sábado, 4 de abril de 2020

Falando do corona vírus com o Ratinho Poeta e os amigos


As nossas conversas mudaram de assunto, recentemente. Desde o início da “crise” do Covid-19, que os amigos se começaram a interessar pelas notícias na televisão e a ter opiniões. 
Querem ver todas, até as estrangeiras: a 24 News da Itália, a ARTE/TV e a T5 Monde.

O Jaba é que está encarregado de escolher os telejornais das diversas as televisões. E quando o Ouricinho não entende, ele explica tudo com muita paciência. Claro que tem de repetir muitas vezes a mesma história porque para os amigos é difícil de aceitar, mesmo depois de perceberem.
Vendo o que se passa no mundo, com a epidemia de “corona vírus” – aliás, pandemia foi uma palavra que eles aprenderam - ficaram, como todos nós, excitados primeiro, incrédulos depois.Baralhados, afinal. Até eu me sinto confusa e não sei onde tenho a cabeça.

"Como é possível estar a acontecer, realmente?", perguntavam eles. Parecia-nos um filme de antecipação científica – como os que já se fizeram e estão sempre a ser projectados: desde o “Alien” quantos seguiram? O perigo que vem do desconhecido? O Mal ou o perigo e a Morte que já trazemos dentro?
"corona vírus", imagem do Haharetz

A seguir, os amigos começaram a ficar angustiados. E, eu com eles, passamos do pasmo ao medo, da confiança total na Ciência e nos médicos à sensação de uma catástrofe invencível. 
A luta do homem contra um Mal invisível – quantas vezes deparamos com ele nos livros que lemos: as forças do Bem e o Mal defrontam-se sem repouso.
Agora nos ‘écrans’ vemos homens e mulheres, novos e velhos, exaustos, lutando lado a lado, nos hospitais, metendo ordem nas cidades desertas, onde passa alguém que se apressa, alguém que deve voltar a casa.
Em Brescia, na Lombardia, epicentro do vírus desde que entrou na Europa, contou-me uma amiga que só sai de dois em dois dias, fechada em casa sempre, que nas ruas silenciosas se ouvem apenas passar as ambulâncias.

Por aqui também todos começaram a "hibernar" apesar de a Primavera estar aí. Ruas vazias, lojas sem ninguém, pessoas que se olham sem saber se a máscara que trazem, envergonhados, lhes vai servir para alguma coisa.
Os sentimentos são quase antitéticos, sempre assustadores: um vírus que pode destruir o “nosso” mundo? Aquele  mundo que nós criámos? A Criatura vira-se contra o criador? Qual criador? Olhamos para o alto e vemos o céu sereno de que falava Camões, nos momentos de desespero, n' "Os Lusíadas".
Mas qual o sentido disto? O homem foi dominado pela natureza que julgara ter aprisionado e transformado em benefício próprio? A Ciência já não consegue “salvar” o Homem? 
"Pobre bicho da terra tão pequeno..." que se julgava imortal.
De tudo isto temos falado. Os meus receios são os deles também, são os de muitos humanos e tivemos de fazer algumas escolhas difíceis. Assim, o Ratinho e os outros decidiram pôr-se de quarentena. Estão impacientes.
 Já fizeram tudo o que os divertia, não têm internet porque estão isolados num canto do meu quarto ao pé da janela e aborrecem-se terrivelmente.
O Ouricinho – sempre  mais mimoso e o mais queixinhas, lamenta-se:
- Para aqui estou sozinho! Separados, cada um para seu lado. Uns em cima, os outros em baixo, nem nos vemos! Não há beijinhos nem abraços.
O Ratinho Poeta responde, com calma:
- Não vale a pena estarmos a irritar-nos com esta decisão que é a mais certa, pois é o único contributo que podemos dar para que o vírus não se espalhe mais do que já está.. Ficar em casa e lavar as mãos...
- Mas nós há que tempos que nem fomos à rua! Detesto a solidão! Detesto saber que estou fechado! É tão bom o Natal e as festas por podermos estar todos juntos. E vem aí a Páscoa e as amêndoas.
- Ouricinho, é uma questão de bom senso. Este ano não vai haver festa da Páscoa. É um exemplo que damos aos outros para evitar o contágio. Ficamos em casa.
Desta vez era a Gatinha japonesa, sempre no caminho mais equilibrado. Sentada num cantinho, quase nem se via.
- Nem te vejo!, disse o Ouricinho. E as amêndoas?
- Não faz mal que não haja Páscoa, - interrompe o Ratinho. Temos muito tempo para isso mais tarde. E comes as amêndoas todas que quiseres nessa altura.
- E brincar podemos? Não...
- Mas podemos conversar – o que já não é mau. Estamos juntos, não te podes queixar de solidão. Fazemos o que nos foi aconselhado e basta. Vamos afastar-nos um pouco uns dos outros.
O Ratinho é respeitado sempre e todos o ouviram com atenção. E assim fizeram. O índio Apache, como era seu hábito, pusera-se a olhar pela janela, como se perscrutasse o horizonte, ao pé do passarinho Negro que está sempre de vigia. 

