segunda-feira, 4 de junho de 2012

Alain-Fournier e a "procura" da infância perdida...



Alain-Fournier, Henri-Alban Fournier, também conhecido como Henri Alain-Fournier, é um escritor francês que morreu aos 27 anos, deixando atrás de si uma "obra prima".

Nasce a 3 de Outubro de 1886, em Chapelle-d'Angillon,  e desaparece na Iª Guerra, em Les Éparges, a 22 de Setembro de 1914.



casa natal em Agillon

Conhecido pelo único romance que publicou e o tornou  famoso, "Le Grand Meaulnes", ainda hoje considerado um dos melhores romances sobre a adolescência. 


Comprei-o em 1965. 
Começávamos a fazer a nossa biblioteca, e escolhemos uma bonita edição de La Guilde du Livre (Lausanne). Pelos meus anos, em 1966, a minha irmã oferece-me o belo livro que lhe foi dedicado por Antoine Sonet, "Le Rêve d'Alain-Fournier" ( Editions J. Duculot, S.A., Gembloux, 1965).

Na "nota" inicial a irmã de Alain, Isabelle Rivière, agradece, comovida esta edição "Esta pequena viagem foi para mim um doce e comovente prazer, -por vezes doloroso, mas há sofrimentos que alimentam a alma".

No "Prefácio", escreve Sonet: "Enfim, doce companheiro da minha adolescência, escrevi estas linhas com a preocupação sincera de servir a tua memória e te fazer amar ainda mais."

Epineuil-le-Fleuriel, St. Martin (internet)

Alain-Fournier, no romance, fala da experiência própria dos tempos de escola  e da sua infância. Aluno do pai, vive na escola de Épineuil-le-Fleuriel, durante sete anos de 1891 a  1898.  Epineuil-le-Fleuriel que no livro se chamará Sainte-Agathe.

Os pais são ambos professores, e a casa, simples, com um quintal,  pertence ao estado.

Aí, passará grande parte da infância feliz, nunca esquecida, um “bem perdido” - tendo como companheira de jogos e de brincadeiras e de leituras a irmã, Isabelle, que, em 1909, casará com Jacques Rivière, escritor e amigo de Alain.


escola de Épineuil, 1896, fotografia da colecção de Isabelle Rivière, que está na 1ª fila; Alain na 2ª fila, (ver as setas) 


Em 1905, em carta aos pais recorda “a sala de aula onde entrava o sol doce e tépido das cinco da tarde, todo o cheiro bom da terra lavrada”.
E acrescenta, mais adiante: "Tudo isto era para mim o mundo inteiro.
Estuda em Sceaux, perto de Paris, no Lycée Lakanal, onde encontra Rivière de quem fica amigo. Acabado o liceu, quer entrar na  École Normal Supérieure mas não consegue - e acaba por ir estudar na Marinha Mercante, em Brest.

Yvonne de Galais (de Quiévrecourt, aliás) - fotografia na internet

Em 1905, em Paris, depois de visitar uma Exposição de Pintura, no Petit Palais, encontra num banco do cais do Sena, uma jovem –Yvonne de Quiévrecourt- por quem se apaixona. Yvonne, a heroína do seu romance, a bela e inesquecível figura de Yvonne de Galais.

Alain tem 18 anos e o seu amor não é correspondido. De facto, nunca mais se falam. Encontra-a oito anos mais tarde, casada e com dois filhos. 
Apesar de outros amores, nunca a esquecerá.


De 1907 a 1908 interrompe os estudos para fazer a tropa. Nesses anos escreve algumas poesias, ensaios e histórias curtas.

Termina o “Le grand Meaulnes”, em 1913. O Romance é publicado de Julho a Outubro desse ano, na prestigiosa Nouvelle Revue Française, e, depois, em volume, pela Editora Émile-Paul.

Apresentado a concurso ao "Prémio Goncourt", perde por poucos votos, mas vai ser elogiado pela crítica da época.


O romance em Livre de Poche

Começa deste modo directo e simples, o romance Le Grand Meaulnes:


Il arriva chez nous un dimanche de novembre 189...

Je continue à dire « chez nous », bien que la maison ne nous appartienne plus. Nous avons quitté le pays depuis bientôt quinze ans et nous n'y reviendrons certainement jamais.

Nous habitions les bâtiments du Cours supérieur de Sainte-Agathe.

Mon père, que j'appelais M. Seurel, comme les autres élèves, y dirigeait à la fois le Cours supérieur, où l'on préparait le brevet d'instituteur, et le Cours moyen.

Ma mère faisait la petite classe.

Une longue maison riuge, avec cinq portes vitrées, sous des vignes vierges, à l’extrémité du bourg (...).

Nous étions depuis dix ans dans ce pays quando Meaulnes arriva.

J’avais quinze ans. C’était un froid dimanche de novembre, le premier jour d’automne qui fît songer à l’hiver.”


E a "sua" chegada transforma completamente  a infância tranquila de François Seurel. Nunca mais nada voltou a ser a mesma coisa.

Mr. Seurel, o professor, seu pai,  que dirige com a mulher a escola rural, recebera este novo pensionário, Augustin Meaulnes, que vai ser o amigo do seu filho, François. 
"Ele" é que vai transformar tudo. Como conta François, o narrador:

Alain Fournier aos 18 anos (em cima) e aos 20 (em baixo)


Chegou a nossa casa num domingo de novembro de 189...

