Ando a dar a volta aos velhos livros que me entusiasmaram e acompanharam na adolescência. Descobri Herman Melville e "Bartleby". Hoje quero falar de "Billy Budd".
Melville foi um grande escritor americano do qual recordamos sobretudo “Moby
Dick”, a Baleia Branca, que Melville
começa a escrever em 1850 e é publicada em 1851.
Herman Melville pertenceu ao movimento literário American Renaissance (entre 1830 e 1860) ou American Romanticism. Contemporâneo e amigo de grandes figuras da Cultura americana – Thoreau, Nathaniel Hawthorne (o autor de A Letra Escarlate) e Ralph Wade Emmerson, filósofo “transcendentalista” - Melville pertenceu a esse movimento do qual se afastou mais tarde.
Pouco
antes, em Agosto de 1850, dera-se o seu encontro com o escritor Nathaniel
Hawthorne (1) e surge uma grande admiração mútua depois transformada em amizade.
Melville decide interromper Moby Dick para escrever um longo ensaio sobre o livro de Hawthorne, Moses from the Old Manse, na revista Democracy, onde elogia o escritor dizendo que “tinha conquistado a sua admiração pelo seu génio.”
Melville decide interromper Moby Dick para escrever um longo ensaio sobre o livro de Hawthorne, Moses from the Old Manse, na revista Democracy, onde elogia o escritor dizendo que “tinha conquistado a sua admiração pelo seu génio.”
Ninguém
que tenha lido o livro esquecerá a história do Capitão Ahab e da sua caça à
baleia Moby Dick. Mas o seu autor escreveu
muito mais do que isso – se bem que
“isso” fosse suficiente para ser considerado um grande escritor.
É a história da eterna luta do Bem contra o Mal, um dos seus temas preferidos, e é narrada por Ishmael, que assiste
aos acontecimentos. O livro não tem grande sucesso na altura. Vai ser descoberto e muito apreciado, porém, no século XX.
Era o momento pré-Guerra da Secessão (2) e
Melville, através da figura do capitão Ahab, revela-se o símbolo da negação do
Transcendentalismo em que acreditara.
Acha que, no momento que se vive - rebentara uma Guerra Civil que vai durar de 1861 a 1865 - é importante “desconstruir” o trabalho de Emmerson. O fundameto o “movimento transcendentalista” pode trazer ideias perigosas.
Acha que, no momento que se vive - rebentara uma Guerra Civil que vai durar de 1861 a 1865 - é importante “desconstruir” o trabalho de Emmerson. O fundameto o “movimento transcendentalista” pode trazer ideias perigosas.
Melville pretende avisar contra o perigo que pode surgir: a tirania de um
só e a passividade de muitos. A
sua preocupação tinha muita razão de ser, se pensarmos no que aconteceu no século
XX e que, neste mesmo século XXI, continua a acontecer.
E passo para o livrinho
que hoje aqui me trouxe: Billy Budd, the
sailor, novela iniciada em 1888 e publicada, postumamente, em 1924, trinta
anos depois da morte do seu autor em 1891.
De
facto, Melville, perante o insucesso da sua obra passada, afastara-se dela. Era
um homem honesto, uma grande alma e percebera que tinha de ganhar a vida para educar
os seus. Sem dinheiro nem amigos, escrevia apenas os poemas que ele próprio
publicava.
Em
1863, aceita um lugar, como oficial alfandegário, e muda-se para Nova Iorque. Aos
68 anos, em 1888 quando tardiamente teve algum dinheiro, despediu-se do Office
da Alfândega e retomou a pena. E, nesse ano mesmo, começou a escrever Billy Budd.
Na
edição que leio, em francês (3) o Prefácio é de de Henriette Guex-Roll,
conhecedora da obra de Melville. Muito vivo e interessante, encontramos a
inteligência da autora no entendimento, de grande empatia, com a obra e o
escritor.
Segundo
Henriette Roll esta novela “é uma
‘epopeia’ quanto ao fôlego e quanto à progressão vertiginosa. O enquadramento é
um navio de guerra da época heróica. O drama é o mais antigo de que o homem tem
memória (...) o combate primeiro entre o Bem e o Mal. E o herói Billy
representa o homem, no Éden, puro e iluminado pela inocência absoluta, a
inocência do homem antes da queda”.
A acção é a seguinte: num
navio de guerra, a meio do mar, cruzam-se o Bem,
o Mal e o Destino – aqui simbolizados pelas três personagens mais importantes
do livro, “figuras” bem humanas e, por isso, tudo é mais chocante.
Billy,
o jovem e belo marinheiro de coração puro (o Bem), é acusado por Claggart (o
Mal) de querer fazer um motim no navio de guerra, O Indomável, cujo capitão é o capitão Vere (aqui o Destino).
Claggart
é o mal original, Satan, o Anjo
Caído, que ambiciona aquilo que não pode ter e sofre por não poder atingir a
Beleza – e odeia-a, quer destruí-la.
Escreve
Henriette Roll:
“Billy Budd é um livro que devemos merecer,
Só se abrirá um pouco ao leitor apressado. Mas os que se lhe dedicarem uma
vigilância amorosa encontrarão recompensa. È o testamento espiritual do seu
autor, um escritor entre os maiores, com uma alma que faz parte das mais
torturadas. (...) É o adeus ao mundo do artista a quem “a baleeira serviu
de Yale College e de Harvard” - daquele
que, de marinheiro aventuroso e aventureiro, passou a agricultor e que, aos 47
anos, para alimentar mulher e filhos, passou de agricultor a oficial
alfandegário. Tímido, quase selvagem, fugia da convivência do mundo.”
