segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Um dia de anos com visita de um amigo



Hoje é o meu dia de anos. Lembro-me de tantos dias de anos passados mas quero falar desta noite. Tive um sonho misterioso e engraçado. Em geral nos sonhos nada tem muito sentido, há uma atmosfera de espanto ou curiosidade, mas desta vez houve, para mim, um sentido certíssimo.
Não sei onde andava exactamente nem o que se passava de facto. Muitas cores, muitos rostos confusos, muitas nuvens e de repente umas imagens nítidas: uns animaizinhos a saltarem à minha frente.

Vinham a correr, faziam uma cabriola elegante e desapareciam pelo lado. Talvez tenha pensado: são os carneirinhos que contamos para adormecer. Só que já era hora de acordar…
Eram grandes e chegavam quase até ao pé de mim e davam, então, o salto.
De repente, outro bichinho apareceu: outra cor, outro pelo, mas o mesmo salto – só que era um salto elegante desta vez. 
Uma duas, três vezes! Um cão de pelo castanho dourado! E pareceu-me que tinha um sorriso que lhe erguia um pouco os lábios, como ele costumava fazer.
Como podia ser ele? mas eu sabia que era! O Zac foi o meu amigo mais fiel, por todo o mundo onde vivemos. 
Em Itália, veio dos braços do Diogo que o encontrara na Giustiniana para os meus e ficou a tremer, assustado. Pu-lo em cima da cama e ele, com o pelo todo despenteado, e uns olhos doces, tinha um ar de Einstein. 
Os olhos dele eram os mesmos do meu sonho e um ligeiro sorriso levantava-lhe o lábio esquerdo.
Em África, ficava ao sol escaldante à minha espera na varanda ou no jardim quando eu ia às compras com a Day. Não o podia levar comigo porque fugia pela janela do jeep assim que parávamos em frente do mercado.
Então sentava-se à espera, à porta da casa, de focinho no ar, e ninguém o convencia a entrar ou a proteger-se do calor. Quando ouvia o jeep ao longe saltava e ia esperar-me ao portão. E saltava, saltava com pequenos ladridos como se me ralhasse.
Em Telavive, posso dizer que passávamos os dias juntos! Ou na rua, ou em casa, ou no café…nunca nos separávamos. Até ao dia em que partiu e foi dormir o sono eterno no quintal dos grandes amigos que lá tínhamos e que o conheciam bem.
Hoje, no sonho, depois daqueles três saltos o Zac desapareceu e acordei logo. Talvez quisesse ir atrás dele.
E eu que nunca me lembro do que sonho deste sonho especial não me esqueci!
Claro que pensei logo: era o Zac a vir dar-me os parabéns!
Tenho a certeza que era.



domingo, 8 de outubro de 2017

“Um Bicho da Terra", de Agustina Bessa-Luís (Iª PARTE)


Rembrandt, O Filósofo Meditando, 1632

(Capa de "O bicho da terra")

Leio o livro “Um bicho da terra” com o pensamento fixo no “bicho da terra tão pequeno” de que falou Camões n’ Os Lusíadas, numa passagem dramática, de grande humanidade, que se refere à nossa condição humana solitária, precária, indefesa perante as adversidades da vida, causadas pela força negativa dos elementos da Natureza, pela agressão do mundo dos outros, pela indiferença dos deuses e dos céus que nos contemplam (ou não) lá do alto.

“Ó caminho da vida nunca certo,
Que aonde a gente põe sua esperança,
tenha a vida tão pouca segurança!
….
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?”
(Canto I, estâncias 105-106)

No romance, o “bicho da terra” é o judeu converso Uriel da Costa em cuja figura Agustina Bessa Luís pega magistralmente.

Confesso que comecei o livro imaginando: “será que sou capaz de o levar até ao fim?” Não porque ponha em dúvida a qualidade literária da escritora e, muito pelo contrário,  reconheço-a, porque tem livros que nunca esquecerei: A Sibila, Os Incuráveis, ou O SustoTernos Guerreiros,  O Manto, ou Fanny Owen.  

