quinta-feira, 8 de junho de 2017

THOMAS HARDY E A INQUIETAÇÂO...



Há uns tempos, li  “Judas, o Obscuro”. Li-o na “Poche”, em francês, e talvez tenha feito mal pois o inglês que Hardy escreve é muito bom de ler.  Um inglês perfeito e não muito difícil, dizem os entendidos.

"Thomas Hardy é um pessimista!, pensei. "Que livro tão triste! Parece fechar todas as portas! Não há saída..." 
Será ele um pessimista, realmente? Fui 'consultar' a Biografia de Claire Tomalin -autora de outra biografia muito interessante: a de Jane Austen- mulher inteligente e sensível: “Thomas Hardy, The Time-Torn Man” (*).  


Pessimista, Hardy? Sobre esse assunto, escreve Tomalin

“Por vezes negava ser um pessimista, e é verdade que mantinha a sua alegre vida social em Londres. Ia, assiduamente, a festas, fazia férias por toda a parte, teve amores, e escreveu várias histórias ligeiras ao mesmo tempo que ia trabalhando nos romances mais duros.”(*)
E, nestes romances, a visão sombria das coisas ia-se acentuando de livro para livro.
Os três romances que publicou, na década 1885-1895, a saber, The Master of Carterbridge (1886), Tess of the de Ubervilles (1891) e Judes The Obscur (1895), foram marcados pela interrogação e crítica feroz sobre as ideias geralmente aceitas pela sociedade do seu tempo. E a sua tristeza é crescente, num aparente paradoxo.

Havia nele uma barreira profunda entre a “pessoa tranquila e educada que vivia e apreciava a sociedade de Londres, e o revoltado, ferido, íntimo que castigava os valores do mundo em que vivia”. (op. cit. pg. 218)
As obras-primas Tess dos Ubervilles e Judas o Obscuro incomodavam os críticos pelo que Hardy parecia sugerir:  “que o ser humano pode ser destruído por forças malignas que existem no mundo, usando o seu poder para transformar as coisas num inferno de maldade.”

A felicidade é, para ele, “o episódio ocasional do drama geral da dor”: é o que pensa a sua personagem Elysabeth-Jane, no final de The Master of Carterbridge.
Outras mulheres como Tess (Ubervilles), Batsheva (Longe da Multidão), Sue (Judes, l'Obscure) - além da Elysabeth-Jane (The Master) - são grandes figuras dos seus romances. A verdade é que Hardy é um pintor de figuras femininas extraordinárias.

"Longe da Multidão" e uma boa tradução

"Judas" é um livro doloroso. E um livro estranho. Há livros que nos "doem" mais do que outros e, nisso, Dostoievsky é inigualável - um verdadeiro mestre do sofrimento, nas suas histórias - a provocar dor nas personagens, dor que trespassa também o leitor. 
Judas o Obscuro fez-me sofrer. O romance cria uma tal ansiedade, há um sentimento tal de tristeza contínua que nos prende do princípio ao fim, agarrados ao sofrimento dos protagonistas.

Ao lê-lo, pensava: “mas por quê”? E, afinal, "por que não?” Havia a expectativa e o desejo que o enredo dramático da história mudasse! 
E o livro avançava no sentido da desgraça, da incompreensão do outro, daquele de quem, no entanto, queremos aproximar-nos de verdade. 
O outro quem é? É o ‘desconhecido’ que se ama. Ou se detesta. Mas isso é mais fácil.

Há dias uma amiga ensinou-me um ditado romano: “Só conheces verdadeiramente alguém, depois de teres comido com ele um quilo de sal”.
Para conhecer o outro é preciso, no dia a dia, comer e beber e conversar com ele? Talvez nem um quilo de sal chegasse para Thomas Hardy.
Judas Fawley é uma criança, órfã, recolhida pela tia que tem uma padaria. Trabalha desde pequenino a fazer pão e a ir vendê-lo. Feliz ou infeliz, limita-se a viver como outra criança, ao sabor dos dias. 
Que sabe ele da infelicidade? Ou da felicidade? Espera apenas ter de comer, sabe que tem de ajudar a tia e isso basta-lhe. No entanto o seu sonho é aprender.
O primeiro desgosto e as primeiras lágrimas são quando o professor que lhe dava aulas à noite, depois do trabalho, se vai embora da aldeia. O professor era, para Judas, a personagem ‘ideal’, aquela que detém o saber.
Não te vou esquecer, Judas, disse ele sorrindo, enquanto a carruagem se afastava. Porta-te bem, sê bom para os animais e para os pássaros e lê tudo o que puderes!” (pág.19, da ed. Poche)
Mas o professor esquece-o.
Judas quer ir estudar para Christianminster. Talvez encontre lá o professor. Decide ir trabalhar para a seara dum lavrador, a ver se juntava mais algum dinheiro. Passa os dias junto das medas de trigo, a afastar os pássaros. Um dia, o patrão bate-lhe porque ele tinha deixado os corvos comerem a palha. 
Sentado na meda de trigo, afasta-os, agitando um pau e vai pensando. "Estão famintos". 
Pensou que “os pássaros, tal como ele, viviam num mundo hostil. Para quê assustá-los? E cada vez mais apareciam aos seus olhos como doces amigos…”
Judas não queria tornar-se num homem. Num homem mau.
“A lógica da natureza era demasiado horrível para se preocupar com ela. A ideia de que o que para uns era compaixão se tornava crueldade noutros destruíra qualquer sentimento de harmonia.” (pág.28)
"Se ao menos pudesse impedir-me de crescer!

