Poucas
vezes vi um pôr-do-sol tão especial na minha vida, como o daquela tarde em Ribeira-Peixe.
Ribeira-Peixe
é uma terra perdida, em S. Tomé, uma vila desolada e pobre, com bandos de
crianças a correr à frente dos carros que por lá passam de quando em quando e a
pedirem: “doce!, doce!”
A
estrada batida, alcatroada em alguns troços mas sempre esburacada, atravessa a
vila. O pavimento gasto, estragado pelas força das chuvadas frequentes.
Uma
coisa que recordo de São Tomé é a efemeridade: por exemplo as pinturas
exteriores, as paredes, as casas de madeira, os estuques, tudo se degradava em
poucos anos. Bastava a passagem de uma estação das chuvas para se notar a
diferença.
As
chuvas destroem, cíclica e metodicamente, tudo à sua passagem. Vendavais
inesperados ou a chuva, fininha, contínua, durante horas e horas, tornavam as 'coisas' muito frágeis.
Tantas
vezes me espantei com a fulgurância desses momentos: nuvens no céu que iam
escurecendo, até ficarem negras, um relâmpago que iluminava o cair de tarde, os
trovões a aproximarem-se e, de repente, a chuva a desabar no meu jardim.
Horas depois, pequenos lagos tinham brotado, por aqui e por ali, onde grossos pingos de chuva continuavam a cair. É verdade que logo abria o sol quentíssimo!
Horas depois, pequenos lagos tinham brotado, por aqui e por ali, onde grossos pingos de chuva continuavam a cair. É verdade que logo abria o sol quentíssimo!
No
entanto, no caminho para Ribeira-Peixe, não recordo a chuva, e sim um sol lindo,
as flores por toda a parte e os enxames de abelhas à sua volta, porque era uma viagem que não se faria em dias de chuva...
De um lado é a montanha e do outro o mar, e ambas as paisagens são maravilhosas.
De um lado é a montanha e do outro o mar, e ambas as paisagens são maravilhosas.
caminho para Ribeira-Peixe (MJF)
Passava-se
por Ribeira-Peixe, não se “ia” a Ribeira-Peixe. Estava no caminho para a
turística cidade de Porto Alegre, mesmo na ponta sul da ilha, na província de Caué. Porto Alegre, zona de grande beleza pela transparência das águas
do oceano que ali formam autênticas piscinas naturais, cavadas nas rochas
vulcânicas negro-avermelhadas.
o mar e os rochedos, em Porto Alegre
cruzamento de Ribeira Afonso e Porto Alegre (MJF)
na estrada para Ribeira-Peixe...
cacaueiro (imagem tirada da internet)
árvores sombreiras (MJF)
tronco de um ocá (imagem da internet)
Mesmo
a simples árvore do mamão era bonita. Fascinavam-me, sempre, os delicados
coqueiros, que pareciam esboçados a tinta-da-China ou pintados a aguarelas.
Vamos
seguindo sempre e estremeço com os desníveis da estrada, agarro-me ao cinto de
segurança, mas sei que não corremos perigo, é um jeep
forte, o nosso amado UMM-Alter!
A
verdade, porém, é que para se ir da cidade capital para Porto Alegre era
essencial levar dois pneus sobresselentes. E muitas vezes nos serviram,
porque os cortes das pedras vulcânicas eram frequentes. Desde o Pantufo com o seu mercadinho, à beira da estrada, indo pela estrada de Santana, e parando na praia Melão...
o mercadinho do Pantufo (MJF)
Praia Melão na Gravana (MJF)
Quantas vezes vi o sol descer no meu jardim e a luz dourada brilhar por um momento. Depois, céu ficar cor-de-rosa, avermelhado, logo vermelho vivo e
depressa o crepúsculo e o negro da noite. Começavam a ver-se as estrelas no céu, na estação
da Gravana, quando o céu estrelado é inesquecível.
Como
foi daquela vez em Ribeira-Peixe? A tarde estava amena, o mar tranquilo.
O sol foi descendo sem que eu desse por isso,
distraída como ia. E foi um momento de encanto. Ao chegarmos, a vila parecia cor-de-rosa. O sol era uma bola vermelha poisada no poente a entrar devagarinho na água. E, de repente, voltou um azul suavíssimo...
meninas em Ribeira-Peixe (MJF)
Entre dois coqueiros, alguém esticara uma corda da roupa. E,
penduradas, ou estendidas no chão, os panos coloridos ou as roupinhas de uma criança, de tons suaves,
pareciam bandeirinhas de festa. Uma jovem mulher recolhia a roupa e olhava-nos.
Era um sentimento de calma, uma paz estranha. As
cores agitavam-se, na delicadeza, viviam por si num movimento mágico de ondulação,
que a brisa nos trazia. À beira-mar, uma cabrinha pastava.
panos coloridos a secar (MJF)
cabrinha a pastar (MJF)
Inesquecível
pôr-do-sol em Ribeira-Peixe! Receio nunca
mais voltar a ver uma imagem tão bela.
Que relato tão bonito!
ResponderEliminarMesmo que não torne a ver um pôr-do-sol igual, tem a felicidade de ter esse, guardado no seu olhar:)
Um beijinho grande :)
Como te compreendo! Vivi sensações parecidas nas aldeias de Celorico, onde ia com o meu pai. Nunca esquecerei o que vivi, essa sensação que descreves tão bem de "uma paz estranha". A natureza engancha, será porque vimos da selva. Há lugares onde nunca voltaríamos e que no entanto levaremos sempre dentro. São Tomé e Príncipe, depois de Roma! A cara e a cruz duma mesma moeda que é a paixão pela vida. Gostei muito deste post.
ResponderEliminar~~~
ResponderEliminar~ Belíssimos apontamentos são-tomenses...
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~ Temperaturas equatoriais, dias iguais às noites,
tempestades súbitas e fortes que não refrescam,
floresta de sombra - a virgem - praias contornadas
de palmeiras e ocasos deslumbrantes sobre o mar.
~ Um povo muito simples, humilde e pobre...
~~~ Gostei do que li. Beijinho. ~~~~~~~
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