O Ouricinho costumava brincar com ele a perguntar se estava a falar com o Manitou, ele nunca lhe respondia. Eu creio que se limitava a recordar as planícies da sua terra.
A Gatinha japonesa acrescentou entretanto:
- Temos que lavar as mãos, não tocar nas coisas que vêm de fora, não dar beijinhos nem abraços é outra coisa importante.
- Eu sempre lavei as mãos...- queixa-se o Ouricinho.
- Não é da mesma maneira como dantes, Ouricinho. É lavar a sério.
Ficou pensativa, e continuou a explicar.
- Talvez seja mais fácil para mim, reconheço. É uma questão de cultura. No Japão existem costumes de mais cerimónia, modos diferentes de conviver. Ninguém pensa em cumprimentar com um beijo, não se tocam as mãos, usam-se luvas.
Pensei no que ouvira numa televisão estrangeira. Era uma médica japonesa que explicava a mesma coisa, para justificar o ter havido menos contágios no Japão. E falava da higiene, da lavagem de mãos constante, que faziam parte da civilização japonesa.
- Talvez sejamos menos dados a exteriorizar os sentimentos, mais contidos nas emoções, não há beijinhos como por cá.
Pelo que conheço da cultura japonesa, através do livro extraordinário sobre o Japão que escreveu Armando Martins Janeira (O impacto de Portugal ). Ali revela muitas das características da cultura japonesa e algumas ligam-se muito a ritos de limpeza, de banhos e lavagem das mãos. Educação sim e delicadeza.
Recordo, também, uma passagem do livro de Wenceslau de Moraes sobre o Japão (Dai-Nippon) onde o autor conta que, ao passar da China para o Japão, notara imediatamente a grande diferença dos costumes entre os dois povos. A limpeza, por exemplo. O hábito da higiene - e falava do cheiro a lavado das casas e das pessoas que existia no Japão, em completo contraste com o que acontecia na China.
A Ratinha japonesa continuou:
- É pouco habitual a exteriorização de sentimentos com beijos e abraços, que são substituídos por gestos da cabeça, sorrisos. Não sei, creio que nós os japoneses consideramos que a interioridade nos sentimentos não é para revelar. É quase uma falta de educação. 
A expansividade não é apanágio da Cultura japonesa? - pensei para mim. Talvez o demonstrem de outro modo, quem sabe? Eu gosto tanto do Kababata e do Inoué, escritores em que a sensibilidade faz doer. Diversa da sensibilidade do Ocidente? Não, com certeza. Apenas revelado de outro modo.
- Eu nunca fui ao Japão – disse o Ratinho, mas já reparei que tu és muito diferente do Ouricinho.
- Queres dizer que eu sou mal-educado, ao lado da Gatinha?
- Não, és só diferente.
O Ratinho estava a pensar no que iria acrescentar. A Gatinha japonesa adiantou-se.
- O Ratinho quer dizer, penso eu, que é só uma questão de costumes. Uma reserva que se considera delicadeza para nós. Não digo que seja melhor ou pior. Eu gosto de ter beijinhos. E é tão bom um grande abraço as vezes!
O nosso amigo Apache, sempre reservado, disse, meditativo:
- Sim, a tradição, os costumes têm coisas boas e más. Nós, Apaches, tínhamos muitas. E os Comanches também. E, neste caso, parece que até são boas. A verdade é que no Japão houve menos contágios.
– Cá por mim, aceito essas medidas hoje. Mas, assim que acabar a quarentena, vou dar um grande abraço a todos! Assim, estou tão aborrecido!
Parecia comovido o mimoso do Ouricinho, quase indignado..
– Ó Ouricinho querido, claro que quando este pesadelo acabar, vamos todos fazer uma festa e dar muitos beijinhos e abraços. Afinal, somos latinos ou não?
Era o Ratinho e fez-me bem ouvi-lo. Interrompeu-o a voz da razão do chefe Apache:
- Sim, tudo isso é muito interessante mas, aborrecidos ou não, latinos ou não, o melhor é termos juízo e respeitar as normas de segurança. Mais vale aborrecidos e inconfortáveis do que doentes!
- É bem verdade, concordei. A voz da sensatez do nosso amigo Apache faz-nos bem. Tem muita razão. Precisávamos de a ouvir neste momento de incerteza e de tanto medo.
- Pois é! - concordou o Ratinho. Deixemo-nos de queixinhas, meninos ouricinhos deste mundo! Toca a fazer só o que é indicado para nos salvarmos desta pandemia! 
A Gatinha riu-se e acrescentou.
- Podemos fazer ginástica! Aprender yoga! Vai ser divertido. Se tu quiseres, Ouricinho
O Ouricinho quis terminar a conversa. 
- Estou a ver-nos todos a fazer ginástica...
Só de pensar nisso, pôs-se a dar cambalhotas e quase caiu. O Ratinho estava a fazer o pino. O ar dramático da nossa conversa acalmara. E o Ouricinho disse:
- Sim, virão melhores dias, como diz o Snoopy: sábados e domingos. E comer os nossos bolinhos preferidos!
E acrescentou, com as suas gargalhadinhas divertidas: 
- Claro. E também virão dias de rebelião!
 O Jaba que tinha estado calado o tempo todo, manifestou-se:
- Eu cá estarei atento às notícias! 

E sentou-se, confortavelmente, na poltrona em frente do televisor.
“Ai, Amigos, ai Ouricinho, Ouricinho, esperemos que venham depressa esses tempos sem quarentenas!”

3 comentários:

  1. Esperemos que sim, que voltem depressa os tempos sem quarentena, que é sinal que as coisas já estão a melhorar.
    São muito sensatos os amiguinhos. Há pessoas que não respeitam as regras que estão sempre a dizer na televisão. É uma falta de respeito para com todos, incluindo os que trabalham nos hospitais.

    Beijinhos, saúde e ânimo:))

    Adoro estes amiguinhos:))

    ResponderEliminar
  2. O amigo Sapo é novo nestas reuniões, não é?...

    ResponderEliminar