E o pequeno Judas começa a sonhar com a Cidade para onde fora viver o professor: “Tornou-se uma coisa tangível, sempre presente, que estendia uma influência sobre a sua vida (…) porque o homem cuja ciência e projectos lho inspiraram tal respeito vivia ali. Rodeado de uma multidão de pensadores, daqueles cujo espírito brilha com a maior luz”.
A cidade de Christianminster, que para ele é a Jerusalém celeste. À noite, sozinho, estuda, afincadamente, grego e latim, no seu quartinho despido de tudo – porque o seu sonho é fazer parte um dia desses espíritos brilhantes! É a Cidade cujas luzinhas via ao longe, ainda adolescente.
Mas Judas é um jovem ingénuo, inexperiente, rodeado de perigos desconhecidos.
O desconhecido é a jovem mulher vivida -que ele julga amar - e que se finge grávida, para o obrigar a casar, como reparação. Precisa dum marido que trabalhe a terra, lhe mate os bezerros para vender no mercado e a faça enriquecer depressa.

O desconhecido é também a jovem Sue que mais tarde vai encontrar, na ‘cidade das luzes’, e que o atrai. E que ama. E que não se deixa amar, amando-o, porque preza, acima de tudo, a sua liberdade e independência. A mulher que acaba por se ‘enterrar’ numa situação sem amor, numa casa sem alegria, que as trevas invadem depressa, ao fim do dia.

Ao correr das páginas, passam os anos, acontecem coisas entre incompreensão e desencontro, momentos felizes mas, sobretudo, infelicidade atrás de infelicidade. E nós seguimos, sem respirar, os acontecimentos. Adivinhando o que não queríamos adivinhar.
Sombras, trevas e luz cruzam-se na sua obra. A charneca castanha e a secura da vegetação rala e escura. Temas que se repetem, horas do dia que evocam as sombras e a escuridão, sentimentos que fazem doer.

sobre um quadro de Navarro Hogan

Em Tess (**), escreve: “As tintas meio acinzentadas do nascer do dia não são as mesmas do cair da noite, se bem que o seu grau de 'matizes' possa ser o mesmo. No crepúsculo da manhã, a luz é activa e as trevas passivas; no crepúsculo da tarde, são as trevas que se tornam activas e invasoras e a luz adormece”.

Em The Return of the Native (O Regresso do Nativo), Thomas Hardy fala da charneca que se espraia pelo horizonte visível, quando se acendem as fogueiras da festa e a escuridão da noite se aproxima, "retardando a aurora": 
A charneca (M.J.F)

 Navarro Hogan

Pela sua cor castanha, o rosto da charneca acrescentava à tarde mais meia hora de escuro; tinha também o poder de retardar a aurora, entristecer a manhã, anunciar com antecedência a ameaça da tempestade apenas iniciadas e aumentar a opacidade da meia-noite sem lua ao ponto de provocar o medo” (***)

Perguntava Camilo,"Onde está a felicidade?",  no título dum seu romance. 
"A felicidade é apenas um episódio acidental num drama feito de sofrimento.” é a resposta de Elisabeth-Jane e a de Thomas Hardy no final do romance The Master of Casterbridge.  

De facto, o autor conta o que Elisabeth-Jane, a heroína, pensa da vida:
Espantava-se com persistência do imprevisto na vida, pois ela que tinha atingido na maturidade uma paz perfeita, era a mesma a quem a juventude tinha ensinado que a felicidade é apenas um episódio acidental num drama feito de sofrimento.

Em Judas o Obscuro, são as trevas que o rodeiam sempre, encobrindo o céu e as luzes. Pobre pequeno Judas! Tanta vontade, tanto estudo, tanto sonho, tanta esperança! 
Ah! Como o destino vai ser cruel! Sim. Onde está a felicidade, Judas? Onde está a cidade das luzes?
Subindo para Jerusalém, de Reuven Rubin

(*)  "Thomas Hardy, The Time-Torn Man”, Penguin Books, London, 2006 cap. The Blighted Star, pg. 219
(**) "Tess des d’ Ubervilles", Livre de Poche, pág. 170

3 comentários:

  1. Já tinha saudades dum post assim, com a melhor versão de ti mesma,a menos ausente (Só repetes o último parágrafo ...BROMA). Pobre pequeno Judas! Gostei muito. Beijinhos

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  2. Gostei muito de ler este texto. Só li e já há muitos anos Tess dos Ubervilles e vi um filme baseado no livro de Judas o Obscuro - fiquei com vontade de reler o que li e ler os outros.

    E agora vim também para falar do almoço dos bloggers - seria tão bom se pudessem vir! Gostei muito daqueles a que fui, ao primeiro o "0" como não conhecia ninguém em pessoa fui só no final para tomar um cafézinho, depois senti-me tão bem recebida que podendo, não quis perder os seguintes.

    um beijinho
    Gábi

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  3. Gostei muito de ler.
    Concordo em parte com a frase. A felicidade são momentos ou fases da vida. E acho que quando exigimos muito, temos menos hipóteses de ser felizes. Há pessoas que têm tanto e nada lhes chega, nunca estão satisfeitas e outras ficam satisfeitas e felizes com pouco.

    Havia lugar para que todos pudessem ser felizes, se a humanidade não fosse tão egoísta, tão sedenta de poder.

    Enfim...

    Um beijinho grande e que bom que continua com estes post:)

    (Ontem fui a Lisboa com os meus alunos a uma
    visita de estudo. Foi muito interessante.)

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