terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

TRIESTE: o pintor Vittorio Bolaffio visto por Giani Stuparich...

Vittorio Bolaffio, "Primavera e andorinhas"

os irmãos Giani e Carlo Stuparich

Hoje lembro Giani Stuparich e o pintor Vittorio Bolaffio. No livro “Trieste nei miei ricordi” (*), Giani Stuparich escreve:

Enquanto falava com Bobi (**), erguia de tempos a tempos os olhos para o quadro de Bolaffio, aquele políptico inacabado, com um vapor enorme ao fundo, e a grua e os trabalhos de carga, e a senhora com a sombrinha vermelha. (Conto, entre parêntesis, que numa certa manhã vi chegar Bolaffio num táxi donde desceu com um quadro muito comprido debaixo do braço e levou-o para o sol do jardim onde havia crianças a brincar. Chamou-os para verem o quadro e observou a impressão que lhes causava; nunca o vi tão contente como quando descobriu que os  miúdos se interessavam muito divertidos por aquelas figuras e pelas cores: ‘Pintei-o à luz do petróleo, enquanto sonhava o sol; vejo que ao sol não fica prejudicado; estas crianças são os  críticos mais agudos.’ Depois desta prova que o mantinha em suspenso trouxe o quadro para dentro e pendurou-o na parede, onde ainda está. Cândido e querido Bolaffio!"

Quem eram estas duas figuras de Trieste?
Giovanni Domenico Stuparich, conhecido por Giani Stuparich, nasceu em Trieste, em 4 de Abril de 1891, e morreu em Roma em 1961. Escritor, ensaísta, escreveu sobre Trieste. Escreveu contos. Era irmão de Carlo Stuparich, que morreu cedo, na Guerra de 1914-18, também escritor. Na Guerra morre também o amigo Scipio Slataper -outra figura das letras da cidade.
Carlo Stuparich
Scipio Slataper
Trieste pertencia então ao Império Austro-Húngaro. Giani e Carlo vão estudar para Praga. Inscritos nessa Universidade, transferem-se anos depois para a Universidade de Florença com o amigo Scipio Slataper.

Universidade de Florença 

Quando a Guerra rebenta, vão alistar-se os três no batalhão dos Granadiere di Sardegna. Partem juntos -os dois irmãos e Scipio Slataper. Este morre cedo, em 1915, na Batalha do Carso
Carlo e Giani Stuparich, na frente



Carlo Stuparich morre em 1916: suicida-se, em Maio de 1916, para não cair nas mãos dos austríacos. 
Carlo Stuparich

Giani Stuparich é feito prisioneiro e passa por vários campos de concentração austríacos. Mais tarde, pertencerá aos partigiani, a resistência italiana.
'Partigiani', na Piazza San Marco, 1945

 "As três amigas": Elody é a da direita

Só em 1918 volta a Trieste. Em 1919, casa com Elody Oblath que conhecera em 1914. Elody pertencia a um grupo de amigas que se relacionaram muito jovens com os Stuparich e com Slataper. Slataper que teve uma correspondência epistolar com as três.
Como a vida é sempre mais complicada do que se julga, em 1944, Giani com a mãe Gisella e com Elody são presos, por serem judeus, na Risiera di San Saba, mas conseguem sobreviver.
Risiera di San Saba

Vittorio Bolaffio 
Por sua vez, Vittorio Bolaffio nasceu em 3 Junho de 1883, em Gorizia, numa família judaica. Estuda pintura em Trieste. Em 1910, está em Paris onde encontra Modigliani – que já conhecera em Florença- e deixa-se influenciar um pouco por ele. Interessa-se muito pela pintura de Seurat, Matisse e Cézanne. 
Em 1912, está de novo em Trieste. Sugestionado, talvez, por Gauguin, realiza uma viagem ao Oriente. 
Embarca como fogueiro, num barco e chega à Índia. Da viagem traz apontamentos da vida local, cenas de porto (Botheghe cinesi a Bombay 1912).

Em Paris seguira o ensinamento de Cézanne que nem sequer os parisienses apreciavam ainda nesse período. 

