Dora Bruder, ilustração
"Possivelmente,
explica o autor, não queria continuar no internato onde estava inscrita e que
frequentava desde o mês de Maio.
Dora Bruder era judia. Dora
não voltou a casa nem nesse dis, nem nos próximos meses. Em fuga, desaparecida. Erra por Paris, não se sabe bem
por onde. Volta a casa em 17 de Abril de 1942. E foge de novo. Não sabe que vai ter pouco tempo de liberdade.
Os judeus não
estão seguros em nenhum lado. Um dia são obrigados a usar uma estrela amarela
de seis pontas: a estrela judaica.
Assim
o diz Patrick Modiano, no seu livro ‘Dora Bruder’ (1) : “No dia 7 de Junho de 1942 os judeus passaram a ter de usar uma estrela
amarela.”
Não esperavam decerto a reacção das "francesas arianas". Mas elas também usaram por um dia a estrela amarela, por solidariedade.
“Impuseram
a estrela amarela a todas as crianças com nomes polacos, romenos, russos, e que
eram tão parisienses que se confundiam com as fachadas dos prédios e dos
passeios e com os infinitos tons do cinzento que só existem em Paris.
Como Dora
Bruder elas falavam todas o ‘argot’ com o mesmo acento parisiense de que falava
Jean Genet: “uma ternura tristonha”. (pág.138)
Nessa
mesma manhã de 7 de Junho de 1942, em que as forças da ocupação alemã decretavam
o uso obrigatório da estrela amarela, surge um movimento de solidariedade espontâneo e inesperado: um grupo de mulheres decide usar a estrela amarela. Acabam todas na
prisão, com os judeus.
“Aquelas a quem os alemães chamavam “amigas
dos judeus”: eram uma dezena de Francesas ‘arianas’ que tiveram a coragem de,
em Junho, no primeiro dia em que os judeus teriam de usar a estrela amarela,
usar uma estrela amarela também.”
E
usaram-na num modo vistoso, fantasioso e insolente! De modo a que se vissem bem
as suas estrelas amarelas.
"Uma
pendurou-a ao pescoço do cão, outra bordou na estrela a palavra ‘PAPOU’ e outra
‘JENNY’. Uma
outra pendurou 8 estrelas no cinto e cada uma tinha uma letra da palavra
‘VICTOIRE’.
Campo de Drancy
Quem
eram estas ‘amigas dos judeus’? Mulheres especiais e cultas?
Não.
“Exerciam profissões ‘normais’ e diversas:
dactilógrafas, empregadas de papelarias. Vendedoras de jornais. Trabalhavam
como mulheres a dias. Empregadas dos Correios. Estudantes.” (pág. 140).
Dora
é presa também e levada à Caserna de Tournelles - onde se encontravam os judeus que ‘desobedeciam’
às leis e ordens das autoridades nazis.
Esta
solidariedade é comovente, porque essas mulheres partilharam o destino dos judeus,
apenas porque ousaram ser como eles e usar uma “estrela amarela”!
Não
é por acaso que a Academia Sueca ao atribuir a Modiano o Nobel dá a seguinte razão:
“Pela arte da memória com a qual ele
evocou os destinos humanos mais inatingíveis e descobriu a vida do mundo da
ocupação alemã.”
"Não
é preciso ser-se ‘intelectual’ ou ‘informado, ou ‘cientista’ para se saber
reagir com o coração e ser solidário com quem sofre de uma injustiça. Elas
mulheres provaram-no.
"Rafle du Vel d'Hiv"
Poucos
meses depois, a 13 de Agosto de 1942, Dora Bruder é levada para o Campo de Drancy.
Em 16 e 17 de Julho realizara-se a chamada "Rafle du Vel d'Hiv" onde milhares de judeus foram apanhados e levados para Drancy. Dali os judeus eram levados para Auschwitz.
~Em 2010, Foi realizado um filme sobre este assunto.
Em 16 e 17 de Julho realizara-se a chamada "Rafle du Vel d'Hiv" onde milhares de judeus foram apanhados e levados para Drancy. Dali os judeus eram levados para Auschwitz.
~Em 2010, Foi realizado um filme sobre este assunto.
O
que fez Dora durante a sua fuga ninguém soube: foi o seu momento de verdadeira liberdade,
em que vagueou por um Paris que “parecia” livre, sem usar a estrela amarela.
