(25 de Fevereiro 1855- 19 Julho 1888)
“Sem
saber porquê
Amo
este mundo
Onde
viemos para morrer”
(Natsume
Sosêki)
Tive
saudades de Cesário Verde? Sim. Muitas vezes me vêm à cabeça versos seus -a
propósito e a despropósito de tudo.
E sinto-o na angústia expectante, no sonho de outros mundos, ali parado sempre na Lisboa que, ao anoitecer, tem tanta soturnidade, tanta melancolia. E escolho uma pintura de Carlos Botelho que me lembra o mundo da Lisboa de Cesário que tão bem a pintaram ambos...
No seu paradoxal desejo de ter saúde e ser feliz, ao mesmo tempo que sente despertar dentro "um desejo absurdo de sofrer";
No sonho das viagens, e da fuga, no sonho de partir - ele também! Ele que por cá vai ficando e escrevendo versos...
Versos publicados, póstumos, pelo amigo Silva Pinto (1848-1911) em colectânea a que chama “O Livro de Cesário Verde”.
E sinto-o na angústia expectante, no sonho de outros mundos, ali parado sempre na Lisboa que, ao anoitecer, tem tanta soturnidade, tanta melancolia. E escolho uma pintura de Carlos Botelho que me lembra o mundo da Lisboa de Cesário que tão bem a pintaram ambos...
Carlos Botelho, Lisboa
No seu paradoxal desejo de ter saúde e ser feliz, ao mesmo tempo que sente despertar dentro "um desejo absurdo de sofrer";
No sonho das viagens, e da fuga, no sonho de partir - ele também! Ele que por cá vai ficando e escrevendo versos...
Versos publicados, póstumos, pelo amigo Silva Pinto (1848-1911) em colectânea a que chama “O Livro de Cesário Verde”.
Que vida curta a sua! Que, afinal, deu apenas na morte prematura, e no sonhou irrealizado…
“Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando
à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me
em revista, exposições, países:
Madrid,
Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!”~
Em
carta ao amigo Mariano Pina, então em Paris, escreve - de Linda a Pastora (*):
“Meu amigo –tem chovido bastante e há dias
que temos as comunicações cortadas com Lisboa (…)
Por aqui e por todo o país,
naturalmente, continua tudo na mesma, isto é, está parado. Dizer mal disto parece
uma coisa pedante do visconde Reinaldo, mas não é.
A tua estada em Paris faz-me imenso
mal, a mim particularmente: produz-me a ideia fixa, a ‘monomania’ de partir
para aí”.
Um
desabafo que revela a sua ânsia de ir, enquanto vai ficando preso por aqui, por isto
ou por aquilo, até que a tuberculose o ‘leva’ para sempre. Talvez
num desses dias, em que se sente "cruel, frenético, exigente" tenha escrito:
“Eu
hoje estou cruel, frenético, exigente:
Nem
posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível!
Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me
a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta
depravação nos usos, nos costumes!
Amo,
insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.”
E Paris tão longe! A
Paris irá mais de uma vez em negócios mas essa sua “monomania” de ali viver não a realizou nunca o poeta.
Imaginar o Paris de Guillaume Caillebotte, com o 'jeune homme à la fenêtre' que podia bem ser ele... E os boulevards de Pissarro ou as figuras de Félix Vallotton...
Paris onde Mariano Pina publicou, em 1884, na revista que ali editava, "Ilustração", o poema intitulado ‘Nós’ (talvez
o mais pessoal e autobiográfico segundo alguns) de Cesário Verde.
Em nota de rodapé,
escreve o organizador da edição:
Camille Pissarro, Boulevard Montmartre
Félix Vallotton
Odilon Redon, Papoulas azuis
"Pinto quadros por letras, por signaes,
Tão luminosos como os do Levante,
Nas horas em que a calam é mais queimante,
Na quadra em que o Verão aperta mais.”
Guillaume Caillebotte, Boulevard des Italiens
“Numa delas – contou Columbano a João de Barros
–“a uma mesa de café, donde se via a
porta de um teatro, esperou pacientemente a passagem de Vítor Hugo” (in João
de barros, Pátria Esquecida).
