domingo, 9 de abril de 2017

Um ou dois Haïkaïs de Batshô e a libélula vermelha


Descobri na minha biblioteca um livro que me deu a Gui, a minha filha, que foi a primeira a ‘levar-nos’ para a poesia curta japonesa. 
É de 1993 essa oferta, estávamos nós em São Tomé. Estranha mistura! Não me lembro de ter lido os poemas lá na Ilha, vê-se que foi um dos livros que ficou por cá. 

Descobrem-se coisas novas nos livros. Este livro, que se intitula “Le Livre d’ Or du Haïkaï ”, explica a evolução do poema curto japonês. (*)
Debruça-se sobre a poesia de Batshô, Issa, Buson e e Shiki que, creio que de nome já os vamos conhecendo. Mas aparece sempre algo de novo.

De facto, é Bashô - que se chamava Matsuo Manifusa mas que simplifica o nome para Bashô, depois dum aluno lhe «plantar à porta de casa uma bananeira que não dá frutos e se chama “bashô”. Tem poemas delicados e belos. Apenas estes dois poemas e uma história:
Um dia o seu aluno preferido Kikaku escreveu:

Uma libélula vermelha
cortem-lhe as asas
um pimento.
Bashô achou os versos demasiado cruéis e para tornar o  haïkaï mais fiel aos sentimentos budistas -que eram os seus- escreve em resposta:

Um pimento
ponham-lhe umas asas
libélula vermelha.
Bashô 

A partir de 1675,  Bashô “põe em prática uma poética do haïkaï que os seus discípulos vão seguir. Não se trata de um ‘jogo’ como a poesia imediatamente anterior era, um ‘jogo de corte’, de habilidade e de belas palavras mas, sim, de um género poético específico, tocando na essência mesma da poesia”. (in Prefacio)

Antes surgira a ‘tanka’  que se torna muitas vezes num jogo de sociedade, uma espécie de "poema-cadeia": um poeta propõe os três primeiros versos, um outro continua e por aí adiante. 

Mais tarde, ainda, o  haïkaï vai ter apenas 3 versos, com poetas como Sôgi, Sôkan e Moritake Arakida (1473-1549). ´

Com Bashô - monge entre zen e laico- (1644-1694), o haïkaï não vai ser nenhum “jogo” nem será facilitado pela ausência de regras da escrita: vai ser uma composição ‘reflectida, requintada, trabalhada”. Uma linguagem alusiva mas simples, uma linguagem ‘não palpável’ que tem a intenção de suscitar os ecos do mundo interior.
Masaoka Shiki

Uma poesia de grande pudor dos sentimentos que vai buscar as palavras simples do dia a dia e que as enche de sentido, apresentando, numa visão súbita e simultânea do instante vivido, imagens, sons, sentimentos…

Bashô vai ser o grande poeta-viajante, atravessando as “Oito grandes Ilhas”, para ler os seus poemas e ensinar os seus alunos por toda a parte, criando a amizade.
(Só no século XIX aparecerá o ‘haïku’, derivado do haïkaï -hokku.)
  
Kobayashi Issa

Este livrinho apresenta, além de Bashô,  poemas de Busón, Kobayashi Issa, e Masaoka Shiki.
 Hocusai


(*) editado pelas Editions Seghers, com um bom Prefácio de Pierre  Seghers, o livro tem muitas notas explicativas, e belas imagens de pintores japoneses, um biombo 'Nanban', que representa a chegada dos portugueses ao Japão e muitas imagens de pinturas de Toyokuni Utgawa e de Katsushika Hocusai.

8 comentários:

  1. Gosto de Haiku. Gosto desta poesia aparentemente "simples". Adorei este registo, belo como sempre.:))
    Tenho saudades também, não tenho andado pela net.
    Beijinho. :))

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  2. Não costumo ler esta forma de poesia, apesar de já o ter feito!
    Mas reconheço-lhe a beleza e a capacidade de síntese!
    E os livros, por norma, possuem belíssimos desenhos japoneses!
    Um beijinho, Maria João.:)

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  3. gosto de ler haïkaîs
    Já há muita gente que se exprime nesta forma de poesia
    bjo

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  4. Como em poucas palavras se pode dizer tanto e tão bonito!

    Não siga as pegadas dos Antigos
    procure o que eles procuravam

    Matsuo Bashoo

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  5. Venho aqui poucas vezes, confesso, mas nunca me arrependi. Aqui, respira-se bom gosto e erudição.
    Adoro a poesia que refere. Na sua aparente simplicidade esconde as mais profundas subtilezas para a descoberta do leitor.
    Felicidades, MJ.

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  6. Tão bonito, tudo:)
    Um beijinho e continuação de boa semana:)

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  7. Aparentemente simples, não me parece um estilo fácil de dominar, de modo a que com poucas palavras se expresse um sentido lato e súbtil.
    Beijinho
    ~~~

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  8. Olá querida. Não sei bem porquê, pensei que o quadro que puseste podia ser uma imitação de Nolde. (Uma boa imitação, e adorei ver aí essa orgia de cores). Mas Nolde não é difícil de imitar, e na net isso acontece muito. A mim aconteceu-me com Cézanne. Peço-te pois que comproves bem, e entretanto que não ponhas o meu comentário, claro...
    Hoje está outro dia maravilhoso, cinzento e fresco. Outro beijão!

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