Sinto-a esquecida, abandonada por todos, morta em vida. Quem fala dela? E, no entanto, é uma escritora tão importante na nossa Literatura.
Aconteceu-me sentir-me confusa, a lê-la, perdida num labirinto de palavras e de ideias para o qual nenhum fio de Ariana encontro à mão.
Mas é uma grande romancista com páginas geniais e figuras muito bem dadas, fortes e inesquecíveis. Páginas e “criaturas” que lhe poderiam ter trazido um Nobel que foi injusto não ter.

O livro foi publicado em 1984 e vários outros saíram depois. Poucos li, confesso, até ao fim - mas reconheço que têm sempre momentos extraordinários. Ficamos presos a pensar na riqueza da sua linguagem, na violência e loucura das personagens, no cuidado do pormenor com que descreve ambientes estranhos, misteriosos, sombrios, numa língua um tanto “barroca” onde nos perdemos.

Por curiosidade, interrompo para lhes contar uma história que me aconteceu com ela e que ajuda a ver a pessoa que Agustina é. Encontrei-a pela primeira vez em Roma, na nossa casa. O Manuel conhecia-a, mas eu não. Estivemos a conversar toda a tarde. Passaram muitos anos mas ‘vejo-a’ com o seu ar tranquilo, quase “angelical”, a contar, com uma pontinha de maldade e uma ironia corrosiva, uma série de coisas que lhe tinham acontecido. 
E a falar de pessoas que conhecíamos. Ela, pelo menos, conhecia-as bem. Falou tanto! E tão interessante era. Lembro-me que me ri muito com a conversa e o humor dela. 

Pusera o nosso cão nos joelhos e, placidamente sentada no sofá, fazia-lhe festas, e ele regalava-se porque era muito mimoso o Zac. Vejo o sorriso divertido dela e oiço as gargalhadinhas, como de inocente criança, apesar da evidente ironia.
Anos mais tarde, estávamos a viver em Israel, a Agustina viajou para receber, em Jerusalém, um prémio que, recordo bem, teve das mãos de Shimon Peres.
Com prazer, fomos esperá-la ao aeroporto  Ben Gurion. O avião deveria ter chegado em horário, tudo perfeito, mas a Agustina não apareceu por mais que a procurássemos e, inclusivamente, a tivessem chamado pelos altifalantes. Aguardámos um bocado e voltámos para casa, em Telavive. 

O aeroporto fica situado a meio caminho de Jerusalém e de Telavive. O Manuel contactou o marido que ficara no Porto e se angustiou logo, pois não sabia de nada. Só sabia que o avião tinha partido!
- Por favor, encontre a minha mulher!, disse.

Lá voltámos ao aeroporto. Dessa vez, ia o Zac que não suportava ficar em casa sozinho durante muito tempo. E entrou no aeroporto connosco.
Voltámos a dar as mesmas voltas, falámos com os serviços de apoio, e várias meninas bonitas se interessaram logo quando souberam que se tratava de uma senhora já não muito nova e que viajava sozinha. Ninguém sabia daquela pessoa perdida num aeroporto do Médio Oriente.
Reuven Rubin, Jerusalem
Demos mais uma volta e, a dada altura, o Zac seguiu em frente mais apressado e a puxar para um lado enquanto dava ao rabo. Puxava e puxava e eu ia atrás dele, pendurada da trela. E não esqueço o que vi: a Agustina tranquila, sentada entre duas viajantes, com um vestidinho branco de lã, o casaco pousado no colo, como se não tivesse acontecido nada de especial. O Zac já estava ao pé dela, a lamber-lhe a mão, e ela fazia-lhe festas. 
Sorriu-nos e disse apenas: “Eu sabia que haviam de me encontrar. Não estava preocupada.”
Era quase noite e fomos levá-la ao hotel a Jerusalém. Regressámos a Telavive - finalmente aliviados! 

No dia seguinte, fomos a Jerusalém assistir à entrega do prémio. Agustina agradeceu num belo discurso em espanhol que grande parte da assistência entendeu porque os judeus sefarditas sabem castelhano.
Dias mais tarde veio almoçar a Telavive, com o nosso amigo Ariel Scweitzer, crítico de cinema,  e o Zac fez-lhe as honras devidas! 
Nunca mais a vi, mas esta recordação é uma das mais agradáveis que tenho!
***
Voltando ao bicho da terra… “Bicho da terra”, dizem alguns, pela escolha que Gabriel da Costa fez, quando voltou a ser "judeu", em Amesterdão, o nome Adam: homem, filho da terra (em hebraico "adam" é "homem"). 

