sábado, 28 de janeiro de 2023

A reler Manuel Bandeira - grande poeta do Brasil- e a pensar em José Régio...

Manuel Bandeira nasce no Recife, Pernambuco, em 19 de Abril de 1886 e morre no Rio de Janeiro em 13 de Outubro de 1968.

Iniciou os estudos no Recife. Com 10 anos a família muda-se para o Rio de Janeiro e conclui o curso secundário. Em 1903, entra em Arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo, mas interrompe porque adoece com tuberculose. 

 

  a estátua do Poeta hoje no Recife

Dez anos mais tarde, ainda doente, procura tratamento na Suíça onde permanece de 1913 a 1914. Num ano cura-se.Volta ao Brasil e começa uma vida de professor. Mais tarde vai ensinar Literatura na Universidade.  

 

 Em 1940, o poeta Manuel Bandeira é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Desde 1943, foi professor de Literatura Hispano-Americana na faculdade de Filosofia.

Poeta, escritor, crítico de arte e historiador da Literatura, Manuel Bandeira fez parte da primeira geração modernista do Brasil.

Participou na famosa Semana da Arte Moderna realizada em São Paulo entre os dias 13 e 18 de Fevereiro de 1922. Nesse ano festejavam-se os cem anos da independência do Brasil e a Primeira Guerra tinha acabado há pouco. 

A Semana da Arte Moderna foi um acontecimento importantíssimo que abalou os cânones da Arte no mundo, reuniu apresentações variadas de música e dança, recitais de poemas, exposições de obras de pintura e escultura e também diversas palestras sobre assuntos ligados à Arte. 

O que pretendiam estes artistas chamados “modernistas”? Os participantes propunham uma visão diversa da arte, a partir de uma nova estética que se inspirara nas ‘vanguardas’ da Europa. 

Defendiam a ausência de formalismo; rompiam com o academicismo e o tradicionalismo; criticavam o modelo parnasiano. Ao falar de vanguardas europeias lembro o futurismo, o dadaísmo, o cubismo, o surrealismo e o expressionismo.

Manuel Bandeira é considerado como parte da geração do Modernismo no Brasil, ao lado de muitos outros. Os seus temas são do mais variado passando pelo pessimismo, o erotismo e a morte. 

 

Oswald de Andrade

Oswald de Andrade  (1890-1954), o mais velho dos participantes, é um dos promotores da Semana, com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manuel de Andrade e Gilberto Freyre – todos eles escritores excelentes que se distinguiram no Brasil - e fora do Brasil - pelas suas obras. 

 
Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto
 
Manuel de Andrade e os modernistas 

Gilberto Freyre natural também de Pernambuco (1900-1987)) é um escritor que se dedicou ao ensaio, ocupando-se da explicação da realidade brasileira sob o ângulo da sociologia, da história e da antropologia.  
 
Ficcionista, poeta e pintor, falou da realidade 'nordestina'. Quem não leu "Casa-Grande e Sanzala" ou "Nordeste" muito perdeu. Gilberto Freyre é considerado um dos  mais importantes sociólogos do século XX.
Gilberto Freyre

A "Semana" foi realizada no Theatro Municipal de São Paulo. É a declamação do poema “Os sapos”  de Manuel Bandeira foi inclusivamente a abertura da “Semana”.

"Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra...”

 

Theatro Municipal de São Paulo.

Este movimento inovador vai inspirar Manuel Bandeira e leva-o a usar o verso livre, a defender a língua coloquial, a ir pela irreverência e pela liberdade criadora.

    

José Régio, na sua casa de Portalegre

Escrevia José Régio há muitos anos: A maior parte dos pretensos poetas de hoje carecem quase totalmente de íntima transcendente ingenuidade. Por isso não são poetas.” 

E ainda: “A ingenuidade a despeito de toda a sabedoria do artista (ou do artífice) é outro elemento que me parece característico de toda a obra de criação.” 

Para Manuel Bandeira a poesia podia e devia explorar variadas formas e temas. Inspiraram-no os temas do quotidiano das vidas simples e a melancolia. Na sua aparente simplicidade quanta emoção e cor, grito de vida, calmo desespero, sentimento da morte.