Sequiosas de silêncio, as suas obras representam uma série de pequenas obras-primas onde se encontra uma possível leitura ‘macchiaiola’.” (…) ‘La Primavera e le rondine’, ou ‘Il ritorno del gregge’ têm uma atmosfera de contemporaneidade.”
Regressa. Entretanto rebenta a Guerra e vai para a frente como tantos outros conterrâneos. Sabe-se que, no entanto, foi incapaz de disparar um tiro, porque para ele a vida  era demasiado sagrada. 
"Soldado a tocar violino", datado de 1914
O "Retrato do soldado a tocar violino" mostra um soldado simples, talvez um camponês, de barrete caído para trás, ainda muito jovem, sem se ver nele qualquer relação com a guerra que estava vivendo. Como Bolaffio, afinal.
La cinesina
Grande retratista (‘La cinesina’, por exemplo), pinta retratos muito expressivos e penetrantes do ponto de vista psicológico. 
retrato de Bettiza
Pinta os amigos Bettiza, pintor como ele, e o poeta Umberto Saba, em 1921. Os retratos da mãe e do pai têm uma grande expressividade. O retrato do amigo Umberto Saba foi o único retrato que Saba considerou próximo de si.
retrato do poeta Umberto Saba
Retrato da Mãe
Vittorio Bolaffio, Retrato do Pai
Depois, começa a pintar painéis horizontais “em que se vêem nessas composições grupos de pessoas cheios de vida, enquanto uma ou outra se isola num canto, como se fora do quadro estivessem. Um olhar humano, um significado simbólico…” (escreve o crítico Silvio Benco, 1948).  

Vittorio Bolaffio é, segundo alguns críticos, o único pintor da Venezia Giulia com um interesse verdadeiramente europeu – mas pouco valorizado no seu tempo. 
Quanto a mim, confesso que achei invulgarmente 'fortes' os seus esboços, os sketches, desenhados onde calhava, cheios de movimento, de elegância nas figuras femininas, de vida.
Jovem mulher à janela
capa do livro sobre Botraffio
 “A partida”, “Cenas marítimas”, que tive o prazer de ver no Museo Civico Revoltella de Trieste, de que já falei. 

Tencionava continuar essas composições em painéis mas, em 1931, morre de tuberculose.
Em 1947, em Trieste, na Galleria S. Giusto, é-lhe dedicada uma retrospectiva -com o pintor Marussig –cuja apresentação é feita por Giani Stuparich. 
Piero Marussig, Donne al Caffè

Em 1948, finalmente, é-lhe dedicada uma retrospectiva na XXIV Biennale di Venezia, apresentada por Silvio Benco.
Trieste vista do alto de S. Giusto
Assim, nessa retrospectiva, o nome de Stuparich fica ligado ao do amigo Bolaffio. É inesgotável a Cultura de Trieste! Continuarei a vir falar do pouco que sei dela…

(*) “Trieste nei miei ricordi”, Editori Reuniti, pg. 82
(* *) Bobi era o escritor Bob Bazlen (Robert Bazlen nascido em Trieste em 10 Junho de 1902, morre em Milão em 27 de Julho de 1965)
 



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Dois poemas de Bettine Margalit Amir

1976-Linguage
Quem é esta poetisa? Bettine Margalit nasceu no Líbano, em Beirute, e vai para Israel em 1950. Começa a escrever poesia em 1957 e publica na revista Sheket em 1959 os primeiros poemas. Em 163 licencia-se em Literatura Francesa e Filosofia, na Universidade Bar-Illan de Ramat Gan. 
De 1963 a 1964, estuda na Academia de Artes e Pintura e Escultura, em Telavive,  dirigida pelo pintor Professor Margoushilsky. 
Em 1964, vai trabalhar para Paris com o pintor Frédéric Delanglade. Em 1966, recebe o Diplome d’Honneur da Grande Biennale International de Vichy. 