Em
1797, quando a história começa, fora suprimido o Grande Motim em Spithead. Tratava-se do motim no barco Bounty.
Mais tarde, em Nore, num barco militar, a tripulação amotina-se e mata o comandante. O temor de que aconteça nova rebelião é grande para a marinha.
Mais tarde, em Nore, num barco militar, a tripulação amotina-se e mata o comandante. O temor de que aconteça nova rebelião é grande para a marinha.
Nesse
ano, Billy Budd, marinheiro do navio mercante Rights of Man, é conscrito na Marinha Real Inglesa, no navio Bellipotent, no mar Mediterrâneo.
Apesar
de descontente, porque se habituara ao barco e aos outros membros da tripulação,
tem de aceitar. Mas depressa se ambienta devido ao seu feitio aberto: é jovem,
é crédulo e gosta de viver.
Como
tantas vezes acontece na vida, a sua beleza e bondade levam o contra-mestre do
navio, John Claggart, a odiá-lo e a planear a sua perda.
O
tempo no mar passa tranquilo, Billy é o homem da gávea (Foretopman) e, lá no alto, não se dá
conta de nada, e vve noutro mundo, ais perto do céu e dos pássaros.
Mas o ódio do contra-mestre Claggart vai crescendo. Acaba por acusar Billy de ser o instigador de um motim a preparar-se entre a tripulação do navio. O capitão Vere não quer acreditar – ele que é justo e procura a verdade e a paz - compreendera Billy, acreditava na inocência dele.
A
situação tem de ser investigada com cuidado, é melindrosa a situação porque um amotinamento é uma coisa gravissima. O capitão resolve, então, reuni-los na sua cabine
para ouvir as explicações de ambos.
Mas o ódio do contra-mestre Claggart vai crescendo. Acaba por acusar Billy de ser o instigador de um motim a preparar-se entre a tripulação do navio. O capitão Vere não quer acreditar – ele que é justo e procura a verdade e a paz - compreendera Billy, acreditava na inocência dele.
“O Vingador dos mares”, 1962
Billy,
ao ouvir as acusações do contra-mestre, fica tão chocado que não consegue
articular uma palavra. Billy era gago. A sua reacção vai ser de tal modo
fisicamente violenta que – não vou contar, claro - causa a sua perdição.
No
último capítulo, aparece a Balada dedicada
a Billy Budd e assim se fecha a sua história, com a poesia de Melville. Toda a
história, porém, tem muito de poesia – de facto, o seu autor foi também um
grande poeta.
***
A
história deste marinheiro foi adaptada a ópera por Benjamin Britten e levado ao
cinema por Peter Ustinov (4/5).
Outras
obras de Herman Melville:
“Redburn”, em 1849; “White-Jacket”, em 1850, tiveram algumas boas críticas.
“Moby
Dick”, 1851, apesar de ser considerado um dos “grandes romancistas americanos”,
o livro não foi muito apreciado pela crítica do seu tempo.
Tal
como a novela psicologista “Pierre : or
The Ambiguities” que sai em 1852.
De
1853 a 1836, escreveu algumas short
stories, depois reunidas na Antologia “The Piazza Tales” (1856).
Em 1857, escreve o último trabalho em prosa, “The Confidence-Man”.
Em
1866, publica as suas reflexões sobre a Guerra Civil Americana.
NOTAS:
(1)
(1)
Nathaniel
Hawthorne, poeta, novelista e romancista americano, nasce em 4 de Julho de 1804,
em Salem, e morre em 19 de Maio de 1864, em Plymouth. Os romances mais famosos são
A Letra Escarlate (1850), The House of the seven Gables (1851) e O Fauno de Mármore (1860), quando o autor
passa em Itália um ano com a mulher. Fernando Pessoa traduziu A Letra Escarlate e existe essa tradução
publicada na editora Relógio d’Água.
(2) A Guerra
Civil da América. Guerra travada nos Estados Unidos da América entre o Norte (a
União) e o Sul (os Confederados). Começou como resultado de longa controvérsia sobre
a escravatura dos negros. Eclode em 1861 (até 1865) quando as forças separatistas
atacaram Fort Sumter, na Carolina do Sul,
pouco depois de Abraham Lincoln ser eleito Presidente dos Estados Unidos.
Os Unionistas proclamaram apoio à Constituição. Enfrentaram os secessionistas dos Estados Confederados. Em 1865, o General Lee (confederado) entrega-se ao General Grant (Unionistas)
Os Unionistas proclamaram apoio à Constituição. Enfrentaram os secessionistas dos Estados Confederados. Em 1865, o General Lee (confederado) entrega-se ao General Grant (Unionistas)
(3) “Billy Budd, gabier de misaine” ed. La Petite Ourse, La Guilde du Livre, Lausanne 1960). O que seria em português "Billy Budd, o homem da Gávea".
(4/5) "Billy Budd", Ópera de Benjamin Britten, compositor britânico, estreada na Royal Opera House, em 1951