domingo, 20 de agosto de 2017

OS LIVROS ESQUECIDOS E REPUBLICADOS

Hoje quero falar dos livros esquecidos. Dos livros de autores esquecidos. Injustamente esquecidos.

Neste frenesim de viver, de viver depressa – para quê? para onde? – e de ler depressa, esqueciam-se  as editoras de reeditar os livros que há muito se não encontram se não em alfarrabistas – e mesmo, nesses, com dificuldade. 
Não é por esquecimento, eu sei, mas porque se quer vender o fácil e se julga que os leitores podem apenas gostar do que é fácil do que é compra-e-deita-fora – o que não faz justiça aos leitores que gostariam de ler bons livros se os encontrassem ou se lhos aconselhassem.  
Publicam-se muitos livros medíocres de autores que saem de todos os buracos, que têm rápido sucesso e boa publicidade mas cuja qualidade é fraca e a ‘duração’, efémera. Depressa passam de moda – se é que há uma ‘moda’ para livros - livros que são, de facto, fáceis de ler. Literatura “light”, dizem eles, se bem que eu não entenda o que é literatura light, leve, ligeira - e só pergunto: será Literatura, com 'L' grande?
Existe, por parte de certas editoras, a aposta nos livros “ousados”, de carácter “sensual” - como hoje se diz para atenuar e não se lhes chamar outra coisa.
Uma literatura (?) que se tornou hoje comezinha de tão usada. Não me considero retrógrada, nem puritana e leio sem me chocar grandes escritores como o foram Henry Miller mas creio que há um momento em que certas coisas são justificadas - ou essenciais- para o autor e momentos em que são apenas “aproveitadas” para chocar ou “agradar”. Isto é: para ajudar às vendas do “produto”. Aposta-se no "lucro" fácil a tirar do produto que se vende bem. E enganam-se porque os livros de qualidade vendem-se igualmente bem!

Penso que nem os livros são "produtos" nem as editoras estão indiciadas para fazerem vender "o produto que mais se vende”. A função dos livros deve ser, sim, escolher o que forma o carácter, educa para o gosto, ensina a vida a quem lê, e ajuda a crescer pequenos e crescidos
E fico feliz quando vejo que há quem pense assim. Sobretudo quando reparo que há editoras que se preocupam em reeditar os romances clássicos e a boa literatura!
E falo da Relógio d’ Água, da Cavalo de ferroCoisas de ler, da Tinta da China e da Presença, pequenas editoras que têm ido buscar a maravilhosa literatura. 
E também das editoras maiores, como a Diffel, a Ketzal ou a Dom Quixote ou a Assírio e Alvim. 
Fui uma leitora inveterada e precoce: ler foi para mim, desde muito cedo, uma necessidade vital. Lia como quem respirava, uns livros atrás dos outros. 
Li de tudo, entusiasmei-me com os livros da Biblioteca das Raparigas e, como era uma Maria-rapaz uma espécie de "garçon manqué", mais ainda, com os da Biblioteca dos Rapazes. O Último Moicano foi um dos meus preferidos de que me resta apenas um dos volumes..

Sonhei com Louisa Alcott e as Mulherzinhas, sofri com o Charles Dickens de David Copperfield, e de Tempos Difíceis, ou com Loja de Antiguidades. 
Debrucei-me, encantada, no mundo de Walter Scott, Wilkie Collins e “A Mulher de Branco” ou “O Diamante da Lua”, no Hawthorne de "A Letra Escarlate" - livros publicados pela saudosa colecção Romano Torres, que comprava na Papelaria do Senhor Tiago, na rua Direita, em Portalegre.
E a literatura das mulheres fantásticas que foram Katherine Mansfield, as três irmãs  Brontë, ao mundo inesquecível de Jane Austen de "Sangue Azul" (Orgulho e Preconceito), de "Ema" - que acabei por ler numa edição que me emprestou José Régio e que nunca lhe devolvi. 

Porque Charlotte e Emily Brontë, Jane Austen e George Elliot releio-as ainda hoje com o mesmo prazer desses anos atrás.


Havia ainda os escritores americanos! Foi muito importante a descoberta de Hemingway, de Steinbeck, de Faulkner! 

Ou Coração Solitário Caçador, de Carson McCullers! Ou de Truman Capote da Harpa de Ervas.

