quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O QUE É A EDUCAÇÃO PARA A VIDA ?


o coelho de 'Alice no País das Maravilhas', Guildford 

Como não consigo deixar de pensar -às vezes bem gostava, mas as célulazinhas cinzentas de que falava Poirot não param -  vou dando voltas à cabeça enquanto leio.
Jane Austen, o túmulo em Winchester

Também não consigo parar de ler porque ler, para mim – e já o pensava Jane Austen, há 200 anos!- é a coisa mais agradável do mundo. Por isso, vou lendo, meditando: penso e interrogo-me.

A educação é a base de tudo. É primordial! De acordo! Só que é ridículo dizer que é primordial para o desenvolvimento de todo o ser humano, porque sabemos que nem todos têm acesso a ela.
Sócrates 
Interrogarmo-nos é, no entanto, um bom exercício sempre. O que fazia Sócrates, afinal? Interrogava os discípulos mas eles é que encontravam a resposta, habilmente conduzidos pelas suas perguntas (ironia socrática). Porque ele acreditava no "conhecimento" intrínseco. 

Defendia o filósofo ateniense: “o conhecimento está dentro das pessoas, que são capazes de aprender por si mesmas,  porém eu posso ajudar ao nascimento desse conhecimento (…)"

Enquanto respirar não deixarei de filosofar ou de instruir todo aquele que me procurar”

Sócrates foi condenado a "suicidar-se", acusado de corromper a juventude, fazendo-a pensar... Morreu a filosofar...(“Apologia de Sócrates", Platão)
Platão, Cappella Sistina, Rafaello Sanzio

"O que é a Educação? A Educação para a vida aprende-se nos livros?"
Estas perguntas encontrei-as – vejam lá por onde ando! - num livro de meditações do pensador e filósofo hindu  Swami Vivekananda (1863-1902), num livrinho que me chegou da Índia, "Positive Thinking".

E a resposta segue: “Nos livros?…não é nada disso. A educação é sim o treino pelo qual a vontade é posta sob o nosso controle e se desenvolve. Para mim, o mais importante, e verdadeira essência da educação, encontra-se, sim, na concentração do espírito e não no coleccionar factos. Se tivesse de refazer a minha educação - e o pudesse fazer - não estudaria os factos. Prepararia sim a capacidade de concentração e de distanciamento, para criar uma boa ferramenta de trabalho, e só então iria estudar os factos.”
continuava: : “Não considero educado alguém apenas porque passou certos exames e aprendeu umas coisas. Esta é uma educação que não ajuda a maioria dos homens a prepararem-se para a luta que é a vida. Aquilo que não reforça a força do carácter, o espírito de filantropia e a coragem do leão – pode chamar-se educação? Não. A verdadeira educação é aquela que nos ajuda a aguentarmo-nos nas nossas pernas.”

É fundamental ter uma personalidade formada! Só o que é adquirido pelo nosso esforço e é produto duma reflexão, de um espírito preparado por nós -com a ajuda dum Mestre- poderá ser "educação" e útil na nossa vida.
E voltamos a Sócrates, o sábio grego, que se limita a “conduzir” os seus discípulos no campo do conhecimento – a partir de si próprios. Como Vivekananda, no aperfeiçoamento de uma ferramenta que nos ajude depois a adquirir os “factos” que possamos utilizar. 

O sábio hindu prossegue:
“Aquela que se aprende nas escolas e colégios não forma a personalidade, limita-se a criar uma raça de angustiados a viverem uma existência de moluscos. A Educação não é o amontoar de informação mas sim a construção de uma vida, de um ser humano, de um carácter forte para a assimilação futura das ideias. (…) Queremos uma educação pela qual o carácter se forme, o espírito se reforce e o intelecto se estenda. Através da qual um homem consiga estar em pé.”

O importante é ser-se uma pessoa - o que significa saber olhar em volta, observar, e olhar, igualmente, para dentro de nós, "conhecer" e conhecer-se. 

Só depois será útil “trazer a luz aos ignorantes, e mais luz ainda aos educados porque a vaidade da educação dos nossos tempos é terrível.”

Dirigindo-se à juventude, acrescenta:
“Levanta-te, acorda para as necessidades do teu país, sacrifica-te e não pares enquanto não atingires o que desejas!
Serão os jovens que farão isto. Os jovens, os cheios de energia, os de espírito bem preparado, os intelectuais – é para eles o trabalho...
Abandonem os confortos, os prazeres, a fama e a posição, mesmo as vossas vidas e criem a ponte de uma cadeia humana por onde milhões atravessarão o oceano da vida.”
Porque o homem deve viver para si e para o outro e criar "a ponte de uma cadeia humana por onde milhões atravessarão o oceano da vida."
Com o conhecimento, o homem pode fazer escolhas. E escolher o bem e não escolher o mal.
Como cantavam os velhos poemas do século VII a.C, das antigas escrituras dos Upanishads (**)…

“(…) um homem é assim ou de outro modo
De acordo com os actos e o seu comportamento,
assim será;
Um homem de bons actos tornar-se-à bom,
Um homem de más acções, mau;
Será puro se fizer coisas puras, mau se as fizer más.”

