis e tiravam dividendos da ordem
dos 40% para os accionistas; (…) dos pequenos almoços com champagne no ‘Cheyenne
Club’. (in Patagónia, pg.70)"
As
privações vão-no empurrando para a frente. Assim, nessa bela manhã de Junho, anuncia
à mãe que vai trabalhar para as minas de Telluride,
despede-se dela e da irmã bébé - e lá se
foi!
“E sumiu de suas vidas, a cavalo”,
conclui Chatwin. Nessa noite, o pai conta, desolado, que ele fugira depois de ter
roubado umas cabeças de gado a um rancheiro!
É
a partir daí que se vai chamar Butch Cassidy e vai ser procurado pela polícia.
E torna-se numa lenda!
Os
tempos correm e tudo muda. E chega o Grande Inverno de 1886-1887 que mata mais
de três quartos do gado daquela zona.
“A avidez, ligada à catástrofe natural, vai
dar origem a outro tipo de ‘cow-boy’ marginal, o dos homens reduzidos à
clandestinidade e ao roubo de gado, devido ao desemprego. (…) E à fome. ”
Pelo
Oeste esses “desesperados” profissionais
criam quadrilhas de ladrões de gado, de assaltantes de bancos. Porque a verdade
é que nada têm a perder! Butch Cassidy vai ser um deles.
“Durante aqueles anos, foi vaqueiro, domador
de cavalos selvagens, marcador de gado, assaltante de bancos a meio tempo, mas
era como chefe de quadrilha que os xerifes das redondezas o temiam”.
Em
1894, é preso, acusado de roubar um cavalo que não tinha roubado e que no
máximo valeria uns 5$. Um pretexto, no fim e ao cabo. E passa dois anos na
penitenciária de Wyoming.
Em 2 de Junho de 1899 a quadrilha roubou o Union Pacific Overland Flyer perto de Wilcox, Wyoming, um roubo que ficou famoso e que resultou numa enorme caça ao homem. Muitos homens da lei notáveis da época participaram na perseguição aos ladrões mas não os conseguiram apanhar.
"A
pena e a prisão injusta azedaram ainda mais as suas relações com a lei e, de
1896 a 1901, o seu Sindicato de Ladrões
de Comboios (sic), mais conhecido
pela Wild Bunch (Quadrilha Selvagem),
cometeu uma série de assaltos executados na perfeição”(wikipedia).
É
aí que entra na corrida a Agência de Detectives Pinkerton, com a sua divisa "nunca estamos a dormir"!
A verdade é que
Butch Cassidy era adorado pelos fazendeiros pobres e era capaz de pagar a renda
de uma pobre viúva - depois de ter roubado o cobrador das rendas. Paradoxos dos
que procuram a justiça na vida…
E diga-se a verdade: Butch Cassidy nunca matou
ninguém. E sentia remorsos quando pensava nos mortos que a quadrilha ia matando.
Mas
até esses belos tempos do “Wild Bunch” passaram. As fronteiras são mais
seguras, os cavalos da polícia mais velozes. A Agência Pinkerton (**) põe a polícia
montada dentro dos vagões de gado. Muitos filmes se fizeram sobre essas vivências!
Lembro o de Sam Peckinpah, “Wild Bunch”, de 1969, e, mais tarde, "Pat Garrett e Billy the Kid" (1973), filmes de grande violência.
Muitos
foragidos são mortos. Outros preferem esconder-se nas cidades. Alguns amigos de
Butch morrem em brigas nos saloons, abatidos por pistoleiros profissionais que
“vigiam” o jogo. Ou são metidos detrás das grades.Outros, ainda, alistam-se no
exército dos Usa...
O
que resta a Butch? Cumprir uma longa pena de prisão que o espera ou fugir para a Argentina? O destino vai decidir por ele...
George Roy Hill: 'Butch Cassidy e Sundance Kid’ (1969)
Em
1901, em Nova Iorque, encontra Sundance Kid e a namorada, Etta Place. O
trio especializa-se em outro tipo de assaltos e depois decidem fugir para a Argentina! A escolha estava feita!
Soundance Kid e Etta Place (1900)
E
vão continuando pela América do Sul, praticando assaltos não só na Argentina, como
na Bolívia, Peru e Chile. A presença dos três é confirmada nesses lugares entre 1902 e 1907.
Diz-se
que Butch morre na Bolívia, em San Vicente, a 7 de Novembro de 1908, morto pelo exército boliviano
- mas a verdade nunca se soube.
Filmes
sobre esta figura lendária:
1969,
‘Butch Cassidy e Sundance Kid’, de George Roy Hill com Robert Redford e Paul
Newman;
1979,
‘Butch e Sundance Kid: os tempos da juventude’, de Richard Lester, com Tom
Berenger;
2011,
“Blackthorn” (Os Implacáveis), do realizador espanhol Mateo Gil, com Sam
Shepard, filmado na Bolívia, em que Butch Cassidy é perseguido até à fronteira gelada pelos homens do sheriff, implacável.
(*) O livro "Na Patagónia" foi publicado em 2004 pela 'Quetzal', na colecção Serpente Emplumada.
(**) "A maior parte dos contratos da 'Agência Pinkerton' girava em torno de evitar que
grevistas (principalmente líderes sindicais) ocupassem ou se aproximassem das
fábricas em que trabalhavam. Fundada por Allan Pinkerton.
O incidente mais famoso da agência nessa área de actuação
foi o da greve de Homestead de 1892, quando centenas de agentes da Pinkerton forçaram violentamente o fim de uma greve, matando nove pessoas." (wikipedia).