segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O CLUBE DOS QUE ACREDITAM NA VIDA - E ROBERT SABATIER



Pelas palavras das crianças e dos amigos podemos ir, confiantes… 
Escreveu-me há tempos uma jovem e grande amiga: 
“Se ser sensível, atenta ao mundo e às belezas das coisas, presentes e passadas, então já somos duas. Se há coisas horríveis neste mundo, também há coisas muito belas e, por vezes, esquecidas e invisíveis – a precisarem de ser resgatadas da invisibilidade e do esquecimento.” 

No fim e ao cabo, é sempre uma questão de palavras que se dizem para expressar os sentimentos. Se hesitamos, a pensar que já está tudo dito e que a desgraça e infelicidade dos homens é inevitável,  ou duvidamos se “vale a pena” arriscarmo-nos a repetir o que os outros disseram, aí está tudo mal - porque nos arriscamos a não acentuar o que está certo - dizendo-o de outro modo, é certo, pois todos temos o nosso “modo”, bem particular de dizer. Se formos sinceros, há sempre uma maneira nova de dizer!
Importante é não ter medo de “fazer os gestos” de afirmação e compreensão e de aproximação, de que falava John Steinbeck. De não termos medo de sermos nós e afirmarmos aquilo em que acreditamos.  
Citando ainda a minha amiga L.S., esses gestos são os que mostram “a sensibilidade e um amor ao Outro /a e à Vida que torna vívido tudo o que “tocamos”.  
Ouço coisas que me indignam pelo que revelam de resignação e de amargura, de falta de confiança na vida e em si próprios, de frustração e de covardia, com a sua lenga-lenga:
Ah, isto é inevitável... Ah, os portugueses foram sempre assim...Ah, os chineses são amarelosAh, os árabes têm sede de sangue! Ah, os são maus judeus mataram o Cristo!" 
Não é verdade! Tudo pode ser diferente se nós acreditarmos e se nós quisermos ajudar, realmente, os outros. 
Sem egoísmos, sem desconfianças, sem narcisismos. Aceitando as razões deles, apenas, defendendo o nosso ponto de vista, mas  sem o impormos.
E certos escritores ajudam-nos a criar essa confiança no Outro e a escolher os caminhos do encontro.
Comecei a ler Robert Sabatier, quase por brincadeira, porque a minha amiga Marie, depois de me cortar o cabelo quase todo,  mo emprestou. 
Chama-se “Trois Sucettes à la Menthe” (que faz parte da trilogia-“saga” "Le roman d’Olivier").
Dizia-me ela: “lê por favor, pois gostava de saber se este livro que tanto me encantou na adolescência é mesmo um livro bom. Marcou a minha infância mas não o leio há muito tempo.
A Marie, pelos vistos, tem confiança no meu gosto. Isto foi há uns meses e como vou voltar depressa à Marie pensei: “tenho que ler o livro!"

E comecei. E gostei: faltam 10 páginas para o acabar. É um livro bom, daqueles que nos fazem comover, ao lembrar outras histórias da nossa vida - e da vida que encontrámos noutros livros que nos educaram na nossa maneira de ser. 
Um livro que nos leva a pensar sobre o que é justo ou injusto, o que se pode fazer ou não. Os tais gestos de que falava Steinbeck!
Sabatier é um escritor francês que escreveu muito sobre a infância e a adolescência.
Nasceu, em 17 de Agosto de 1923, em Paris, Montmartre, onde vai viver parte da sua infância. E morre, em 28 de Junho de 2012, com 88 anos.
Órfão aos 12 anos, muito cedo,  sente a necessidade de escrever sobre a sua adolescência difícil e, tantas vezes, solitária. De escrever sobre a solidão, o brutal sentimento de abandono quando a mãe morre e se vê obrigado a ir viver com os tios, que não conhecia sequer e que viviam na zona do Canal Saint-Martin.
Um dos seus primeiros livros, de 1969, “Les Allumettes suédoises”, que fala da infância, tem um grande sucesso e, adaptado por Jacques Ertaud, será, em 1995, uma apreciada série televisiva. 

 Outros romances se lhe seguem, como “Alain et le Nègre”, do qual Jean Duvivier fez um filme, em 1953, e de que Aragon dizia ser o primeiro livro anti-racista francês. 
E “La Mort du Figuier”, “Canard au sang” e "les Noisettes Sauvages". 

Li apenas “Trois Sucettes à la menthe”: um belo livro sobre a infância e adolescência para juntar aos tantos que se escreveram no mundo.

