"As asas do desejo" de Wim Wenders e os outros mundos
José Régio era um poeta, sim, um dramaturgo, um ensaísta, um romancista, um novelista – mas era sobretudo um “criador” de mundos!
Há um livro de Régio
intitulado "Há mais mundos" -onde os títulos dos contos que o constituem são reveladores: Os Três Vingadores ou Nova História do Roberto do Diabo, O Fundo do Espelho, Os Três Reinos, Os Alicerces da Realidade ou os Paradoxos do Bem. Onde tudo pode ser outra coisa.
De tudo um pouco, até ao conto de que falo hoje onde um príncipe nasce com orelhas de burro. Um conto com uma profundidade inesperada para quem pensa ser uma história para crianças ou um mero conto de fadas.
Chama-se "O Príncipe com orelhas de burro: uma história para crianças grandes" e saiu em 1942. Não, não é um conto de fadas, um conto fantástico daqueles em que os príncipes vivem aprisionados num corpo de pássaro azul ou a princesa Zoé que, pela sua maldade, se vê transformada em cãozinho.É a história de um bebé, um príncipe, que nasce lindo como todos os meninos mas com umas minúsculas orelhas de burro. Tudo isto se passa no reino da Traslândia.
A Rainha, a mãe, chora desesperada, inconsolável. Fecha-se no seu silêncio e numa culpa que ignoramos e aceita o sofrimento. Havia um pacto selado com forças sobrenaturais, numa noite de temporal e só ela o sabia.
O Rei arrepela
os cabelos, esconde o choro no seu salão de veludo, e as aias da rainha e os
conselheiros mais próximos são obrigados a ocultar esse drama. A Rainha esconde-se pelos jardins.
Os anos correm velozes, o Príncipe cresce e, quando à noite, desenrolava as faixas de seda, as orelhas saíam murchas e pareciam tão tristes como os olhos do Príncipe. E mais anos correm e um dia ...
Pintura pré-rafaelita
Um belo dia o Príncipe apaixona-se por uma Princesa chamada Letícia. E aí começa - como sempre acontece nestes casos - um grande problema existencial e de insegurança.
“Era duma vez, no reino de Traslândia, um casal que não tinha filhos. Grande mágoa, suponho, dever ser não ter filhos um casal que se entende bem. E assim era nesse casal.
Eis por que o marido começara de precocemente encanecer, entretendo seus ócios com aprender jogos chineses, coleccionar pássaros e armas brancas, estudar dialectos e outras futilidades semelhantes;
e a mulher se tornava rabugenta, caprichosa, avarenta, fanática, histérica (tendo sido a própria imagem da alegria!) como se não houvera casado, e antes do tempo envelhecera de inutilidade e amargor”. E assim vai o autor contando a história.
Como num microcosmos, que o autor “criou”, cheio das paixões humanas nos seus diversos modos e aparências, do desejo, do ódio, do medo, do anseio, Régio recolhe o resultado do que viu, observou e que procura revelar-nos.
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2ª edição: “O Príncipe com orelhas de burro. História para crianças grandes", Brasília Editora, Lisboa, 1946. A edição tem uma capa desenhada por Júlio, o poeta Saúl Dias, irmão de Régio.
Também edições da Portugália, da Guimarães e outras. Recentemente a novela foi publicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, no conjunto de “José Régio, Obra Completa”, edição cuidada por Eugénio Lisboa.
** Nos sites de livros em segunda mão, ‘on line’, encontrão algumas destas edições a bom preço.
Li-o há muitos anos e adorei o livro. Recentemente fui visitar a sua casa em Vila do Conde e trouxe de lá o livro "Davam grandes passeios ao Domingo" - gostei do livro, mas queria outro final. Um beijinho e uma boa noite
ResponderEliminarobrigada Gabi por teres vindo. É uma história belíssima "Davam grandes passeios aos domingos" é triste mas muito verdadeiro. Era um pouco assim por aquelas bandas (e por toda a parte). O Régio tem histórias de mulheres ("Histórias de Mulheres") trágicas e sempre verdadeiras. Ele sabia entender essa realidade. Lembro-me de ouvir a minha mãe dizer que não houve ninguém com quem se sentisse tão à vontade a falar de tudo como com o Régio. Eram muito amigos. beijinhos para ti!
ResponderEliminarÉ uma história de que gosto muito - mas já não leio há muito tempo, e não me lembro bem do fim. Bom dia!
ResponderEliminar(Margarida Elias)
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