Gabriel da Costa além do nome Uriel que servia para a convivência comum e familiar escolheu Adam Bormez para as relações de negócios internacionais.

A figura de Uriel da Costa é dramática. Cristão? Judeu? Incréu? Rebelde sem causa, sem defesa? Espírito livre?
Perseguido em Portugal, como outros "cristãos-novos", é incompreendido na Holanda como "judeu" reconvertido à fé dos antepassados.

É o símbolo da solidão do “bicho da terra” perdido, à procura dum sentido para aquilo que o não tem, aos seus olhos “iluminados” pela inteligência e pela sabedoria, num mundo religioso de circunscrição fechada, sem saída.
Rembrandt, "Jovem Senhor"

Judeu, descendente de judeus de Espanha, filósofo e céptico (Porto 1585- Amesterdão 1640) de seu nome Gabriel da Costa Fiúza, estudou Direito Canónico, no Colégio das Artes em Coimbra. Durante o seu percurso religioso, questionou as instituições Católicas e Rabínicas do seu tempo.
Cristãos-novos, alguns seus familiares, são acusados pela Inquisição Portuguesa de judaizantes. Assim, quando o pai morre, deixando problemas de dívidas, a família de Bento Costa Brandão decide fugir, uma noite, num barco holandês, refugiando-se em Hamburgo e Amesterdão.
Explica Agustina:
Corria o processo de António Homem e ele contaminara a consciência do cidadão nos Costa Brandão. (…) Tratara-se evidentemente dum processo socrático, com acusações de ‘crime nefando’, não praticado mas sugerido (…), subornos e invejas do foro universitário, a rede policial alastrou e muita gente foi envolvida. (…) os Costa Brandão optaram pelo exílio.” (op.cit. pg. 99)

J. M. Turner, Auto-retrato (pormenor)

Durante a travessia, Gabriel, nervoso e doentiamente sensível, de humor melancólico, sofre de vários males. A descrição que nos faz Agustina desta figura, martirizada pela dúvida, pelo tormento das alucinações, pela incerteza da sua fé impressiona.
J. M. Turner, "Enterro no Mar"

“Os longos cabelos, molhados da brisa salgada, colavam-se às faces pálidas. Não tinha febre mas parecia muito doente. As suas alucinações voltavam, e passava as noites muito inquieto. Gritava que o atormentavam, que sentia os pés a arder sobre tições e que o fumo claro, de lenha seca, subia até ao peito dele, como uma prova da bênção de Deus. Era imolado, ao mesmo tempo fruto e bicho da terra, entregue ao altar do Senhor que recebia a sua oferenda, impassível, em horrível significação de perdão, atrás de todo o senso, oculto para além da noite da razão.” (pg 101)
J. M. Turner, "Tempestade"

É um futuro mártir? É um cordeiro em oferenda? E a “noite da razão” o que significa nesta passagem? É ele, como afirma a escritora, um precursor do Iluminismo? Para Agustina, ele tem já uma atitude de pré-iluminista.

O espírito das Luzes e da Razão e da Dúvida viviam dentro dele. Era “uma poderosa máquina de raciocinar”, escreve Agustina Bessa Luís. O que lhe interessava não se prendia com a filosofia apenas.

