Há uns tempos, li “Judas, o Obscuro”. Li-o na “Poche”, em francês, e talvez tenha
feito mal pois o inglês que Hardy escreve é muito bom de ler. Um inglês perfeito e não muito difícil, dizem os entendidos.
"Thomas Hardy é um pessimista!, pensei. "Que livro tão triste! Parece fechar todas as portas! Não há saída..."
Será ele um pessimista, realmente? Fui 'consultar' a Biografia de Claire Tomalin -autora de outra biografia muito interessante: a de Jane Austen- mulher inteligente e sensível: “Thomas
Hardy, The Time-Torn Man” (*).
Pessimista, Hardy? Sobre esse assunto, escreve Tomalin:
“Por vezes negava ser um pessimista,
e é verdade que mantinha a sua alegre vida social em Londres. Ia, assiduamente, a festas, fazia férias por toda a parte, teve amores, e escreveu várias histórias ligeiras ao mesmo tempo que ia trabalhando nos romances mais duros.”(*)
E,
nestes romances, a visão sombria das coisas ia-se acentuando de livro para livro.
Os
três romances que publicou, na década 1885-1895, a saber, The Master of Carterbridge (1886), Tess of the de Ubervilles (1891) e Judes The Obscur (1895), foram marcados pela interrogação e crítica feroz sobre as ideias geralmente aceitas pela sociedade do seu tempo. E a sua tristeza
é crescente, num aparente paradoxo.
Havia
nele uma barreira profunda entre a “pessoa
tranquila e educada que vivia e apreciava a sociedade de Londres, e o
revoltado, ferido, íntimo que castigava os valores do mundo em que vivia”. (op. cit. pg. 218)
As
obras-primas Tess dos Ubervilles e Judas o Obscuro incomodavam os críticos pelo que Hardy parecia sugerir: “que o ser humano pode ser destruído por
forças malignas que existem no mundo, usando o seu poder para transformar as
coisas num inferno de maldade.”
A
felicidade é, para ele, “o episódio ocasional do drama geral da dor”: é o que
pensa a sua personagem Elysabeth-Jane, no final de The Master of Carterbridge.
Outras mulheres como Tess (Ubervilles),
Batsheva (Longe da Multidão), Sue (Judes, l'Obscure) - além da Elysabeth-Jane (The Master) - são
grandes figuras dos seus romances. A
verdade é que Hardy é um pintor de figuras femininas extraordinárias.
"Longe da Multidão" e uma boa tradução
Judas o Obscuro fez-me sofrer. O romance cria uma tal ansiedade, há um sentimento tal de tristeza contínua que nos prende do princípio ao fim, agarrados ao sofrimento dos protagonistas.
Ao lê-lo, pensava: “mas por quê”? E, afinal, "por que não?” Havia a expectativa
e o desejo que o enredo dramático da história mudasse!
E o livro avançava no sentido da desgraça, da incompreensão do outro, daquele de quem, no entanto, queremos aproximar-nos de verdade.
O outro quem é? É o ‘desconhecido’ que se ama. Ou se detesta. Mas isso é mais fácil.
E o livro avançava no sentido da desgraça, da incompreensão do outro, daquele de quem, no entanto, queremos aproximar-nos de verdade.
O outro quem é? É o ‘desconhecido’ que se ama. Ou se detesta. Mas isso é mais fácil.
Há
dias uma amiga ensinou-me um ditado romano: “Só
conheces verdadeiramente alguém, depois de teres comido com ele um quilo de
sal”.
Para conhecer o outro é preciso, no dia a dia, comer e beber e conversar com ele? Talvez nem um quilo de sal chegasse para Thomas Hardy.
Para conhecer o outro é preciso, no dia a dia, comer e beber e conversar com ele? Talvez nem um quilo de sal chegasse para Thomas Hardy.
Judas
Fawley é uma criança, órfã, recolhida pela tia que tem uma padaria. Trabalha
desde pequenino a fazer pão e a ir vendê-lo. Feliz ou infeliz, limita-se a viver
como outra criança, ao sabor dos dias.
Que sabe ele da infelicidade? Ou da felicidade? Espera apenas ter de comer, sabe que tem de ajudar a tia e isso basta-lhe. No entanto o seu sonho é aprender.
Que sabe ele da infelicidade? Ou da felicidade? Espera apenas ter de comer, sabe que tem de ajudar a tia e isso basta-lhe. No entanto o seu sonho é aprender.
O
primeiro desgosto e as primeiras lágrimas são quando o professor que lhe dava
aulas à noite, depois do trabalho, se vai embora da aldeia. O professor era,
para Judas, a personagem ‘ideal’, aquela que detém o saber.
“Não te vou esquecer, Judas, disse ele
sorrindo, enquanto a carruagem se afastava. Porta-te bem, sê bom para os
animais e para os pássaros e lê tudo o que puderes!” (pág.19, da ed. Poche)
Judas
quer ir estudar para Christianminster. Talvez encontre lá o professor. Decide ir trabalhar para a seara dum lavrador, a ver se juntava mais algum dinheiro. Passa os
dias junto das medas de trigo, a afastar os pássaros. Um dia, o patrão bate-lhe
porque ele tinha deixado os corvos comerem a palha.
Sentado na meda de trigo, afasta-os, agitando
um pau e vai pensando. "Estão famintos".