Em 1970, algumas obras suas estão presentes na Exposição “Terre Latine”, no Museu de Arte Moderna de Paris.
Em 1969, casara com o poeta e escritor e tradutor Aharon Amir (*), muito respeitado em Israel e que, em 2003, ganhou o conceituado Prémio Israel.
De 1976 a 1985, Bettine Margalit Amir ensinou Terapia pela Arte, na Clínica de Saúde Mental do Hospital Carmel,  em Ramat Hen, no Departamento de Psiquiatria de Haïfa.  
Fora convidada pelo Ministério da Saúde para realizar “workshops” profissionais para instrutores em Psiquiatria e Geriartria, no Hospital Tel Ha-Shomer de Tel Aviv.
Ao longo destes anos tem continuado a pintar, e tem publicado contos e poesias em vários jornais e revistas literárias. 
Em 2014, realizou uma Exposição de pintura na Galeria Shapir, em Telavive.
Foi em Telavive que tive o gosto de conhecer esta figura. Uma mulher bela, inteligente e culta que falava com simplicidade. Foi através do poeta Amir que a conhecemos. 
Aharon Amir

De facto, Aharon Amir além de escrever os seus livros, dedicava-se a traduzir, para o hebraico, escritores de várias línguas entre as quais o português e o espanhol. Era considerado um tradutor-escritor, com uma linguagem cuidada e adequada.
Depois, conhecemos Bettine. Recordo uma maravilhosa tarde de Primavera de 1999 em que fomos assistir à inauguração de uma exposição sua, de pintura, na Galeria Beit Gavriel, em Tiberíades, no lago Tiberíades. A exposição intitulava-se "Ciclos do Outono".

O lago Tiberíades a que os israelitas chamam “Kinneret” e se traduz como “violino”. Fica no Vale do Jordão. E, de facto, o lago tem o feitio de um violino! 



Nessa altura não conhecia a sua poesia, apenas a sua pintura e foi com prazer que, através da internet, pude ler alguns poemas seus. Tentei traduzi-los o melhor que pude (do francês!)sabendo, porém, quão difícil é traduzir e -sobretudo- traduzir poesia. 
Emocionou-me o poema "Sobre a linguagem" que dedicou ao marido, que morreu, em 2008.
Lembro que o escritor Boris Pasternak -grande tradutor- dizia que não se deve nunca traduzir "à letra": o que importa é dar, noutra língua, o que o poeta quis comunicar na sua. 
Está em preparação o terceiro volume de poesias de Bettine Amir.
Sobre a Linguagem

“…Não digas nada
Vem perto de mim
Dá-me a tua mão
Não fales
Fecha os olhos
Ouve este canto feliz
Que sobe…
Segue a sua estrada
A voz que te chama
Com todas as suas cordas
Se une:
Amo-te.”

* * *
Sinfonia de uma tarde de Outono

“Numa noite de Outono,
Como por encanto,
A estrela do pastor
Vem deitar-se no meu piano.
Por instantes,
Presa de vertigem,
Caio no vazio.
Um ar fresco
Acariciava-me o rosto, os ombros,
Pouco a pouco ganhava forma
E desenhava por cima de nuvens
Palavras,
Palavras jorravam como faíscas.
Teriam um sentido,
Uma mensagem
Uma razão de ser?
O que se passou?
Estremeço ainda,
ontem e hoje,
com as noites de Outono
de perfumes embriagantes de magnólias.”


 * * *
NOTE (*) Aharon Amir nasceu na Lituânia em 1923 e morre em 2008 em Tzifrin, com um cancro. 
Em 1933 vai com a família para a Palestina sob o Mandato Britânico e cresce em Telavive. Estuda Língua e Literatura árabe na Universidade Hebraica de Jerusalém. Traduziu mais de 300 livros para hebraico desde os clássicos franceses e ingleses. 
Traduz Melville, Dickens, Camus, Conrad e Hemingway, Steinbeck, Virginia Woolf, Poe e Emily Bronte - entre muitos outros. Até o general De Gaulle e Winston Churchill!
Fundou e dirigiu a revista "Keshet". Foi conhecido também em Israel pela canção popular do cantor Meir Ariel que citava a sua tradução de Ilhas na Corrente de Hemingway.

                                 www.bettineamir.com