Sempre me interessou a Utopia. A palavra vem do latim moderno “utopia”, por sua vez originado do grego: “ou” (não)+ “topos” (lugar). O que seria então equivalente a um “não-lugar”, ou lugar inexistente.
A palavra foi criada no século XVI, pelo filósofo Thomas More - significando “país imaginário onde num governo público a felicidade seria possível.” (1) Um lugar ideal, pois, considerado inatingível.
“Por que não há-de existir esse lugar?” Sei que a pergunta é ingénua, claro, porque é difícil encontrar um país onde tudo funcione bem e cujo plano de governo leve à “felicidade pública”?
E penso: “Se existisse, o país da Utopia onde poderia estar? No
meio da natureza? Qual natureza? A que estamos a destruir há décadas? Em alguma
ilha escondida? Nestes mares poluídos já não deve existir país da Utopia. Nos glaciares? estão a derreter."
Arturo Nathan, O gelo do mar
Voltei a ficar pessimista. O que é realmente a Utopia? Na última edição do velho dicionário de Cândido de Figueiredo encontrei:
“Utopia, país imaginário em que tudo está organizado da melhor forma; plano de governo de que resultaria a felicidade pública, se ela fosse exequível; sistema ou ideia irrealizável.”
No completíssimo Dicionário Aurélio” vem explicada a Utopia:
"País imaginário, criação de Thomas More, escritor e filósofo do século XVI, em Inglaterra. País esse onde um governo organizado da melhor maneira proporcionava óptimas condições de vida onde viveria um povo equilibrado e feliz.”
Pergunto: a felicidade pública poderá existir entre os homens? O que faz feliz um, fará feliz o outro? A felicidade deve ser só para uns?
E duvido: não será possível mesmo? Se os homens quisessem, podia ser possível sim.
Pensei na Grécia clássica, na democracia, na culta civilização de Atenas, no equilíbrio do tempo de Péricles, no século de ouro. Talvez tenha sido o mundo mais perto do "ideal".
"Já não há lugares assim..." O pessimismo, outra vez! Mas uma voz interior e antiga, grita-me cá dentro: “Não pode haver lugar para o pessimismo! Continua a pensar!”
De repente lembrei os valores republicanos, sinceros, do meu Avô e os ideais de igualdade e de fraternidade do meu Pai.
Pensei no
temporal que vai pelo mundo, no despotismo e nas ideias fascizantes que correm pela Europa e na supremacia
dos populismos por todos os lados do mundo. Pensei no nosso passado cinquenta anos atrás. Existira.
Recordei os que tinham morrido à espera de utopias. De decência. De respeito verdadeiro pelo outro. De simplicidade e equilíbrio das oportunidades. E os que lutaram antes de mim por uma vida de respeito, sem donos, quantas vezes “ni Dieu ni maître”, em liberdade e democracia?
Pensei nos amigos que tanto acreditaram, que tanto esperaram. Vou abandoná-los sem tomar uma atitude? Sem afirmar a minha opinião? Deixar os outros “decidir por mim”?
Foi tão difícil chegar até aqui. Recordei os versos de uma canção que sempre me comoveu: "O que eu andei para aqui chegar..." (3)
Vamos deixar que nos tirem o que conseguimos? A liberdade de escolher o que apreciamos? A nossa exigência do bem e da justiça?E voltar à concorrência selvagem e ao poder do dinheiro e da Banca? Ao capitalismo desenfreado outra vez?
Não podia desistir agora. O mundo não pode afundar-se deste modo, neste esterco, neste egoísmo, nesta concorrência desleal, nestes valores capitalistas desiguais que negam o que na Utopia era importante e devia ser “para todos”.
Há sempre um momento na vida em que podemos lutar pelo tal “país imaginário” com que sonhámos na juventude, "Paraíso Perdido”, de John Milton? (2)Desistir?
Quantas oportunidades terei ainda? Não "somos"
novos como dantes - mas podemos acreditar num futuro. Volto a pensar
na Cidade-Estado de Atenas, a mais culta, a mais justa: a democrática Atenas. Inatingível, como a utopia? Não. A democracia existe. Temos que lutar por ela. É frágil e pode perder-se.
E quando nos dão a oportunidade de escolher temos de lutar por aquilo em que acreditamos. Poder “escolher” é uma das maravilhas da vida!
Não, não ia desistir
agora. Seria uma traição! Assim, será como uma espécie de "missão": agora era a minha vez! A esperança tem que se guardar.
É o que vou fazer no próximo domingo, dia 10 de Março, dia de eleições. Vou escolher. E o que for soará!
* * *
NOTA: O texto foi escrito no dia 9 de Março de 2024, véspera das eleições administrativas. Publico-o hoje, depois das eleições claro. A vida é bela e andemos em frente!
(1)Também referido como “Morus”, Thomas Moore, Thomas Morus, ou Tomás Moro nasce em Londres em 1478 e morre na mesma cidade em 1535. Filósofo, homem de estado (foi Chanceler da Inglaterra) diplomata e escritor, advogado e homem de leis. Homem equilibrado e idealista, Moore foi considerado um dos primeiros homens do Renascimento inglês.
(2) “Paradise Lost”, romance do inglês John Milton, conta a história bíblica de Adão e Eva (da Humanidade, por extensão). Nascido em1608, morre em 1674. Milton foi um poeta, historiador e polemista inglês a sua filosofia política opunha-se à tirania. É considerado o Poeta mais importante da Inglaterra, depois de William Shakespeare.
( (3)A canção intitula-se “Eu vim de longe, p’ra muito longe”, de José Mário Branco.
https://youtu.be/KPRNdtJozIE?si=qnSxYLvJfmBvPW0z
(Canção de José Mário Branco)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_More
https://www.britannica.com/biography/John-Milton