Em Portalegre, reencontro tanta
coisa esquecida e revisitada uma vez mais. E tanta coisa a aprender ainda...
Portalegre
tem muito encanto, penso eu. Muitos recantos, ruelas íngremes e estreitinhas, caiadas de
branco, às vezes com uma barra amarela.
E tem belas igrejas e monumentos e casas solarengas, com brasões vários. E tem passeios para dar aos domingos e 'vistas' maravilhosas lá do alto da Serra e de tantos outros ângulos diferentes. E lembro as fotografias de um amigo desaparecido, José Fernando SP, que a 'imaginou' de todo os modos!
fotografia de José Fernando SP
nevoeiro de Setembro (José Fernando SP)
Leio por exemplo sobre a disputa entre os dois irmãos Álvares Pereira nos tempos conturbados que se seguem à morte de D. Fernando (1383).
O irmão de do Condestável D. Nuno Álvares, Pedro Álvares, Prior do Hospital e Prior do Crato, defende a causa de Castela, é o alcaide da cidade.
E Nuno Álvares Pereira, partidário de D. João, que vem com os companheiro de armas libertar o Castelo apreendido: “acorre
e, ajudado pela arraia miúda – pelos ‘ventre ao sol’ no dizer do cronista
Fernão Lopes-, consegue tomar o castelo” (pg. 418, ‘Guia de Portugal’, Raul
Proença).
D. Pedro Álvares Pereira, era ferrenho
partidário de Leonor de Castela e alcaide do castelo de Portalegre. Perante
essas posições de apoio a Castela, o povo de Portalegre revolta-se e cercou o
castelo.
D. Nuno Álvares vem ajudar a cidade. Vencido, D. Pedro foge para o
Crato.
Batalha de Aljbarrota
Em
anterior luta fratricida, Portalegre tomara o partido de D. Afonso irmão de D. Dinis
– ambos filhos de D. Afonso III que, em 1259, lhe concedera o foral de vila.
“Aquando das desavenças entre Afonso e seu irmão – o Rei- a vila segue o seu senhor, irmão do Rei legítimo. Em 1299, o Rei D. Dinis vem em pessoa pôr cerco à vila até à capitulação de D. Afonso.”
Fora o pai deles, o rei D. Afonso III, quem mandara erigir a fortaleza da cidade que ficou incompleta. Em 1271, doou ao seu
segundo filho, Afonso, as vilas de Portalegre e Marvão e os senhorios de Vide e
Arronches.
Quando morre, porém, em 1279, o infante D. Afonso, seu filho segundo, pretende suceder-lhe ao
trono, alegando que D. Dinis era filho ilegítimo. Não foi aceita tal sua pretensão, mas provocou
desavenças entre os irmãos, conflito que se arrastou.
Em 1299, Portalegre é cercada pelo
rei D. Dinis. O cerco dura seis meses. Após esses meses, D. Afonso rende-se.
Cancioneiros da Ajuda
Continuando a história de Portalegre, pelos vistos muito acidentada: “(…) Em 1511, D. Manuel dá um
novo foral à vila que foi depois elevada a cidade e feita sede de bispado em
1550”,
criada em 1549 pelo Papa Paulo III, o que leva o rei D. João III a conceder-lhe
o foro de cidade.
D. João III, na Corredoura (MJF)
“Data de então o começo da sua importância e
prosperidade. Multiplicam-se os solares, as casas mais ou menos opulentas dos
fidalgos.” (in Carta Régia de Maio de 1550)
Fábrica Real hoje Câmara Municipal (MJF)
Não
vou alargar-me mas lembro, ainda, a importância que teve a cidade quando o
Marquês de Pombal fundou a Fábrica Real
de Lanifícios de Portalegre. É
desse tempo uma quadra popular que diz:
“Oh cidade de Portalegre,
duas cousas tens em ti:
A Fábrica Real
A
indústria dos lanifícios é antiga na cidade, datando dos princípios do século
XVI. Constam dessa altura as primeiras referências ao ‘pano de Portalegre’.
a Sé (António Mão de Ferro)
A
Sé Catedral foi construída por cima da Igreja Nossa Senhora do Castelo. Iniciada
em 1555, a primeira pedra é lançada em 1556 pelo bispo espanhol, D. Julián d’ Alva, capelão da Rainha de Áustria, D. Catarina e primeiro bispo da Cidade.