E penso: hoje
quero pôr no meu blog uma estrela amarela!
Hoje,
quando, pela Europa fora, os judeus voltaram a ser “apontados” como diferentes. Em que - um jovem judeu é assassinado apenas por ser judeu e, mais tarde, o túmulo conspurcado. Quando crianças foram massacradas à entrada de uma escola judaica, em Paris...
Quando o judeu é “ridicularizado” numa Parada de Carnaval na Bélgica - com o mesmo tipo de imagens que se usavam nos tempos da ocupação nazi.
Quando as lojas dos judeus são assinaladas com a palavra JUDEN e as figuras dantes respeitadas como Simone Veil aparecem enegrecidas por uma cruz gamada... é triste dizê-lo:
Quando o judeu é “ridicularizado” numa Parada de Carnaval na Bélgica - com o mesmo tipo de imagens que se usavam nos tempos da ocupação nazi.
Quando as lojas dos judeus são assinaladas com a palavra JUDEN e as figuras dantes respeitadas como Simone Veil aparecem enegrecidas por uma cruz gamada... é triste dizê-lo:
***
(1) O romance “Dora Bruder” foi publicado em
Paris em 1977. Em Portugal, muitos dos seus romances foram publicados na Porto
Editora, em edições muito agradáveis.
(2)
Patrick Modiano nasceu em 30 de Julho de 1945. Publicou variadíssimos livros –
histórias que se passavam na França ocupada pelos nazis e outras muito diferentes.
Recebeu,
em 1972, o Grande Prémio do Romance da
Academia Francesa (ao seu livro “Les Boulevards de ceinture”).
Em
1978, o Prémio Goncourt (pelo livro “Rue des boutiques obscures”).
Em
2010, o Prémio do Instituto da França.
E,
em 2014, é-lhe atribuído o Prémio Nobel
de Literatura.
(3)
Drancy era o Campo de onde os judeus eram enviados para outros campos de
concentração ou de extermínio, entre os quais Auschwitz. Em 16 e 17 de Julho de 1942, convocados para o Vel d'Hiv (Velodrome d'Hiver), com falsos motivos, cerca de 13.000 judeus são presos pela polícia francesa.
Foi chamada "La raffle du Vel d'Hiv". Dali seguiram para Drancy e depois para os campos de concentração e de extermínio, entre os quais Aushcwitz.
Foi chamada "La raffle du Vel d'Hiv". Dali seguiram para Drancy e depois para os campos de concentração e de extermínio, entre os quais Aushcwitz.
Todos e cada um de nós deveria levar consigo uma bela estrela amarela que significasse só uma coisa : LIBERDADE — de pensamento, de direito a viver em paz e com dignidade.
ResponderEliminarFEliz dia para ti, my dear...
Infelizmente não há ainda dessas estrelas amarelas da esperança e da liberdade! Cada um de nós tem de criar a sua....beijinhos
EliminarAssustador, de facto. E que coragem, a dessas mulheres. Bom dia!
ResponderEliminarSim, Margarida, uma enorme coragem! E respeito por si próprias, logo pelos outros também...Obrigada.
EliminarTenho o livro mas ainda não o li.
ResponderEliminarAs guerras e o racismo são coisas abomináveis! Temos que aprender o significado da palavra mais importante do mundo: LIBERDADE!
Beijinhos e um bom fim-de-semana:))
O que se pode pensar que é passado, está tão vivo e forte, que faz preocupar. O mundo está muito sombrio, os tempos de paz parecem distantes. O Brasil está para lá de sombrio, não posso imaginar como sairemos deste lodo. Mas tudo tem começo, meio e fim, portanto, saúdo a impermanência que é uma lei universal! Vibro por dias de paz, respeito e liberdade!
ResponderEliminarBeijinho Maria e bom final de semana.
O que me assusta é que um dia destes que não sabemos qual eu, os meus filhos, as minhas netas serão "judeus". Aliás, a evidência da estupidez humana está por todo o lado, continuou a encontrar e a matar "judeus".
ResponderEliminarMuito bem montado o post. Parabéns.
Bj.
Muito obrigada, Agostinho. Tem razão, tudo isto faz pensar em coisas que preferíamos esquecer para sempre mas que, no entanto, devemos continuar a recear...
EliminarUm abraço