A minha sorte foi o meu avô ser o director do semanário “A Rabeca” pois recebia em oferta -e duplicados- os livros de colecções de grandes editoras: Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, a Vampiro dois policiais, a Inquérito
Uma dessas colecções ia directamente para casa dos meus pais e iam-se acumulando na estante do corredor - juntamente com os outros livros que o meu pai comprava. Muitos iam, por falta de espaço, para o Laboratório do meu pai, na Rua dos Mexes, onde enchiam várias estantes de madeira simples.
Os livros “para grandes” eram os de Dostoievski ou de Tolstoi, o maravilhoso e mágico romance “Guerra e Paz”. Ou  “Vermelho e Negro” e “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, que me deliciaram e, ao mesmo tempo, me faziam sentir participar dum mundo importante. 
 a casa de Tolstoi

Se eu adivinhasse que um dia iria ver o sítio onde Tolstoi viveu! Conhecer a propriedade de Iasnaya Polyana, perto de Moscovo, a casa, o lago dos nenúfares,  o túmulo de Tolstoi foi uma das coisas maravilhosas da vida!
Dostoievski conheci-o na colecção da Inquérito (escolhidos pelo bom gosto de João Gaspar Simões) e nunca mais esqueci a novela “Está Morta”, que tanto me fez sofrer e que, muito mais tarde, li na tradução francesa  (“La Douce”) é que uma novela tão dolorosa! 
Também descobri  Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov...Devo acrescentar Thomas Mann e "Os Brudenbrook" e "A Montanha Mágica.
Todos os 'grandes leitores' leram estes livros com a mesma paixão com que os li.
Há livros que despertam em nós, mais do que outros, uma emoção profunda, se bem que, dum modo geral, todos os livros nos “abrem” um caminho, sugerem-nos modos de vida, ensinam o que não conhecíamos até de nós próprios. São uma riqueza insubstituível.

Havia uma excelente escolha de autores nesses tempos - apesar da ditadura 'salazarista', porque as editoras - na luta surda que travavam contra a “situação” do Estado Novo e o obscurantismo e a mediocridade e o isolamento a que nos forçava – tiveram a preocupação de escolherem autores de qualidade! 

Escolheram trazer o sopro da grande literatura que é de todos os tempos e é eterna!  E o mundo de ontem é extremamente rico de experiências e de ensinamentos.
É tempo de férias, é tempo de muitos terem finalmente um pouco de tempo para si, é tempo de ler! Porque sem ler o mundo não avança. Mas é tempo de ler “bem”, de ler “bom” e, para isso, tem de haver quem publique esse bom!
A minha homenagem e agradecimento vai, pois, para as editoras que têm a coragem de publicar contra a corrente da facilidade e que têm feito verdadeiros milagres. Permitindo que o sonho continue!
Umas e outras foram procurar os clássicos já esgotados: Stendhal, Tolstoi, Dostoievski ou Tchekhov - todos publicados na Relógio d'Água, por exemplo.
Mas também publicaram Harper Lee, 
"Por favor não matem a cotovia" (Difel, 2010) e, depois, o seu novo livro, "Vai e põe uma sentinela" (Presença, 2015).

Que republicaram J. D. Salinger, redescobriram Steinbeck, escolheram Virginia Woolf, publicaram os contos de Katherine Mansfield ou os romances de Thomas Hardy! 

Nada está ainda completamente "perdido no reino da Dinamarca” quando se voltam a publicar os grandes clássicos da Literatura mundial!
Tolstoi, por Elya Repin
 Dostoievski, retratado por Perov
Tchekhov, por Isaac Levitan 
Thomas Mann 
Thomas Hardy

4 comentários:

  1. Fiquei muito contente quando me apercebi que isso estava a acontecer. Estão a reeditar muitos livros que estavam esgotados. Mas as edições mais antigas costumam ter umas capas mais bonitas.

    Gostei muito do post:)

    Beijinhos e uma boa semana:)

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  2. Maria João,
    É verdade... felizmente têm reeditado muitos livros que estavam esgotados e dificilmente se encontravam; mesmo nos alfarrabistas!
    E continuam a existir boas editoras, que são essas que publicam esses excelentes autores.
    Ainda hoje um exemplar da Montanha Mágica "viajou" até ao Fundão...
    Continue a escrever sobre livros, que eu e a Isabel (pelo menos) agradecemos!
    Beijinhos.:))

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  3. Tinha-me passado este texto sobre os livros esquecidos - tive a sorte de ler alguns dos que aqui são referidos e reconheci algumas das edições - na casa dos meus pais há uma estante com os livros das Colecções Dois Mundos, Livros do Brasil, de bolso da Europa América que publicaram muitos destes livros e estes eu pude ler
    um beijinho

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  4. Muito bom, outra vez!! Gosto deste blog.

    Beijinho.

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