quarta-feira, 6 de março de 2019

UMA ESTRELA AMARELA NO MEU BLOG...HOJE



Dora Bruder, ilustração

Dora Bruder tem 15 anos quando, um dia, não volta a casa. Era o dia 14 de Dezembro de 1941. Patrick Modiano vai contar a sua história.
"Possivelmente, explica o autor, não queria continuar no internato onde estava inscrita e que frequentava desde o mês de Maio.
Os alemães ocupavam Paris desde 1940. Talvez não se sentisse suficientemente segura ali."
Dora Bruder era judia. Dora não voltou a casa nem nesse dis, nem nos próximos meses. Em fuga, desaparecida. Erra por Paris, não se sabe bem por onde. Volta a casa em 17 de Abril de 1942. E foge de novo. Não sabe que vai ter pouco tempo de liberdade.
Os judeus não estão seguros em nenhum lado. Um dia são obrigados a usar uma estrela amarela de seis pontas: a estrela judaica.

Assim o diz Patrick Modiano, no seu livro ‘Dora Bruder’ (1) : “No dia 7 de Junho de 1942 os judeus passaram a ter de usar uma estrela amarela.” 
Não esperavam decerto a reacção das "francesas arianas". Mas elas também usaram por um dia a estrela amarela, por solidariedade.

 Impuseram a estrela amarela a todas as crianças com nomes polacos, romenos, russos, e que eram tão parisienses que se confundiam com as fachadas dos prédios e dos passeios e com os infinitos tons do cinzento que só existem em Paris. 

Como Dora Bruder elas falavam todas o ‘argot’ com o mesmo acento parisiense de que falava Jean Genet: “uma ternura tristonha”. (pág.138)

Nessa mesma manhã de 7 de Junho de 1942, em que as forças da ocupação alemã decretavam o uso obrigatório da estrela amarela, surge um movimento de solidariedade espontâneo e inesperado: um grupo de mulheres decide usar a estrela amarela. Acabam todas na prisão, com os judeus.

Aquelas a quem os alemães chamavam “amigas dos judeus”: eram uma dezena de Francesas ‘arianas’ que tiveram a coragem de, em Junho, no primeiro dia em que os judeus teriam de usar a estrela amarela, usar uma estrela amarela também.”

E usaram-na num modo vistoso, fantasioso e insolente! De modo a que se vissem bem as suas estrelas amarelas.

"Uma pendurou-a ao pescoço do cão, outra bordou na estrela a palavra ‘PAPOU’ e outra ‘JENNY’. Uma outra pendurou 8 estrelas no cinto e cada uma tinha uma letra da palavra ‘VICTOIRE’.

Campo de Drancy

Foram presas e levadas para o comissariado mais próximo. Depois, seguiram para a Caserna de Tourelles, com os judeus – para onde vai Dora também- e, depois, ainda muitas são levadas para o Campo de Drancy (3)
Campo de Drancy 1942

Quem eram estas ‘amigas dos judeus’? Mulheres especiais e cultas?
Não. “Exerciam profissões ‘normais’ e diversas: dactilógrafas, empregadas de papelarias. Vendedoras de jornais. Trabalhavam como mulheres a dias. Empregadas dos Correios. Estudantes.” (pág. 140).

Dora é presa também e levada à Caserna de Tournelles - onde se encontravam os judeus que ‘desobedeciam’ às leis e ordens das autoridades nazis.
Esta solidariedade é comovente, porque essas mulheres partilharam o destino dos judeus, apenas porque ousaram ser como eles e usar uma “estrela amarela”!

Não é por acaso que a Academia Sueca ao atribuir a Modiano o Nobel dá a seguinte razão: “Pela arte da memória com a qual ele evocou os destinos humanos mais inatingíveis e descobriu a vida do mundo da ocupação alemã.”

"Não é preciso ser-se ‘intelectual’ ou ‘informado, ou ‘cientista’ para se saber reagir com o coração e ser solidário com quem sofre de uma injustiça. Elas mulheres provaram-no.
"Rafle du Vel d'Hiv"

Poucos meses depois, a 13 de Agosto de 1942, Dora Bruder é levada para o Campo de Drancy. 
Em 16 e 17 de Julho realizara-se a chamada "Rafle du Vel d'Hiv" onde milhares de judeus foram apanhados e levados para Drancy. Dali os judeus eram levados para Auschwitz. 
~Em 2010, Foi realizado um filme sobre este assunto.