 

Deixo alguns poemas de Manuel Bandeira que admiro, que é um daqueles poetas que “em breves e simplíssimos versos, nos trazem um perfume, um momento, uma saudade, um desgosto” e nos atingem muito fundo na alma, seja lá a alma o que for.

E esta é a poesia autêntica. Sentida, vinda dos fundos do tempo, vivida nas entranhas, própria e de cada um.

Tinha razão José Régio - que amava a poesia de Manuel Bandeira – quando dizia: “A maior parte dos pretensos poetas de hoje carecem quase totalmente de íntima transcendente ingenuidade. Por isso não são poetas.”  

Lúcido, continuava: “Leio hoje tantos escritores – ou apenas folheio os livros - que sinto vazios, e sem ‘alma’. E quantos outros, em breves e simplíssimos versos, nos trazem um perfume, um momento, uma saudade, um desgosto que logo nos atingem fundo.”

 O que Régio diz é actual - quer no que diz respeito a poetas como a romancistas porque, para ser autêntico, um poeta ou um romancista tem de “afundar raízes nas entranhas” - só assim “provoca profundas ressonâncias no leitor”.

 

Espaço Pasárgada e busto de Manuel Bandeira

 Os artistas verdadeiros "trazem-nos um perfume, um momento, uma saudade, um desgosto que logo nos atingem fundo.” Manuel Bandeira é um poeta autêntico, provoca 'ressonâncias' profundas naqueles que o lêem. Basta ler o final do poema, 'Evocação do Recife'.

 

"A vida tem uma porção de coisas que eu não entendia bem

Terras que não sabia onde ficavam

Recife...

Rua da União...

A casa de meu avô...

Nunca pensei que ela acabasse!

Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...

Meu avô morto

Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro 

como a casa do meu avô."

(1925)

Vou deixar apenas alguns poemas que falam do quotidiano da vida e das pessoas simples. Como por exemplo o poema em que fala do seu primeiro  amor, e outros.

Porquinho-da-Índia

“Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-Índia.

Que dor de coração me dava

Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele prà sala

Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos

Ele não gostava:

Queria estar debaixo do fogão.

Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

- O meu porquinho-da-Índia

foi a minha primeira namorada.” (pg.169)

E o que pensar da simplicidade dolorosa e trágica do poema “Bicho”? Ouçam:

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.”

(Rio, 1947)

Ou, por que não, a liberdade do pensamento apesar de tudo?

“Mas para quê

Tanto sofrimento,

Se nos céus há o lento

Deslizar da noite?

Mas para quê

Tanto sofrimento,

Se lá fora o vento

É um canto na noite?

Mas para quê

Tanto sofrimento,

Se agora, ao relento,

Cheira a flor da noite?

Mas para quê

Tanto sofrimento,

Se o meu pensamento

É livre na noite?” (pg.112)

Fecho com o maravilhoso e dolente ‘Trem de ferro’. Quem não ouve e não sente ainda o cheiro e não lembra o velho comboio da nossa infância?

“Café com pão

Café com pão

Café com pão

Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim

Café com pão

Agora sim

Voa, fumaça,

Corre, cerca

Ai seu foguista

Bota fogo

Na fornalha

Que eu preciso

Muita força

Muita força

Muita força

Oô…

Foge, bicho

Foge, povo

Passa ponte

Passa poste

Passa pasto

Passa boi

(...)

Vou depressa

Vou correndo

Vou na toda

Que só levo

Pouca gente

Pouca gente

Pouca gente…”


 (1) Páginas do Diário Íntimo, dia 3 de Dezembro de 1964, Obra Completa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2ª edição, pg.361

(2) Poesias de Manuel Bandeira, Portugália, Poetas de Hoje, 1968

 https://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo

https://pt.wikipedia.org/wiki/Semana_de_Arte_Moderna

http://www.releituras.com/mbandeira_bio.asp

https://www.todamateria.com.br/semana-de-arte-moderna/

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