Sobre
esta personalidade luminosa que teve uma vida invulgar muito se poderia ainda contar.
Recordo
a auto-biografia que publicou em 2007, intitulada “Uma Vida” (“Une vie”,
Editions Stock, Paris). Lendo-a, ficamos a conhecer esta mulher que não tinha
medo de nada – desde que a sua consciência estivesse tranquila.
Da
entrada no campo de Auschwitz até à saída preocupou-se com a mãe e a irmã e
defendeu-as no que pôde. Talvez pela sua beleza e juventude e pela força de
viver que dela se libertava, teve a protecção de uma das piores vigilantes (as
“Kapôs”) do campo. Nunca percebeu a razão, mas a verdade é que por duas vezes
lhe salvou a vida. Simone aceitou a protecção exigindo porém que a mãe e a
irmã a acompanhassem. Assim, foram enviadas para uma fábrica em vez de ficarem
em Auschwitz à espera de morrer. Comiam melhor (?) e tinham protecção.
Talvez a "kapô" visse naquela adolescente, de aspecto saudável e ao mesmo tempo de olhar desafiador, a pureza e a vontade de viver, a continuidade de algo que, ali, estava destinado a morrer.
Talvez a "kapô" visse naquela adolescente, de aspecto saudável e ao mesmo tempo de olhar desafiador, a pureza e a vontade de viver, a continuidade de algo que, ali, estava destinado a morrer.
Há
uma história incrível. À entrada do campo, como numa premonição do horror que iria encontrar,
viu que às recém-chegadas tudo era tirado: casacos, malas, roupas, objectos. Ela e uma amiga, com os mesmos 16 anos incautos, que viajara do campo de Drancy com ela, pegam no frasco de perfume Lanvin que
trazia na malinha e borrifam-se com perfume dos pés à cabeça. Como um
desafio ao destino e às leis do campo.
Na
apresentação do livro, à maneira de epígrafe, escreve: “Maupassant, Maupassant que eu amo, com certeza não se vai zangar comigo
por lhe pedir emprestado o título de um dos seus mais belos romances, para
descrever um percurso que nada deve à ficção.”
A
sua vida teve muito que contar!
Simone
Veil nasceu em Nice, em 13 de Julho de 1927, e morreu no passado dia 30 de
Junho, em Paris. Filha do conceituado e premiado arquitecto André Jacob e de
Yvonne Steinmetz, judeus franceses, que pertenciam a uma família da burguesia
muito respeitada. Simone tem um irmão e uma irmã mais velhos do que ela.
Yvonne Steinmetz e os filhos, crianças
No
início do livro, lamenta: “Não posso
deixar de pensar com tristeza que o meu pai e a minha mãe nunca conheceram a
idade madura dos filhos, nem souberam do nascimento dos netos, nem tiveram a
doçura de um círculo familiar aumentado.” (pg.)
Para Simone, tudo
começa num dia de Setembro de 39: “Seria um sinal premonitório? As coisas
desenrolaram-se assim: o anúncio da declaração de guerra, no dia 1 de Setembro
de 1939, ficou estreitamente ligado na minha memória às férias interrompidas
por uma doença diagnosticada tardiamente. (…) O Verão de 1939 acabava mal.”
Tratava-se
de uma epidemia de escarlatina, mas a verdade é que o fim dessas férias foi o
início de uma situação trágica.
Em 1940, a vida da família vai ser destruída: as perseguições movidas aos judeus depois da invasão da França pelos nazis, e a consequente República de Vichy.
Uma parte da família vai para Inglaterra e a separação do núcleo familiar, tios e primos, começa.
Vão para Nice, dali vão para Marselha, regressam a Nice. “Neste momento toda a gente perdia a cabeça, e o pânico que soprava em Paris não poupava as grandes cidades de província. Durante algumas semanas, o fenómeno do êxodo tinha uma amplidão louca”.
Em 1940, a vida da família vai ser destruída: as perseguições movidas aos judeus depois da invasão da França pelos nazis, e a consequente República de Vichy.
Uma parte da família vai para Inglaterra e a separação do núcleo familiar, tios e primos, começa.
Vão para Nice, dali vão para Marselha, regressam a Nice. “Neste momento toda a gente perdia a cabeça, e o pânico que soprava em Paris não poupava as grandes cidades de província. Durante algumas semanas, o fenómeno do êxodo tinha uma amplidão louca”.
Ninguém
é poupado. O pai, que combatera na I Guerra e se sentia “muito antigo combatente e patriota", é, com grade espanto seu, atingido pelo “estatuto de judeu”, decretado pelo governo de Vichy.
Escreve Simone Veil: “Os judeus passavam a ser objecto de
segregação administrativa, perfeitamente escandalosa, no país dos direitos do
homem.”
Muitos
dos professores de Simone são afastados do ensino e o pai perde o direito ao
trabalho e alguns amigos arranjam-lhe pequenos trabalhos nem sempre pagos.
Nice,
ocupada pelas tropas de Mussolini, em 1942, era, paradoxalmente, uma zona para
a qual fugiam os judeus de França, tentando atingir a zona livre. E os
italianos foram bastante “suaves” para com os judeus, comparados com os franceses,
por exemplo.
Depois
da queda de Mussolini, no Verão de 43, “quando
os italianos assinam o armistício e deixam a região e a Gestapo desembarca em
Nice, em 9 de Setembro de 43, que a tragédia chega.”
O pai e o irmão são os primeiros a ser deportados para o campo
de concentração de Kaunas, na Lituânia, onde morrem em Maio de 1944. Kaunas que fora um gueto de 41 a 43 e nessa data transforma-se num campo de extermínio de judeus.