O que fez Dora durante a sua fuga ninguém soube: foi o seu momento de verdadeira liberdade, em que vagueou por um Paris que “parecia” livre, sem usar a estrela amarela.

E penso: hoje quero pôr no meu blog uma estrela amarela!
Hoje, quando, pela Europa fora, os judeus voltaram a ser “apontados” como diferentes. Em que - um jovem judeu é assassinado apenas por ser judeu e, mais tarde, o túmulo conspurcado. Quando crianças foram massacradas à entrada de uma escola judaica, em Paris...

 Quando o judeu é “ridicularizado” numa Parada de Carnaval na Bélgica - com o mesmo tipo de imagens que se usavam nos tempos da ocupação nazi. 




Quando as lojas dos judeus são assinaladas com a palavra JUDEN e as figuras dantes respeitadas como Simone Veil aparecem enegrecidas por uma cruz gamada... é triste dizê-lo:
Tempos em que ser judeu parece ser outra vez perigoso!

***

 (1) O romance “Dora Bruder” foi publicado em Paris em 1977. Em Portugal, muitos dos seus romances foram publicados na Porto Editora, em edições muito agradáveis.

(2) Patrick Modiano nasceu em 30 de Julho de 1945. Publicou variadíssimos livros – histórias que se passavam na França ocupada pelos nazis e outras muito diferentes.
Recebeu, em 1972, o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa (ao seu livro “Les Boulevards de ceinture”).
Em 1978, o Prémio Goncourt (pelo livro “Rue des boutiques obscures”).
Em 2010,  o Prémio do Instituto da França.
E, em 2014, é-lhe atribuído o Prémio Nobel de Literatura.

(3) Drancy era o Campo de onde os judeus eram enviados para outros campos de concentração ou de extermínio, entre os quais Auschwitz. Em 16 e 17 de Julho de 1942, convocados para o Vel d'Hiv (Velodrome d'Hiver), com falsos motivos, cerca de 13.000 judeus são presos pela polícia francesa. 


Foi chamada "La raffle du Vel d'Hiv". Dali seguiram para Drancy e depois para  os campos de concentração e de extermínio, entre os quais Aushcwitz. 




8 comentários:

  1. Todos e cada um de nós deveria levar consigo uma bela estrela amarela que significasse só uma coisa : LIBERDADE — de pensamento, de direito a viver em paz e com dignidade.
    FEliz dia para ti, my dear...

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    1. Infelizmente não há ainda dessas estrelas amarelas da esperança e da liberdade! Cada um de nós tem de criar a sua....beijinhos

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  2. Assustador, de facto. E que coragem, a dessas mulheres. Bom dia!

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    1. Sim, Margarida, uma enorme coragem! E respeito por si próprias, logo pelos outros também...Obrigada.

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  3. Tenho o livro mas ainda não o li.

    As guerras e o racismo são coisas abomináveis! Temos que aprender o significado da palavra mais importante do mundo: LIBERDADE!

    Beijinhos e um bom fim-de-semana:))

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  4. O que se pode pensar que é passado, está tão vivo e forte, que faz preocupar. O mundo está muito sombrio, os tempos de paz parecem distantes. O Brasil está para lá de sombrio, não posso imaginar como sairemos deste lodo. Mas tudo tem começo, meio e fim, portanto, saúdo a impermanência que é uma lei universal! Vibro por dias de paz, respeito e liberdade!
    Beijinho Maria e bom final de semana.

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  5. O que me assusta é que um dia destes que não sabemos qual eu, os meus filhos, as minhas netas serão "judeus". Aliás, a evidência da estupidez humana está por todo o lado, continuou a encontrar e a matar "judeus".
    Muito bem montado o post. Parabéns.
    Bj.

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    1. Muito obrigada, Agostinho. Tem razão, tudo isto faz pensar em coisas que preferíamos esquecer para sempre mas que, no entanto, devemos continuar a recear...
      Um abraço

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