Pensou que “os pássaros, tal como ele, viviam num mundo hostil. Para quê assustá-los? E cada vez mais apareciam aos seus olhos como doces amigos…”
Pensou que “os pássaros, tal como ele, viviam num mundo hostil. Para quê assustá-los? E cada vez mais apareciam aos seus olhos como doces amigos…”
Judas não queria tornar-se num homem. Num homem mau.
“A lógica da natureza era
demasiado horrível para se preocupar com ela. A ideia de que o que para uns era
compaixão se tornava crueldade noutros destruíra qualquer sentimento de
harmonia.” (pág.28)
"Se
ao menos pudesse impedir-me de crescer!"
E o
pequeno Judas começa a sonhar com a Cidade para onde fora viver o professor:
“Tornou-se uma coisa tangível, sempre presente, que estendia uma influência
sobre a sua vida (…) porque o homem cuja ciência e projectos lho inspiraram tal
respeito vivia ali. Rodeado de uma multidão de pensadores, daqueles cujo
espírito brilha com a maior luz”.
A
cidade de Christianminster, que para ele
é a Jerusalém celeste. À noite, sozinho, estuda, afincadamente, grego e latim,
no seu quartinho despido de tudo – porque o seu sonho é fazer parte um dia
desses espíritos brilhantes! É a Cidade cujas luzinhas via ao longe, ainda adolescente.
Mas
Judas é um jovem ingénuo, inexperiente, rodeado de perigos desconhecidos.
O
desconhecido é a jovem mulher vivida
-que ele julga amar - e que se finge grávida, para o obrigar a casar, como
reparação. Precisa dum marido que trabalhe a terra, lhe mate os bezerros para
vender no mercado e a faça enriquecer depressa.
O desconhecido é também a jovem Sue que mais tarde vai encontrar, na ‘cidade das luzes’, e que o atrai. E que ama. E que não se deixa amar,
amando-o, porque preza, acima de tudo, a sua liberdade e independência. A mulher que
acaba por se ‘enterrar’ numa situação sem amor, numa casa sem alegria, que as
trevas invadem depressa, ao fim do dia.
Ao
correr das páginas, passam os anos, acontecem coisas entre incompreensão e
desencontro, momentos felizes mas, sobretudo, infelicidade atrás de infelicidade. E nós seguimos, sem respirar,
os acontecimentos. Adivinhando o que não queríamos adivinhar.
Sombras,
trevas e luz cruzam-se na sua obra. A charneca castanha e a secura da vegetação
rala e escura. Temas que se repetem, horas do dia que evocam as sombras e a escuridão, sentimentos que fazem doer.
sobre um quadro de Navarro Hogan
Em The Return of the Native (O Regresso do Nativo), Thomas Hardy fala da charneca que se espraia pelo horizonte
visível, quando se acendem as fogueiras da festa e a escuridão da noite se aproxima, "retardando a aurora":
A charneca (M.J.F)
Navarro Hogan
Perguntava Camilo,"Onde está a felicidade?", no título dum seu romance.
"A felicidade é apenas um episódio acidental num drama feito de sofrimento.” é a resposta de Elisabeth-Jane e a de Thomas Hardy no final do romance The
Master of Casterbridge.
De facto, o autor conta o que Elisabeth-Jane, a heroína, pensa da vida:
De facto, o autor conta o que Elisabeth-Jane, a heroína, pensa da vida:
“Espantava-se com persistência do imprevisto na vida, pois ela que tinha
atingido na maturidade uma paz perfeita, era a mesma a quem a juventude tinha
ensinado que a felicidade é apenas um episódio acidental num drama feito de
sofrimento.”
Em
Judas o Obscuro, são as trevas que o
rodeiam sempre, encobrindo o céu e as luzes. Pobre pequeno Judas! Tanta vontade, tanto estudo, tanto sonho,
tanta esperança!
Ah! Como o destino vai ser cruel! Sim. Onde está a felicidade, Judas? Onde está a cidade das luzes?
(*) "Thomas Hardy, The Time-Torn Man”, Penguin Books, London, 2006 cap. The Blighted Star, pg. 219
(**) "Tess des
d’ Ubervilles", Livre de Poche, pág. 170
(***) "The
Return of the Native", Oxford World’s Classics, 2008, pág.9
Já tinha saudades dum post assim, com a melhor versão de ti mesma,a menos ausente (Só repetes o último parágrafo ...BROMA). Pobre pequeno Judas! Gostei muito. Beijinhos
ResponderEliminarGostei muito de ler este texto. Só li e já há muitos anos Tess dos Ubervilles e vi um filme baseado no livro de Judas o Obscuro - fiquei com vontade de reler o que li e ler os outros.
ResponderEliminarE agora vim também para falar do almoço dos bloggers - seria tão bom se pudessem vir! Gostei muito daqueles a que fui, ao primeiro o "0" como não conhecia ninguém em pessoa fui só no final para tomar um cafézinho, depois senti-me tão bem recebida que podendo, não quis perder os seguintes.
um beijinho
Gábi
Gostei muito de ler.
ResponderEliminarConcordo em parte com a frase. A felicidade são momentos ou fases da vida. E acho que quando exigimos muito, temos menos hipóteses de ser felizes. Há pessoas que têm tanto e nada lhes chega, nunca estão satisfeitas e outras ficam satisfeitas e felizes com pouco.
Havia lugar para que todos pudessem ser felizes, se a humanidade não fosse tão egoísta, tão sedenta de poder.
Enfim...
Um beijinho grande e que bom que continua com estes post:)
(Ontem fui a Lisboa com os meus alunos a uma
visita de estudo. Foi muito interessante.)