O segundo bispo, D. André de Noronha, continuou a as obras e a Sé foi concluída, no último quartel do século
XVI, pelo terceiro bispo da cidade, D. Frei Amador Arrais, autor dos “Diálogos” (*).
A Sé, vista da cidade (MJF)
A bela entrada da 'Fábrica Real', à noite
A
Sé Catedral apresenta várias formas de arte e de materiais - desde grades em ferro
forjado (séc. XVII) aos azulejos policromáticos (séc. XVIII) e é “um dos maiores conjuntos nacionais de
pintura maneirista, de consagrados mestres nacionais e estrangeiros.”
Fernão Gomes
Pesquisando
na internet encontrei, no blogue ‘Montalvo e as ciências do nosso tempo’, blogue que muito aprecio pela qualidade e interesse das informações, mais documentação sobre a Catedral. Nele, soube muito do que aqui vou referindo.
De facto, é Frei Amador Arrais que, em 1582, encomenda vários retábulos maneiristas e escolhe Gaspar Coelho, artesão marceneiro-entalhador portalegrense, que já trabalhara em Espanha com mestres espanhóis e italianos.
De facto, é Frei Amador Arrais que, em 1582, encomenda vários retábulos maneiristas e escolhe Gaspar Coelho, artesão marceneiro-entalhador portalegrense, que já trabalhara em Espanha com mestres espanhóis e italianos.
Foi
este bispo quem mais contribuiu para a riqueza artística da Sé e para a sua ornamentação variadíssima.
Altar-mor de Gaspar Coelho
"Dos doze altares existentes, ‘o altar da capela
maior’ é o mais imponente e grandioso. (…) A obra foi confiada, em 1582, pelo
prelado, ao Mestre entalhador Gaspar Coelho, artista portalegrense que
trabalhou em Espanha, em Badajoz em 1571, onde aprendeu a sua arte com mestres
entalhadores espanhóis e outros estrangeiros do Norte da Europa (…) e na sua
construção foram gastos o equivalente a três mil cruzados.”
o belo Anjo da Guarda
Desta
vez, observei com mais atenção o belo retábulo do altar-mor da Sé. É um retábulo
barroco, em talha dourada, que veio substituir os antigos retábulos primitivos.
Esculpido por Gaspar Coelho e seu irmão Domingues, nas esculturas do retábulo, aliam-se a
educação artística e o saber à sensibilidade.
Para
mim, que pude conhecer tão bem a arte italiana e o ‘maneirismo’ na pintura, foi
a Itália que me veio à ideia. Encontrei a mesma suavidade nos tons, nos rostos, e as
formas fortes e arredondadas nos corpos.
No folheto, que trouxe da Sé, leio agora: “As figuras de estilo maneirista e formas
robustas e arredondadas, sugerem-nos a plástica das figuras de Miguel Ângelo na
Capela Sistina do Vaticano.”
Michelangelo, A serpente Vermelha (Sixtina)
Este 'corpo central' compreende três pinturas intercaladas com as
esculturas e, mais acima, outro grupo de duas esculturas que, ‘à moda antiga’,
separam três outras pinturas.
Leio o nome dos magníficos pintores: “(…) Fernão Gomes, Simão Rodrigues (contratados por Amador Arrais, o bispo culto e sensível às artes), Francisco Venegas e outros.” (**)
Leio o nome dos magníficos pintores: “(…) Fernão Gomes, Simão Rodrigues (contratados por Amador Arrais, o bispo culto e sensível às artes), Francisco Venegas e outros.” (**)
Francisco Venegas, tecto da Igreja de São Roque (1588)
Francisco Venegas
Fernão
Gomes é um pintor português de origem espanhola, nascido perto de Badajoz, que
foi estudar para Delft, na Holanda (estamos na época de Carlos V, Imperador da Áustria e Rei de Espanha) onde trabalhou com Anthonie Blockglandt
(1570-1572). Dali, parte para Portugal à procura de um lugar onde pudesse desenvolver a sua obra.
