Estava
eu, na Praceta de São João, sentada num dos bancos de madeira, e pus-me a
pensar.
árvores e céu azul (foto de M.J.F.)
A praceta, cheia de árvores, que em tempos foi soturna e sombria, com as pedrinhas soltas e os buracos
onde ficava a chuva e as folhas de Outono a apodrecerem, é hoje um lugar luminoso.
Dantes,
tinha casas em volta, lojas e, no centro, um quadrado, cercado por um muro
baixinho com algumas flores sempre secas.
Havia
três ou quatro passagens abertas no muro para as pessoas atravessarem ou para a
cruzarem em diagonal para apanhar a rua da estação. À roda, giravam os carros
que paravam e buzinavam para deixar alguém em frente de uma loja, ou arrumado em qualquer canto por umas
horas.
Há
uns anos, a praça foi completamente reestruturada por um jovem arquitecto que,
por acaso, é um dos amigos de infância do meu filho. Dois gémeos, os chamados
por nós “Zés” porque um era o Manel Zé e o outro o Zé Manel. Um é comandante da
TAP e o outro, Manuel José Ayres, é o arquitecto.
A
praceta ficou com mais luz, sem o muro que eu detestava, um chão plano onde não se tropeça nas pedrinhas da calçada portuguesa, onde as crianças podem correr ou jogar à
bola e onde há mesmo um pequeno parque infantil cheio de cores.
Os carros não circulam, nem buzinam, há um pequeno parque para arrumar quatro ou cinco carros e mais nada.
Praça de São João foto de M.J.F.)
Os carros não circulam, nem buzinam, há um pequeno parque para arrumar quatro ou cinco carros e mais nada.
Tem
uma escadaria aberta para a estação e é fácil apanhar o comboio sem ir dar uma
volta e, quando se sai dele, está a praça logo em frente. Há mesas de madeira
com cadeiras onde os alunos do liceu podem estudar (?), ler, conversar, namorar
– o que é positivo.
Uma das mesas tem mesmo um tabuleiro de xadrez e damas
desenhado, e muitos senhores mais crescidos, reformados, ficam ali a jogar e a
conversar com os amigos, de boné enterrado na cabeça.
Outros ficam nos bancos, pensativos, a olhar para trás, para o passado, enquanto vêem passar diante deles a miudagem do liceu. O que pensam não sei. Há uma certa nostalgia no olhar deles. Como se nem eles nem o banco onde se sentam exista de verdade.

Outros ficam nos bancos, pensativos, a olhar para trás, para o passado, enquanto vêem passar diante deles a miudagem do liceu. O que pensam não sei. Há uma certa nostalgia no olhar deles. Como se nem eles nem o banco onde se sentam exista de verdade.
o banco e a memória (foto de M.J.F.)
Mas
eu queria falar era de papelarias! De facto, na praceta, há duas papelarias de
que me lembro desde que para aqui viemos viver – quando fui colocada no Liceu
de São João.
Papelaria Bonanza (foto de M.J.F.)
Papelaria Ricco (foto de M.J.F.)
Papelaria Bonanza, (foto de M.J.F.)
São
a Papelaria Bonanza e a Papelaria Ricco que continuam a servir toda a gente.
Mudou a gerência, mas tudo permanece idêntico, se bem que com nova decoração.
Papelaria Ricco (foto de M.J.F.)
Papelaria Ricco e livros novos e usados (M.J.F.)
Papelaria Ricco (M.J.F.)
Adorei
sempre o ambiente e o cheiro das papelarias desde que era miúda e ia à Papelaria
Viriato, entre o Rossio e a Igreja de São Lourenço, em Portalegre, comprar as coisas de que mais gostava:
livros, lápis de cor e aguarelas, cadernos, apara-lápis e borrachas de todas as
cores. Algumas borrachas até tinham cheiro de frutas!
Portalegre (foto M.J.F.)
Portalegre (foto M.J.F.)