Que
vida! E volta Lisboa sempre. E, em “Contrariedades”, vai alternando o seu desânimo e a raiva pessoal
- com a cena que vê para lá da sua janela:
“Ali
defronte mora
Uma
infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre
de falta de ar, morreram-lhe os parentes
E
engoma para fora.”
……
O
obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora
sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por
causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um
folhetim de versos.
… …
A
adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu
raramente falo aos nossos literatos,
E
apuro-me em lançar originais e exactos,
Os
meus alexandrinos…
E
a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora
que a asfixia a combustão das brasas,
Não
foge do estendal que lhe humedece as casas,
E
fina-se ao desprezo.”
Decide, porém, findar
sem azedume, mas num desabafo bem duro: É feia...Que mundo! Coitadinha!
"E
estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A
pobre engomadeira ir-se- à deitar sem ceia?
Vejo-lhe
a luz no quarto. Inda trabalha. É feia…
Que
mundo! Coitadinha!" (**)
E
a carta a Mariano Pina continua:
“Eu
não faço nada falto de estímulos, aborrecido contra esta gente da cidade (…) Ao menos, pelo campo
ainda há coisas primitivas, sinceras, e uma boa paz regular. (…) hoje, que é
domingo, sabes em que me entretenho? Em partir pinhões com uma pedra à porta de
casa. (…) No enfastiamento domingueiro o que se pode fazer se não isto? No
Verão, comíamos tremoços (…) depois foi-se o Outono nos arraiais pelos lugarejos
próximos.
"Agora os rapazes deitam o pião nos lugarzitos, e quando chove muito,
e a cheia alaga as baixas e os caminhos, apupam-se de monte para monte com
buzinas de chavelhos. Lembra a Idade Média, Rolando, Roncesvales, não sei o
quê.
Carlos Botelho: Lisboa, o Tejo, domingo
Roland, de Odilon Redon
Ah!
Meu amigo, se tu me tirasses desta apatia, deste enervamento, como seria bom!
Seria impossível numa formidável capital de trabalho, de inteligência, de
febre, arranjar um cantinho para mim? Um ano só para desemburrar! (…) por este
país fora há coisas interessantes e caçando-se descobrem-se imensas.
Em Caneças, as lavadeiras acompanham o bater da roupa com um ai medonho, aflitivo. Nos vales aparecem mochos com fome. O outro dia para os lados de Torres, vi quatro mulas lavrando uma courela a meio galope e aos couces, em desordem.
Eu gostaria imenso de fazer uma viagem pelo 'plateau' da Serra da Estrela até aos Pirinéus (…) Mas vês, lá caio eu insensivelmente na França, na Gasconha, o diabo.”
'Lavadeiras num rio' (Domingos Alvão, 1914)
Em Caneças, as lavadeiras acompanham o bater da roupa com um ai medonho, aflitivo. Nos vales aparecem mochos com fome. O outro dia para os lados de Torres, vi quatro mulas lavrando uma courela a meio galope e aos couces, em desordem.
Eu gostaria imenso de fazer uma viagem pelo 'plateau' da Serra da Estrela até aos Pirinéus (…) Mas vês, lá caio eu insensivelmente na França, na Gasconha, o diabo.”
S. Petersburgo
Sim, claro...o mundo está lá fora...
" Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!"
(*) Obra
completa de Cesário Verde, Portugália Editora, 2ª edição, 1970, organizada
prefaciada e anotada por Joel Serrão
(**) In O Porto, 18 de Março de 1876)
Cesário Verde ocupa hoje um lugar muito digno na poesia portuguesa. Avançado à sua época, teve pouco tempo para realizar uma obra a grande escala, a vida foi-lhe cruel, dois irmãos mortos antes que ele pela tuberculose, que tantos estragos fez na época. O meu pai perdeu uma irmã com vinte anos, e nunca pôde esquecer aquele sofrimento. Às vezes viver é muito difícil, mesmo para um grande poeta!
ResponderEliminarBeijinho
Tenho várias versões do Livro de Cesário Verde. Tenho uma com ilustrações, muito bonito.
ResponderEliminarOs poetas são sempre pessoas atormentadas, muito sofridas.
Um beijinho e bom domingo:)