Aconteceu
há dias. A minha amiga Luísa tem três cães, que vive em casa dela, na cidade e que se chama Zorba.
E os outros dois são o Bossi e o Figo - e vivem na quinta da serra, onde por vezes ela vai passar uns tempos. Esses dois são “castro daires” (1), tranquilos e pacíficos, que nunca deram trabalho.
E os outros dois são o Bossi e o Figo - e vivem na quinta da serra, onde por vezes ela vai passar uns tempos. Esses dois são “castro daires” (1), tranquilos e pacíficos, que nunca deram trabalho.
Quis
contar a história ao Ratinho e ao Ouricinho – e aos amigos que estão aqui – para lhes chamar a atenção : a fuga pode ser
perigosa! E os sítios desconhecidos são armadilhas para os mais desprevenidos.
Eles
ouviram a história, fazendo as suas interrupções à medida da curiosidade e do
medo que ia crescendo.
***
O
que se passou? Bem, a verdade é que, num dia da semana passada, vi uma mensagem
de “socorro”, no Facebook, escrita
pela Luísa, a dizer que tinham desaparecido os três cães e pedia a todos
os que os vissem que a avisassem.
“Escapuliram-se através da rede que
rodeia a quinta e que tem um grande buraco. Por ali passam também, de fora para
dentro, e depois, para fora, alguns pequenos javalis. É fácil fugir.”
Saíram pela Serra fora à procura de aventuras. Quem não sonhou na vida com uma aventura destas? Há tanta coisa bonita pelo mundo, pelos campos, pelas florestas -onde nunca iremos. Mas sonhámos ir. A ver a beleza do mundo!
Pelo que me
contou, o mais atrevido - e chefe de todos! - é, afinal, o mais pequeno e mais
novo, o Zorba, um Jack Russel doido,
destemido e teimoso que eu conheço bem desde pequenino...
Passou
um dia, dois dias, e eu ia espreitar para ver se havia alguma novidade, no Facebook. Pensava na Serra, nos sítios mais isolados, nas árvores. E na noite. Como dormiam? Onde? Teriam frio? Teriam medo? Passariam perto de alguma casa e por ali ficavam?
Então, nesses momentos, dava um toque de telefone à Luísa, com a mesma pergunta de sempre.
-
Há notícias?
- Nada, ainda, era a resposta, breve.
Ela
ia pondo as fotografias dos três malandros. Alguns diziam que os tinham visto
de passagem, de corrida os três e depois desapareciam de novo.
Iam-se
aproximando cada vez mais do cimo da serra. Numa povoação pequena, tinham-nos
visto passar. E tinham desaparecido logo. Um dia, disse-me:
- Parece que foram vistos no Reguengo...
E sentia-se a esperança na voz.
Conheço
bem o Reguengo, rodeada de Serras, com as suas casinhas brancas e a piscina onde muitos iam
refrescar-se no Verão. “Talvez alguém os
veja”, pensei, “há gentes por ali, sentados
à porta de casa, ou no café à conversa”.
E outra voz dizia-me cá dentro: "mas há o Parque Natural da Serra, em volta...podem perder-se".
Mas
mais um dia passou sem novidades. Ela continuava ansiosa e eu também porque, além de ser muito amiga dela, também gostava do maluco do Zorba!
-
E hoje?, perguntava eu.
E a resposta era a mesma:
-
Nada.
Imaginei
toda aquela zona da Serra de São Mamede e Portalegre a mobilizar-se e a espreitar às portas
e às janelas, a ver se viam passar os fugitivos. Amigos e alunos da Luísa sei
que fizeram “batidas”, de carro e a pé, por aqueles campos e serranias.
Avisou-se
a Polícia, a GNR, puseram-se cartazes e fotografias até na cidade mas eles não
apareciam mesmo.
Do
Reguengo para onde teriam seguido? Para São Julião ou para Alegrete? Ou para outro lado?
Tinham passado talvez três dias - quarta, quinta, sexta, mas quão longos! – e, quando telefonei à noite, a Luísa disse, cansada e desesperada:
Tinham passado talvez três dias - quarta, quinta, sexta, mas quão longos! – e, quando telefonei à noite, a Luísa disse, cansada e desesperada:
-
Maria João, já não tenho esperança. Acabou. Não vão aparecer.
Mandei-lhe
logo uma mensagem para a animar e até a escrevi em maiúsculas!
Por esses
dias, estava eu na Guarda, fora da minha casa, e, ao adormecer, sentia-me mal e
ficava triste.
Conheço bem a Luísa, a sua generosidade, a capacidade de amar tudo o que é vivo, dos animais às pessoas. E o seu amor pelo Zorba, as discussões com ele, os amuos!