Os inquisidores em Portugal acusaram-no e não o consideraram  nunca “exactamente católico”…
 Sinagoga Portuguesa de Amesterdão

Mais tarde, em Hamburgo e em Amesterdão, também os rabinos o não levavam a sério, no modo de ser, dizendo que Uriel «não era exactamente judeu». Seria um homem livre? Não me parece que se sentisse livre, puxado como era para lados tão diversos.
Rembrand, Auto-retrato 

A liberdade de pensamento, de ser ou não ser desta maneira, ou de ser ou não de outra religião “exactamente”, tem o preço da solidão e da incompreensão dos outros : esse é o preço que pagam os espíritos livres.
Não é fácil abandonar tudo e partir. São muito boas as páginas em que se fala desta "partida", do que fica para trás, do que forçosamente se quer levar para se ter uma recordação próxima, no desconhecido que se avizinha. 
A descrição da viagem e do sofrimento de Gabriel é, também, na beleza da linguagem, e nas imagens, inesquecível.
“Ouvia-se o gemer das madeiras, o rufar das velas que o vento inchava. A água tinha ervandijas repelentes, o queijo morcões. Mas de noite, na tenda do convés, se o vento não soprava, havia um conforto quase consolador, com o cheiro das comidas condimentadas e Gabriel vestido com o seu roupão de  chamalote.” (pg.102)
Rudolf Bakhuyzen, "Amsterdam view from Mussel Pier"

Um dia avista-se finalmente o porto de Amesterdão: “Estava, à vista, o porto de Emden e produziu-se grande excitação entre os viajantes.”
J. M. Turner, "Nascer do sol no porto de Amesterdão"

Refere-se à chegada de Gabriel a Emden - antigo nome de Amesterdão. Onde ele vai ser o “anjo da desordem” no “seio dessa sociedade místico-comercial”.
Rembrandt, "O anjo Rafael"

Deixo para uma próxima vez, na II Parte, a continuação desta trágica aventura que foi a vida de Gabriel-Uriel-Adam da Costa.


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Kazuo Ishiguro e o Prémio Nobel de Literatura 2017

Kazuo Ishiguro e o Prémio Nobel de Literatura

Num Natal de há uns anos, o meu filho Diogo ofereceu-me um livro que se chamava “Nunca me deixes” (“Don’t let me go”) e o autor era um escritor britânico de ascendência japonesa, Kazuo Ishiguro. Tinha sido publicado em português pela Gradiva  e a tradução era excepcionalmente boa.


Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasaki em 8 de Novembro de 1954, nove anos depois da bomba atómica sobre a sua cidade. Veio para Inglaterra com 6 anos. 

O pai era Físico Oceanógrafo e a família e viveram em Guildford  a partir de 1960. 
Kazuo estudou nas Universidades de Kent e East Anglia, no Sussex. 

Viveu sempre entre duas culturas. É pois um escritor nipo-britânico.

Licenciou-se em Inglês e Filosofia, em 1978, e seguiu a vida literária.


Em 6 de Outubro de 2010, escrevi aqui no blogue um post sobre a impressão que me causara o livro.

 “Não me deixes” foi o único livro que li até hoje de Ishiguro, e a verdade é que o li em três ou quatro dias, sem parar, porque se vive num suspense continuamente presente e adiado.

É um livro com um assunto inesperado, um tema estranho, de antecipação científica podemos dizer, o dos “clones” humanos. Não falo dos "híbridos" para que se aponta hoje, mas de seres "especiais" preparados para servirem de peças sobresselentes...

Romance onde, no entanto, os sentimentos e as emoções contam muito.
A verdade é que o livro me prendeu, me comoveu e nunca mais o esqueci!
Escrito na primeira pessoa, é Kathy H. que conta a história.


Chamo-me Kathy H. Tenho 31 anos e trabalho há mais de onze como ‘ajudante’. Parece muito tempo, bem sei, mas a verdade é que me pediram que continuasse por mais oito meses, até ao final deste ano. O facto de ser ajudante há tanto tempo não significa necessariamente que me considerem uma profissional excelente.”

O livro começa de um modo simples e directo, muito próprio da literatura de língua inglesa.

Não era preciso ir buscar o ‘tema estranho’ de uma parte da humanidade servir de peças para outros.  É muito mais do que isso:  a angústia e o sem sentido da vida das personagens é igual à de todos nós - que andamos atrás do sentido da vida, num mundo que evolui, desprovido de valores, para caminhos assustadores.

“Eles”, estas pessoas estranhas, nasceram e não tiveram vida familiar. Vivem num colégio “orfanato” desde crianças de 3-4 anos e são preparados para algo que desconhecem mas que o leitor, pouco a pouco, vai descobrindo - sem o perceber bem nunca.