Descobri, nele, a páginas tantas, uma referência a uma canção de que gosto muito, Gloomy Sunday, que cantada por Billie Holiday é arrasante e bela.

Tratava-se dum momento de desespero do pequeno Olivier, de castigo por ter imitado a assinatura do tio, na caderneta escolar, em que sente saudades dos tempos da rue Labat, onde a mãe tinha a sua retrosaria e onde fora tão feliz com os amigos, a brincar livremente pelas ruas. (pg.252) 

E chora. E pensa que “as pessoas que se suicidavam depois de ouvir “Sombre Dimanche” (cantada por Billie é uma canção “triste à mourir!) deviam encontrar-se no mesmo estado de espírito que ele”. Volta à escola e o professor põe-o de castigo a copiar frases  de um livro de Louis Pergaud. Achei graça encontrar este escritor no livro dele pois Pergaud é um autor de que, ainda há pouco tempo, ouvi falar. Num artigo do El País sobre os escritores franceses que morreram jovens, na I Guerra, alguns dos quais desaparecidos para sempre, pois os corpos nunca foram encontrados. 

É o caso de Louis Pergaud que nasceu, em Doubs, em 1882, e morre na batalha de Woëvre (Meuse) em 1915. Autor do “poemario”, “De Goupil à Margot” (1910), livro de sucesso, e de "La Guerre des Boutons "(1912) de que conheço apenas o filme de Yves Robert (1962). 
Em 2011, saiu outra versão, de Yann Samuel.
No artigo, falavam também de outro escritor, Alain-Fournier, autor do maravilhoso livro sobre a adolescência que se chama "Le Grand Meaulnes". 

Henri Alain-Fournier cujos restos foram descobertos apenas em 1991 em Saint-Remy-la-Calonne, juntamente com outros soldados do seu regimento. Alain-Fournier, mobilizado em Agosto de 1914, participa em três batalhas mortíferas na zona da Meuse. 
Em fins de Setembro, é dado como desaparecido, nos Hauts de la Meuse, durante muitos anos de mistério. Soube-se, em 1991, quando se encontraram os restos do regimento inteiro, que fora executado, em 22 de Setembro, com o capitão e todos os soldados.


túmulo de Alain-Fournier

Tantas ilusões, tanta juventude e que preço tão duro pagaram estes jovens escritores. E recordo os triestinos Slataper e Stuparich mortos na mesma guerra, ainda tão novos. Ou George Duhamel. Ou Emile Guillaumin. 
Ou Apollinaire, gravemente ferido na cabeça, em 1916, tendo sofrido uma trepanação, e que, com essas sequelas, e fragilizado, vai morrer em 1918 com a "gripe espanhola".
Apollinaire e a mulher, em 1918



Também os poetas ingleses Robert Graves ou Wilfried Owen que sobreviveram para contar os horrores da Guerra.
Wilfried Owen

Voltando a Robert Sabatier, que belo livro Trois sucettes à la menthe!
Dá vontade de viver porque a verdade é que ele transforma a tristeza da morte da mãe de Olivier, o abandono, a solidão, a nova vida junto de uns tios desconhecidos, num desafio, numa criação diária em que cada coisa é uma conquista apreciada e vivida com amor, em que os gestos contam.

Nota: 
Poeta e romancista, Robert Sabatier dedicou a sua vida à literatura, participando activamente na vida literária. Pertenceu à Académie Goncourt. Escreveu uma História de Poesia Francesa muito considerada. Ganhou o Prémio de Poesia da Académie Française, em 1969.
Aos 20 anos, Robert Sabatier entra na Resistência Francesa, no “maquis” de Saugues.

3 comentários:

  1. Não conheço o autor. Perguntei à minha irmã que lê mais livros em francês e também não o conhecia. Fiquei curiosa e vou tentar encontrar um livro dele em próxima ida à Fnac.

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  2. Na minha adolescência li A morte da figueira. Já não me lembro, mas acho que gostei. Como ainda tenho o livro, talvez o releia e vou procurar Os três chupa-chupas que está traduzido.
    Obrigada pela dica.
    Bom dia!

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  3. Não conhecia o autor e andei a ver na Wook se havia alguma coisa dele, em português. Só encontrei o livro de que fala a MR. Já o pedi, porque fiquei curiosa. Entretanto vou perguntar à Cláudia se tem por lá o outro que a MR menciona "A morte da Figueira".

    Um beijinho:)

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