Vivekananda escreve, escolhendo exemplos simples, para ilustrar as suas ideias: "Tal como a manteiga existe no leite também a consciência  reside em cada ser humano."

E a escolha é livre? Sim, Os actos escolhidos definem os homens. 
Recordo o que diz o Rabbi Nahman de Breslau, o “hassid” da dinastia hassídica de Bratslav, a esse respeito
Como ser justo? É fácil: basta escolheres o bem e não escolheres o mal. Pores os teus pensamentos nas boas acções e não nas más acções”. 
“Na liberdade de escolha,
Nada há de misterioso.
Fazes o que queres fazer
E não fazes o que não queres.”


No campo das escolhas possíveis para mudar, ambos aconselham coisas muito semelhantes. Temos a liberdade que queremos, o que é, no fim e ao cabo, também, o “livre arbítrio” da religião cristã.
Quem era Swami Vivekananda ? 
"Só quem consegue acordar para a liberdade, pode ser livre", dizia. Swami era um monge hindu, um dos filósofos do hinduísmo. Foi a figura-chave da introdução da filosofia do Vedana e do Yoga, no Ocidente. É um viajante e viaja pela Europa, Japão e, em 1893, participa no Parlamento das Religiões, em Chicago.
Parlamento das Religiões, 1893

Rabindranath Tagore 

Escreveu o poeta indiano Rabindranath Tagore (Prémio Nobel de Literatura em 1913) que o estudo das obras de Vivekananda “abria” o conhecimento da Índia. 
"Nele tudo era positivo, nada era negativo. E cada homem podia “construir-se” como quisesse, se quisesse, através das boas ou más acções." 

E a educação no meio disto tudo? Bem, concluo que - como dizem os franceses: “tête bien faite vaut mieux que tête bien pleine…”

Adquirir conhecimentos, estudar mas não por enigmas, ‘metidos a martelo’ na cabeça. Noções decoradas, pouco entendidas e mal digeridas, sem reflexão nem sentido crítico. 
Compreender, relacionar os conhecimentos, sim, é um método fundamental para que a educação sirva para a vida futura.

Se não se tiver afinado o sentido crítico do educando (no sentido latino: “aquele a educar”), esse acumular de factos pouco lhe servirá na vida. 

Outro conselho de Vivekananda: escolhamos sempre o pensamento positivo. "Procurêmo-lo no conhecimento e no domínio de nós próprios. Sem descurar a esperança e a vontade".
Deixemos brotar em nós, desde a infância, os pensamentos corajosos e positivos que nos ajudam, que nos empurram em frente. Falemos connosco, ouçamo-nos. Procuremos estar abertos a esses pensamentos e não aos que nos enfraquecem e paralisam.” - escreve Swami Vivekananda)
a dificuldade de educar e a liberdade

Procuremos a felicidade possível, viver cada dia, e encontrar o melhor que esse dia tiver; procurar nas pessoas o seu lado bom; procurar dentro de nós o que de bom há no nosso ser. "Carpe diem", como dizia o professor do filme "Clube dos Poetas Mortos": "Aproveitem o dia, façam da vossa vida uma coisa extraordinária"...

Devemos esforçar-nos para ser felizes pois a tristeza enfraquece e alegria fortalece.” É o Rabbi que o diz!

A esperança deve mover-nos e o espírito deve permanecer jovem e aberto: 
“É proibido ser velho!”- escrevia ainda o Rabbi Nahman. E o que é ser velho? É teimarmos na 'nossa' ciência, nas nossas certezas, não ouvires os que te falam no dia a dia  e te trazem coisas novas; velho é virares-te para o passado sem pensares no futuro, arriscando-te, como dizia John Steinbeck, a "ficares parado na  estrada!"
"Procuremos estar abertos aos pensamentos positivos que nos dão força",  é a mensagem educadora de Vivekananda.
(*) La Chaise Vide, éditions de la Table Ronde, col. Les petits livres de la sagesse.

(**) O Rabbi Nahman de Breslau era neto do Bal Shem Tov, o Mestre do Nome Bom, fundador do "hassidismo". Nasceu na Ucrânia em 1772. E morreu em 1810, na Ucrânia, tendo viajado pelo mundo e ido mesmo a Israel. 

(***) “Os Upanishades (Upanixadas, Upanishads) são uma parte das escrituras Shruti hindus, que discitem principlamente meditação e filosofia e que são consideradas pela maioria das escolas de hinduísmo como instruções religiosas.” (wikipedia)


1 comentário:

  1. Muito interessante.
    Gosto destes temas e dos seus post feitos com tanto cuidado.
    Um beijinho grande:)

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