Continuo a dizer “a nossa casa”, se bem que a casa já não nos pertença.

Deixámos a terra há quase quinze e com certeza que nunca mais lá voltaremos.

Habitávamos no edifício do Cours Supérieur de Sainte-Agathe. O meu pai, a quem chamava Sr. Seurel, como os outros alunos, dirigia ali o curso superior, onde se preparava o diploma de institutor, e o curso médio. A minha mãe dava aulas aos mais novos.

Uma casa comprida, vermelha, com cinco portas envidraçadas, sob as vinhas virgens, na extremidade do burgo.
(...)Eu tinha quinze anos. Era um frio domingo de novembro, o primeiro dia de Outono que faz pensar no Inverno.
(...)Era um rapaz alto, de dezassete anos mais ou menos. Dele apercebi antes de tudo, ao entardecer, o chapéu de feltro camponês, deitado para trás, e a bata negra, atada com um cinto como usam os alunos. Vi também que sorria.” (*)

imagem do filme de Jean-Daniel Verhaeghe (internet)

Do "herói", falará nestes termos,  em carta de 10 de Abril de 1910:


O herói do meu livro é um homem cuja infância foi demasiado bela. Durante toda a adolescência, vai arrastá-la consigo. Por momentos, parece que todo esse paraíso imaginário que foi o mundo da infância vai surgir no fim das suas aventuras, ou erguer-se diante de um dos seus gestos.  Tal como quando, depois de três dias de ausência inexplicável, volta à escola como um jovem deus misterioso. – Mas sabe já que esse paraíso não pode existir. Renunciou à felicidade. Está neste mundo como alguém que vai partir.”
fotografia tirada da internet

O “paraíso perdido”, tal como a mansão perdida simbólica, onde, durante três dias, o fugitivo Augustin Meaulnes vai encontrar gente que lhe parecia de outro mundo, viajantes de feira, ciganos, numa quinta de sonho. Que nunca mais encontra. Que sabe perdida para sempre.

Porque  "sabe que esse paraíso não pode existir". Vive neste mundo de onde sabe que partirá em breve.

Presciência?

No início do ano de 1914 começa a escrever um novo livro, Colombe Blanchet, que não terminará.

De facto, em Agosto de 1914, Alain-Fournier  é chamado para o combate: a guerra rebentara. Morre, um mês mais tarde, a Sul de Verdun, na região da Meuse. 
Durante anos considerou-se perdido, com mais 27 dos seus companheiros. Mais tarde, foi encontrada a fossa comum onde os alemães os tinham enterrado.

Cemitério de Saint-Rémy-la-Colonne (internet)

Em Novembro de 1991, o corpo foi identificado e, hoje, os restos do escritor repousam no cemitério de Saint-Remy-la-Colonne.

O resto da sua obra foi publicado, póstumo, por Jacques Rivière: o volume de poesias Miracles, em 1924, a correspondência com Jacques Rivière em 1926 e as Cartas à família em 1930.


As notas e os sketches para Colombe Blanchet foram publicados em 1992.


Em 2006,  sai um filme, dirigido pelo realizador francês, Jean-Daniel Verhaeghe.

O filme começa –como começara o livro- numa noite de Novembro.
“Chegou a nossa casa num domingo de novembro"...
Le Grand Meaulnes em formato Kindle

(*) a tradução - livre- é minha...
(**) as fotografias que não são da internet foram tiradas do livro Le Rêve d'Alain-Fournier
                                    capa do livro de Robert Gibson sobre Alain-Fournier




8 comentários:

  1. se começou num domingo de Novembro só pode ser um belíssimo livro.
    Beijo

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    1. Tens toda a razão: nada como um dia de Novembro (ou Outubro...quando faço anos ehehe!). Tens que o procurar e ler, sei que vais adorar. Sei que existe em português. Pergunta à Livraria Lumière... Elas arranjam tudo e a bom preço!~
      mil beijinhos

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  2. Era um grande escritor, foi pena que uma vida tão curta o impedisse deixar uma obra mais vasta, que de certeza ia ser valiosa.
    Era uma pessoa estranha, com uma forma de sentir e amar estranha, teria sido interessante ver como evoluia com os anos.
    A vida tem estas contradições, há pessoas que permanecem sem fazer falta nenhuma, antes pelo contrário: sobram! Estou-me a lembrar do Bachar al Asad, que "ganas" tenho de perdê-lo de vista!!!
    Estás bem? Um beijinho

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    1. É verdade, tens toda a razão: morrem os que têm coisas para dizer e fazer...
      E é impressionante a quantidade de gente que há para aí sem fazer falta a ninguém! Não precisamos de ir ao Bachar...
      beijinhos

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  3. Tinha deixado um comentário, não percebo porque não ficou...
    Enfim, não importa.

    Hoje estou cansada.
    Deixo-lhe um beijinho.

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  4. Tens razão, Isabel. Eu "publiquei", está lá e não se vê! Dizias que era mais um livro para leres...
    Importa, importa...
    Não sei como o pôr, mas está "lá"...
    Um beijinho

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  5. MJ,
    Não conheço este escritor. Obrigada pela sugestão e pela bela postagem.
    Beijinho. :)

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  6. MJ,
    Vim "rever" Leonora Carrington, pois quando coloquei o nome da pintora vi que tinha colocado um comentário. Gosto muito. Tenho é que arranjar um livro da pintora pois nunca li nada escrito por ela.
    Beijinho!:)

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