Subindo
pela Rua Direita, havia mais papelarias, claro. Havia, perto da casa dos meus
avós – que moravam na Rua da Sé, paralela à Rua Direita, a Livraria-Papelaria
do Sr. Tiago Morgado, dirigida pelo filho, também Tiago, que sempre conhecemos
como Sr. Tiaguinho.
Quantos livros comprei nessas papelarias. Havia a magnífica colecção Romano Torres que publicava traduções (consideradas “versões”) de muito bons de romances ingleses e outros.
Quantos livros comprei nessas papelarias. Havia a magnífica colecção Romano Torres que publicava traduções (consideradas “versões”) de muito bons de romances ingleses e outros.
Portalegre (foto M.J.F.)
Comprei
– e sofri - com David Copperfield e Tempos Difíceis o Charles Dickens, ou “Sem Família” seguido de “Em
família”, de Hector Mallot.
Li,
encantada, as aventuras de “Ivanhoe”, de Sir Walter Scott, “A Mulher de Branco”
ou “O Diamante da Lua”, Wilkie Collins que íamos comprar na Papelaria do Senhor
Tiago.
Continuando
a subir a rua, do lado direito, havia a Papelaria Margalho onde me
recordo de ver, além dos artigos de papelaria, livros para crianças, brinquedos
e todos os jornalinhos da B.D. dessa época: “Diabrete”, “O Cavaleiro Andante”, e
as histórias do Tintin.
Havia,
nesses anos, uma revista que eu preferia acima de todas: era “O Mundo de
Aventuras”, mas esse ia-o buscar à Tipografia Casaca, do meu querido avô, que o
guardava para nós.
os meus avós, na Serra com o meu filho Diogo e o Zé Manel e o João, meus sobrinhos
Por isso, à saída do Liceu, na 5ª feira, lá estávamos - a minha irmã mais velha e eu – a buscá-lo. Um beijo ao avô, sentado na sua secretária, ao fundo da tipografia, a
corrigir as eternas provas d’ A Rabeca, o semanário republicano mais importante
da nossa terra. Quando chegávamos a casa, era separado em páginas soltas e
dividido por nós e pela nossa mãe que gostava de o ler como nós!
Café Alentejano, anos 50
Café Alentejano, hoje
Havia
também, antes de chegar ao Café Alentejano, a Papelaria do Sr. Silvino, onde
pouco parávamos porque quando chegávamos lá acima já tínhamos comprado tudo.
Portalegre (foto M.J.F.)
Finalmente,
para lá do histórico - e ainda “vivo”- Café Alentejano, perto da Porta de Alegrete, ficava a Papelaria de Maximiliano Rato que, para além de tudo o que havia nas outras lojas, tinha as “sonhadas”
bonecas -as mais belas da cidade - e os melhores brinquedos.
Era passagem obrigatória, antes do Natal para podermos fixar bem o que iríamos
pedir ao Pai Natal e ficar à espera da surpresa que vinha pela chaminé e ficava
junto do fogão da cozinha.
Portalegre (foto M.J.F.)
Surpresa,
sim, porque a verdade é que pensávamos: “Como pode ele lembrar-se das prendas
todas”? Ou: “Será que este ano vai fazer confusão?” A nossa surpresa era ver
que ele acertava em quase tudo o que lhe pedíramos na “cartinha” (obrigatória)
que escrevíamos para a “Estrada do Céu”.
Natal
Sempre
a mesma “ilusão” desses tempos quando entro numa Papelaria: o que vou
descobrir de especial?
A
verdade é que hoje encontrei uma novidade: uma ‘Bic’ a escrever “roxo vivo” e,
outra, “azul turquesa”.
E,
para grande alegria encontrei ainda uma esferográfica Parker que me atraiu pela sua cor vermelha, pois nunca vira esse
tipo de caneta em encarnado - e que me custou 15 euros.
bela foto do amigo J.F. hoje desaparecido
Saí,
contente. As papelarias a mim nunca me desiludem…E, na memória, voltei à minha cidade natal, Portalegre! E sonhei com mais livros!