Vão ser “dadores” e ignoram-no ainda. Fechados, protegidos, sim, sem contacto com o exterior. 
Protegidos mas para quê? Há uma preparação importante a fazer para o futuro, dizem os professores-ajudantes. 
Têm de ser "criativos", têm de ter cuidado com a saúde porque são especiais.
E vão criando as suas amizades como crianças normais. Kathy, Ruth, Tommy ficam para sempre ligados.


Sentem excitação pelo futuro - mas têm medo. Não sabem o que os espera lá fora.

E “nós”, seres normais que nos consideramos,  não andamos igualmente à procura do sentido do mundo agressivo, perigoso em que vivemos.

Como “eles”, quantas vezes nos sentimos solitários, diferentes, postos de lado, sem saber qual é o nosso lugar nesse mundo?

Eles receiam o futuro - e o nosso futuro qual será?
O que somos nós? Nascemos para quê? Como aqueles jovens internos não sabemos para quê.

Já o grande Paul Gauguin se interrogava sobre isso, no belíssimo “painel”: “Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos?”

Qual o sentido da vida, se vamos morrer?”, já perguntava Malraux na “Condition humaine” e nos “Conquérants”. 

Ou os existencialistas. E, antes deles todos, o próprio Tolstoi se interroga.

Kathy H. fora, em tempos idos, interna em Hailsham e hoje está fora e é "ajudante". 

A acção é situada numa Inglaterra “distópica” (decidi manter a palavra porque acho que é sempre útil enriquecer a língua, que tão mal tratada tem sido, tão adulterada) - que é o contrário de “utópica”- onde não vai haver lugar seguro para aqueles adolescentes super-preparados, sem saberem para quê.

Pouco a pouco, vamo-nos apercebendo da “anormalidade” da sua situação.

Mas essa anormalidade não é a que existe nos nossos tempos? Não será uma metáfora do autor? 

Onde haverá para os nossos jovens de hoje um lugar seguro? O mais natural vai ser a insegurança e a precariedade.

Kathy, Ruth, Tommy e outros viveram no orfanato e interrogam-se, preocupam-se. 

Personagens “vivas”, bem conseguidas, que nos “arrastam” nas suas dificuldades, nas angústias, na solidão. No medo que chega quando a noite desce e as conversas na camarata não têm fim.

Porque o colégio é um ambiente de segredos, de meias verdades, de alusões nunca explicadas. 

E há a figura misteriosa de Madame que vem de vez em quando recolher os trabalhos mais criativos para pôr numa (imaginária) Galeria lá fora.

Um dia Kathy está sozinha  no quarto a ouvir a canção abraçada a uma almofada, embalando-a, e cantando. 
- Oh baby, baby, never let me go...

Madame espreita-a do corredor e desata a chorar. 
Esta canção Don’t let me go, de Judy Bridgewater, fora gravada numa cassete por Kathy, adolescente,  tirada dum álbum intitulado Songs After Dark (*). 

E obceca-nos desde o início: nunca me abandones é o título do romance e o mesmo da canção. 

Até ao fim, pareceu-me ouvir dentro de mim a canção. Procurei-a. Descobri que é uma canção inventada, de uma cantora que nunca existiu.

Uma história que nos horroriza, se entrarmos com uma alma sensível e delicada naquele conflito.
Não conto mais porque acho que é o leitor que tem de ir descobrindo, pouco a pouco, o enredo.

Apesar de a Inglaterra o considerar um Nobel britânico, o Japão festeja também o "seu" Nobel!... Ambos os países têm razão.


2010, "Never let me go” filme de Romanek

(1), filme de James Ivory, de 1993, com dois actores extraordinários, Emma Thompson e Anthony Hopkins que todos lembramos.

(2) “Never let me go”, pelo realizador Mark Romanek em 2010, tendo nos principais papéis Keira Knightley, Carey Mulligan and Andrew Garfield. Foi do filme que tirei algumas das imagens.

Podem encontrar alguns livros de Kazuo Ishiguro traduzidos, na Gradiva ou Relógio d'Água . O último a sair foi O gigante enterrado, em 2015, história de ficção científica.