Simone, a mãe e a irmã, Madeleine, são levadas, em 1944, para o campo de Auschwitz-Birkenau e, depois, para Bergen-Belsen.
judeus no campo de Kaunas
o castelo de Kaunas
Auschwitz, libertado pelo Exército russo (1945)
Simone, a mãe e a irmã, Madeleine, são levadas, em 1944, para o campo de Auschwitz-Birkenau e, depois, para Bergen-Belsen.
desenho de Pavel Fantl, em Auschwitz
A
outra irmã, Denise, entrara na Resistência francesa e não é apanhada. Mas não
escapa, porque é presa pela Gestapo, torturada, e acaba por ir parar a
Ravensbrück, libertada em 1945. Sobreviveu.
Denise Jacob
Ravensbrück, ruínas
a libertação de Bergen-Belsen
Auschwitz, 2005, com Jacques Chirac
regresso a Auschwitz, em 2005
Russell Harty
Bergen-Belsen, libertado
“No dia 13 de Abril,
creio –pois não tenho a certeza de que data fosse (era de facto sim o dia 15).
Quando ocupámos o campo e abrimos Belsen - que era o 1º campo de concentração
que nós tínhamos visto e nem sabíamos o que eram. Tínhamos ouvido apenas rumores
do que eram. Quero dizer que nunca nada podia ser pior do que aquilo. As portas
foram abertas e foi como se pensasse que estava a olhar para o ‘Inferno’ de Dante.
Quero dizer que nunca tinha visto nada tão aterrador. E nunca mais vi.
os mortos de Bergen-Belsen
"Uma
rapariga veio ter connosco e falava inglês porque viu os nossos distintivos e
ela… bem, os seios dela eram como bolsas vazias e nada a cobri-los; trazia umas
calças de pijama de homem, aqueles pijamas dos campos, e não tinha cabelo. Mas
sabia que era uma rapariga por causa dos seios…vazios.”
Continua:
“Em redor de nós
havia montanhas de gente morta, quero dizer montanhas deles e estavam enlameados e cheios de lodo e nós tentávamos passar no meio deles e um jovem polícia militar inglesa
dizia: Venham, não vão aí pelo meio, eles estão todos com febre tifóide e vão
contagiar-vos.
A jovem seguiu-nos
até ao jeep e viu um resto de comida embrulhado num jornal e pediu se podia
comer. O polícia disse que, se ela comesse naquele instante, morreria logo em
dez minutos. Ela agarrou o jornal ao peito. Não via nenhum há 5 ou 8 anos.
Deu-me um beijo comovente e o polícia afastou-nos, aterrorizado."
"Muitos anos depois da
guerra, eu sabia sempre que nada neste mundo poderia alguma vez ser tão mau…mas sabia que nada
poderia jamais meter-me medo, nenhum homem poderia assustar-me nunca mais, nada
poderia nunca ser tão mau como a guerra ou como as coisas que eu vi!”
Simone Veil
Simone Veil quis ser uma mulher independente e livre nas suas escolhas.
Recordava a mãe como um exemplo.
Contava: "Foi ela que me transmitiu o seu
desejo de autonomia. A meus olhos -como aos seus- uma mulher que tem a
possibilidade de o fazer deve seguir os seus estudos e trabalhar, mesmo que o
marido a isso não seja favorável. É disso que depende a sua liberdade e
independência".
Por ela própria e pelos direitos das outras mulheres, lutou ela toda a
vida. Como lutou -como pôde- nos campos de Auschwitz e Bergen-Belsen, tentando dar um pouco de dignidade ao horror dos campos.
Auschwitz, pintura de Moritz Muller
Depois da ida a Auschwitz, em 2005, Simone Veil pensou que nunca mais deixaria
de se sentir judia. E disse que no dia da sua morte pensaria decerto na Shoah.
O filho, Jean Veil, na cerimónia de despedida, nos Invalides, referiu-se
à Shoah com estas palavras: “Tragédia indelével.” Sem dúvida, indelével!
"Esqueletos", Auschwitz, 1944, Felix Nussbaum
* * *
(*)
Dirk Bogarde, ou melhor, Sir Derek Jules Gaspard
Ulric Niven van den Bogaerde nasceu em Birmingham 28 de Março de 1921 e morreu
em 8 de Maio de 1999.
Súbdito inglês, esteve sob a bandeira inglesa na II Guerra, primeiro com 22 anos –antes de 1943 no Queen’s Royal Regiment e depois no Queen’s Regiment. Esteve no Pacífico e na Europa, especialmente nos serviços secretos.
Súbdito inglês, esteve sob a bandeira inglesa na II Guerra, primeiro com 22 anos –antes de 1943 no Queen’s Royal Regiment e depois no Queen’s Regiment. Esteve no Pacífico e na Europa, especialmente nos serviços secretos.
No livro, “Spies in the Sky”, Taylor Downing fala também do trabalho de Bogarde como especialista de uma unidade do exército de reconhecimento
fotográfico aéreo depois do D-Day. Como capitão e, depois, major serviu nas unidades
da RCAF (RAF BOMBER COMMAND), que em Julho de 1944 estavam estacionadas em Sommervieu, perto de Bayeux.
"O que não nos mata torna-nos mais fortes"!É isso.
ResponderEliminarBom finde
Muito interessante a leitura.
ResponderEliminarSimone Weil era uma mulher linda e inteligente. Tenho livros dela para ler...
Um beijinho e bom fim-de-semana:)