Conheço bem a Luísa, a sua generosidade, a capacidade de amar tudo o que é vivo, dos animais às pessoas. E o seu amor pelo Zorba, as discussões com ele, os amuos!
-
Apareceram os três! Que alívio!
Contou
que uma senhora lhes estava já a dar bolachinhas, uma amiga fora buscá-los e
ela ia a caminho para os trazer para Portalegre.
O Rossio de Portalegre
***
Quando
voltei a casa, reuni os amigos e contei ao Ratinho e aos outros a história. Eles
pouco falavam, ouviam assustados, o destino daqueles animais inconscientes.
-
Pois foi. Calcula se tinham encontrado uns javalis grandes que os comiam!
-
Tens fotografias deles? Gostava de os ver.
Era
o Ratinho, sempre a quer saber tudo.
-
Que loucura! São uns miúdos! Serem aventureiros, sem experiência nem conhecimento!
Ao acaso... Que loucura perfeita!
Mostrei
as fotografias que a Luísa pusera no Facebook.
-
Foram malandros, não foram?, disse a Gatinha Japonesa, preocupada. Se calhar, queriam
conhecer a vida, ver outros mundos...
E
suspirou, preocupada, a pensar que o Ratinho e o Ouricinho poderiam ter feito
uma escapadela.
-
Sim, tens razão, Gatinha. Eles têm um ar bem malandro e tão infantil ainda, disse
o Ouricinho com ar sério.
-
Crianças! É isso...concluiu o Ratinho. E virou-se para a janela, como se não confiasse muito no amigo.
-
Vêem o que pode acontecer quando não se tem cuidado?, aproveitei eu. Tu, que
gostas tanto de te aventurares por aqui e por ali, reflecte bem nesta história...
-
Eu? Nunca faria uma coisa dessas! Tinha medo!, confessou o Ouricinho.
-
Não tinhas de ter medo! Eu ia contigo!
E
o Ratinho ria, a pensar que seria sempre capaz de ajudar .
O
macaco Ambrósio abraçava o Ouricinho, a protegê-lo. São grandes amigos
eles.
E o Ambrósio disse:
-
Quando os meninos são desobedientes, é muito perigoso. E a Serra é um pouco como
a selva! Tem bichos, tem serpentes...
O rei Leão deu um rugido que parecia
significar: “Pois é!” E resmungou:
-
Se estavam bem em casa e tinham comida por que fugiram?
-
A tua voz é a da sapiência e da mediocridade, criticou o Ratinho, e recitou:
“Há mais coisas no céu e na terra do que
sonha a tua vã filosofia, Horatio”, como dizia o Hamlet!
Fitei-o
com certa preocupação mas o Ratinho percebeu o meu receio:
-
Não te preocupes, nós nunca vamos fugir! Só acho que a aventura é bela sempre
e, de facto, “há mais coisas no céu e na
terra”, não achas?
-
Sim não se pode matar o sonho nem deixar de abrir o espírito ao que é novo e
desconhecido.
- Eu gostei da reacção dos amigos lá em Portalegre! Ajudaram a procurar os três cães perdidos!
Podia-se dizer tantas coisas mais, mas fiquei-me por ali.
Depois
disto tudo, sei que a Luísa, feliz da vida, decidiu ir às Festas da Cidade de
Portalegre às quais tinha, antes, decidido não ir. E escreveu aos amigos a agradecer e a contar a sua decisão de ir às "Festas". No Facebook, claro...
“Para encontrar os meus lagóias, de
Portalegre!”, explicou. “Nunca
mais vou dizer, nunca, nunca que vou viver noutro lugar que não seja Portalegre!
Neste chão meu, funciona a cumplicidade dos amigos e ninguém ficou indiferente
à minha ansiedade. Obrigada a todos os
“lagoias”! E a Portalegre!”
Também eu fiquei
muito contente! A minha cidade tem gente generosa e solidária.
***
ALGUMAS NOTAS
:
(1)
Ao contrário do que se possa pensar,
os “castro daires” são originários do Alentejo, cães pastores da Serra de Aires, em Monforte, e não das Serras de Aire e Candeeiros (Estremadura). Têm a capacidade de tomar conta de todo o tipo de gado: ovino, caprino,
bovino, suíno, equino - como bons alentejanos!
Têm, além disso, uma enorme resistência às amplitudes térmicas - quer às baixas temperaturas quer às altas.
Têm, além disso, uma enorme resistência às amplitudes térmicas - quer às baixas temperaturas quer às altas.
(2)
“Lagoias é uma palavra que existe em
Portalegre desde há séculos para referir os nascidos (e vividos) na cidade.”
Viria de “langor”, moleza,
prostração? É discutível. Seja como for, deixo um artigo, de um 'blog' portalegrense.