Camões, retrato de Fernão Gomes
É da sua autoria o único retrato verdadeiro de Camões,
provavelmente realizado entre 1573-75, “retrato
pintado a vermelho do poeta Luís de
Camões (…) único e precioso documento fidedigno” que representa o poeta.
Trabalhou com Simão Rodrigues na execução do
Retábulo da Sé de Portalegre, em 1595.
"A Virgem e o Menino", de Simão Rodrigues
Este
outro pintor maneirista, Simão Rodrigues, nasceu em Alcácer do Sal, em 1560, e foi cedo viver para Lisboa. Além deste trabalho em Portalegre, pintou o Retábulo da Igreja de São Domingos, em Elvas (1595).
Como
diz o autor do blogue "montalvo" que referi, “estes artistas erguem uma monumental peça de
marcenaria, entalhadura e douramento”, peças aliadas com pinturas maneiristas de
grande beleza.
“Toda a ornamentação
retabular se articula segundo os moldes do maneirismo, bem vivo nos frisos de
anjos, festões, medalhões, cestos de flores e de frutas nas bases das colunas
(…) que os artistas portalegrenses esculpiram ‘à maneira’ italiana”, inspirando-se
provavelmente em imagens e gravuras da Itália e do Norte da Europa.
Francisco Venegas, Anunciação (postal)
Entre as pinturas de que mais gostei, está outra suave “Anunciação” que fotografei (e aqui está, acima) e de que ignoro o autor. E também “O Nascimento da Virgem”.
Outra descoberta, neste lindo Retábulo maneirista do Altar-mor, é Francisco
Venegas, pintor maneirista, nascido em Sevilha, por volta de
1525, que trabalhou em Portugal, no último quartel do século XVI.
Francisco Venegas, Madalena
o maneirista Rosso Fiorentino, Deposição do Cristo
Viveu em Roma
um certo tempo e contactou com a arte maneirista italiana dessa época. Morreu
em Portugal, em 1594, “com muitas
honrarias”.
Retábulo da Sé, Altar-mor (net)
Talvez
por causa desse ‘toque’ italiano, me tenham emocionado tanto aquelas magníficas obras maneiristas do Retábulo da Sé.
***
(*) D.
Frei Amador Arrais nasceu, em 1530, em Beja, e morreu em Coimbra, em 1600. Religioso,
frade carmelita, mas também escritor e homem de vasta cultura. Muito lhe ficou
a dever a cidade como vimos acima. Foi um escritor: são dele os "Diálogos" que escreve falando dum homem culto, doente, deprimido, e das conversas com os que o vêm visitar. Foi igualmente um dos que mais
contribuíram, com o seu esforço e humanidade, para o resgate dos prisioneiros
de Alcácer Quibir.
Em
1596, Frei Amador Arrais resigna e vai viver no Colégio do Carmo, em Coimbra. O
seu túmulo foi erigido por Gaspar Coelho que tanto admirou e protegeu.
(*) Frei Amador Arrais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Frei_Amador_Arrais
(**) Os pintores da Sé
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Gomes_(pintor)
(**) Os pintores da Sé
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Gomes_(pintor)
Não conheço, por isso também gostei muito deste post, um dia gostaria de ir passear por lá :)
ResponderEliminarum beijinho e uma boa noite
Gábi
Gostei muito deste estudo e descrição sensível sobre a arte sacra da catedral da sua muito amada, cidade de Évora.
ResponderEliminarGrata pelo conhecimento e leitura.
Um fim de semana agradabilíssimo.
~~~ Beijinhos ~~~
obrigada por ter vindo. Tenho tentado deixar msg no seu blogue mas NUNCA consigo... Bom dia tórrido!
EliminarGostei muito da história dos irmãos Álvares Pereira. E quanto à Sé de Portalegre, deu-me muita pena ter estado tantas vezes nessa cidade tão ligada à minha infância, e não ter visto nunca essas maravilhas (a pintura manierista "chega-me" muito). Sei que farias um post esplêndido sobre esse tema, aqui fica a sugerência...
ResponderEliminarEstamos agora mesmo a 40 graus, coisa rara aqui. E ainda nem chegou o verão!!!
É linda a Sé. Ultimamente é que comecei a reparar nela...beijinhos
EliminarGostei muito de conhecer toda a história, uma rica postagem, Maria João. Fui até o maps.google para ver a localização e fotos.
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