quarta-feira, 27 de junho de 2012

Honrar quem nos ensinou é um dever... Um professor é um tesouro...




Falar de um poeta, falar de um professor-poeta – é bom!
Venho lembrar um “diário” e um autor-poeta, apresentado por outro autor-professor – meu professor de Literatura Portuguesa, professor que era “admirável” : Jacinto do Prado Coelho (1).

Basta a fé no que temos
Basta a esperança no que temos
Que talvez não teremos
 (in "Pelo sonho é que vamos")

O Poeta, o "poeta-professor", esse, é Sebastião da Gama e todos o conhecemos bem, todos quisemos – os professores- seguir os seus passos.


 Nós, os professores, essa “banda” perseguida hoje e que tantos ideais teve ao longo dos anos e dos séculos, tanto quis dar, tanto esperou.

Eu retirei-me e passei a estudar em casa, outra vez. Estudar, aprender é a minha profissão . E partilhar o que vou aprendendo é –julgo eu- o meu dever.

Linda esta evocação de Sebastião da Gama! Com tanta simplicidade e admiração!

Falando da sua "frescura de espírito”; da  “compreensão calorosa do humano”, do “ideal de candura”; da “efusiva cordialidade” (no autêntico sentido etimológica do termo cor, cordis= coração) : são as expressões que J.P.C. usa.

O amor ao que fazia, leva Sebastião da Gama a dizer a si próprio: “Tens muito que fazer?- Não. Tenho muito que amar. (Não entendo ser professor de outra maneira. E não me venham dizer que isso assim cansa e mata; morrer, sempre se morre: e à minha maneira tem-se a consolação de não ser em vão que se morre de cansaço)."
Isso era quando os professores podia saber o que se passava dentro dos alunos e "dedicarem-se" a ensinar apenas...
Robert Doisneau, "Information Scolaire", 1956
Sebastião da Gama e José Régio

Havia quem o não fizesse, é certo, mas a maioria tinha essa preocupação, que era uma “espécie de missão”.

J. Prado Coelho recorda também o professor metodólogo que orientou o estágio do Poeta, e faz-lhe a homenagem de o citar e elogiar: Virgílio Couto, pessoa “sem preconceitos que trouxe ao ensino, pela irradiante acção pessoal e por uma meia dúzia de ideias claras e vividas,  uma aragem renovadora.”

De facto, acrescenta, pensavam ambos “que o melhor professor não é o que sabe muito, mas antes o que se dá generosamente, o que procura a alegria dos alunos, o que trata com delicadeza, como algo infinitamente respeitável, a personalidade de cada um. O mau professor esquece a imaginação e a sensibilidade, condenando-se a um automatismo que é secura de coração; falta-lhe o  amor generoso da vida; (...) querendo o impossível –sujeitar a vida estuante e diversa ao seu pobre esquema de ideias preconcebidas, comodamente fixas (...)”

Claro que também era no tempo em que os professores tinham turmas em  que era humanamente possível “conhecer” e não os 30 ou 40 alunos que se deparam a um normal professor do secundário e –ainda mais grave- do básico.




Ele o professor-poeta que falava dos seus alunos dizendo: "Gente boa. Gente minha”.


Ou: "Sou contra a tinta encarnada"...


Porque lhe lembrava a cor do sangue e quem sabe se não iria ferir alguém?

Ele o poeta, espírito aberto acima de tudo que lamentava o feitio dos portugueses, demasiado sombrio e cheio de timidez, que Prado Coelho chama “a nossa desconfiança, a nossa baça tristeza de retraídos. 

E cita o Poeta:

A gente tem vergonha de beijar tudo, de amar as flores, de se enternecer com os animais, de dar um passeio. Ó Portugueses, é tempo de torcer o pescoço ao respeito humano! Olhai que nós somos bons e talvez seja verdade que até somos poetas. (...) Começai a ser sinceros, deixai de ser irónicos”.

E acrescenta: "Ele, Sebastião, filho do povo e da montanha (ao pé dos simples  tenho a certeza de que sou entendido”), ele, o professor-poeta (...) era a saúde dos sentimentos, firmada num viril amor da vida tal qual ela é, vária e gostosa. E uma fraternidade activa com os homens, os animais, a Natureza inteira”.

Como dizia antes, admirar é uma qualidade suprema.

Penso nos ensinamentos rabínicos do "Pirqe Abbot" que dizem: 

Quem aprende do parceiro um capítulo que seja, um só parágrafo, um único verseto, uma só expressão e mesmo uma letra apenas, deve honrá-lo." (2)


uma obra fundamental sobre Fernando Pessoa

Por isso, quero aqui lembrar os ensinamentos desse professor que sabia admirar os poetas, mas também "suscitar" nos alunos, que iniciavam a Universidade, a curiosidade sobre os romancistas que nos “ensinava” a entender: da "Menina dos rouxinóis", de Garrett a Júlio Dinis, de Eça a Camilo ou Camões, Baudelaire e Cesário, Fernando Pessoa e Raul Brandão e tantos mais. 

E interessar-me pelo estudo da Linguística como “arte da língua”, a aprender etimologias, a relacionar as línguas, a ouvir falar de coisas que ignorava –por que razão se aproximam duas línguas como o finlandês e o húngaro?

A Semântica como a “arte de conhecer as palavras por dentro”. Tudo tinha sentido. Surpreendia-me e abria os olhos, a querer compreender : não eram “fórmulas” vazias, “novas terminologias”  decoradas e logo mudadas, e esquecidas, hoje assim, amanhã assado... Terminologias cheias só de saber de “sesudo” e não humano,  como dizia Camões que “a dolorosa consciência de sesudo”  se opõe à “quieta vida livre em tudo”. Até naquilo que se aprende -  porque se compreende...

Por isso o recordo: não me ensinou uma letra, ou um verseto, ou um capítulo, ajudou-me a querer saber um pouco mais.

(1) No ensaio “O “Diário” de Sebastião da Gama", recolha de artigos, publicada pela Ática:  “Problemática da Literatura Portuguesa”, 1961

4 comentários:

  1. Tão bonito este post.
    Também quero continuar sempre a estudar e aprender, sem imposições, claro.
    Li o diário (ou parte dele, não me lembro se é só um volume, é?) há muito tempo e gostei. Tive vontade de também escrever sobre as escolas onde ia passando. Escrevi pouco...nem sei que fiz a esses rabiscos. Enfim, devaneios da altura.

    Hoje não é fácil ser professor, a Maria João sabe. Nem sei bem o que se valoriza. Às vezes tenho a impressão que o que se valoriza menos é precisamente o trabalho na sala de aula.
    Não sei, vamos ver para onde vamos evoluir (ou regredir).
    Um beijinho grande

    ResponderEliminar
  2. Que texto mais lindo amiga. Senti daqui o seu coração crescer e apertar. De certo matamos a simplicidade dos professores puros, mas ainda temos muitos deles pra lembrar.

    bjs grandes meus.

    ResponderEliminar
  3. Bonita e merecida homenagem.
    A minha vénia aos professores, que merecem todo o nosso respeito e que actualmente são tão mal tratados...

    ResponderEliminar
  4. Não posso falar como professora, porque só dois anos de ensino não dão para muito, mas posso fazê-lo como aluna, 17 anos dão para chegar a algumas conclusões: se deito a vista atrás comprovo que houve professores que me marcaram, que me ensinaram muito, e outros que não.
    De alguns até me enamorisquei, como é de rigor, e de outros não me lembro nem da cara nem do nome. É curioso.
    Imagino-te entre ovelhas e passarada, não sei se estou no certo...
    Beijinhos

    ResponderEliminar