quarta-feira, 18 de julho de 2012

D. Duarte, o Rei-Filósofo, e a leitura

estátua de D. Duarte, em Viseu


Pensando no que se vê hoje -e na muita ignorância de tantos. pensei nos nossos Reis "iluminados": poucos, contam-se com os dedos da mão... Um deles é sem dúvida  D. Duarte filho do Mestre de Aviz e de D. Filipa de Lencastre (da Casa de Lancaster, da nobreza inglesa). 
Ela era filha de João de Gant e neta do Rei de Inglaterra, Edward III. D. Duarte foi um dos príncipes da chamada "ínclita geração", pois, príncipes  cuja educação foi esmerada, em todos os campos, e a Cultura uma necessidade. Foi a mãe que disso se encarregou.


Dom João I, Museu de Arte Antiga

Edward III


John of Gant

a Rosa Vermelha, símbolo dos Lancaster, na Guerra das Rosas


D. Filipa, a mãe


pormenor de a"Dama com o Unicórnio" (talvez esta figura seja Blanche Lancaster), 


Andava a arrumar uns livros, pensando que já não os voltaria a ler - e fiquei presa ao volumezinho da Seara Nova, “D. Duarte e os Prosadores da Casa de Aviz” (1). Livro esse que estudei atentamente de lápis na mão, como vejo pelas anotações e rabiscos de várias cores. De facto, era pelo Prefácio do Professor Rodrigues Lapa que o livro tinha tanta "utilidade"! De facto os seus "prefácios" claros e inteligentes eram de grande auxílio.



E vejo a figura do Rei, ainda Príncipe, escrevendo o seu “diário”, porque desde tenra idade o príncipe  anotava o que se passava nos seus dias,  na Corte, e na natureza em seu redor.
Espírito curioso e metódico, D. Duarte, escrevia tudo, desde os conselhos que dava aos irmãos, “à observação das cores das pedras nas minas de metal” que vira, aos fenómenos lunares, ou a quanto discorria sobre as coisas mais simples da vida.

Diz Rodrigues Lapa: “a ideia –largamente social- do bem comum  inspira-o sempre. O rei devia-se inteiramente ao seu povo, e constituía-se num exemplo de todos”.

Tão diverso do que se passa nos dias de hoje!

“E não só em palavras, nas teorias que lançava no papel, mas em obras e na vida.”

Príncipe culto, Rei culto, usa um estilo cuidado, próximo do latim, escolhendo a estrutura da frase, o que nem sempre o torna fácil de entender. 


Mas teve a grande vantagem de enriquecer o vocabulário com termos novos: pertinaz, meritório, fugitivo, solícito, sobrepujar - são palavras que o Rei traz para a nossa língua.

Tem a consciência de que a língua portuguesa (como todas as línguas) precisava destes termos para “as suas necessidades expressivas na literatura e na ciência.

O próprio termo “literatura” introdu-lo D. Duarte nos seus escritos, ainda sob a forma de “letradura” que, aliás, ainda existe.

Sobre os livros, ou sobre a “releitura” de um livro que nos agradou,  diz no seu "Leal Conselheiro":

“Posto que algum dia, livro todo leais, nunca vos enfadeis de o tornar a ler, porque algumas coisas entendereis sempre novamente, que vos farão proveito; e pensai que o seu ler é obra meritória.(...) e assim alguma cousa cada dia lereis.”


Dá conselhos também sobre o "modo" de ler: devagar, poucas páginas para começar e com atenção para apreender o sentido: “A uma hora (de cada vez) não leardes muito mas boa parte menos do que poderdes”.

Outro conselho: não iniciar uma leitura com “ideias preconcebidas” para não “alterar o sentido do que se lê.

“Nom tenhaes alguma tenções (=opiniões) assim firmadas na vontade, que tudo o que leerdes  queiraes torcer  para concordar com elas.”

O Rei admitia, além disso, que se discordasse do que se lia...
“Quando for a determinação do que leerdes duvidosa, praza-vos de a leixardes em dúvida...”

Como escreve Rodrigues Lapa, “em alguns pontos, o seu “método” faz lembrar o método cartesiano da dúvida metódica que tanta influência exerceu no desenvolvimento do espírito moderno.”


No entanto, o seu não é um espírito “livresco” nem o Rei era um “rato de biblioteca”, apesar de se deliciar com a leitura e com os livros. Era, sim, um espírito culto e moderno.

Pelo contrário, recomenda a "experiência na vida intelectual e moral", o uso da observação, da razão, criticando a “fantasia sem proveito” de certos arroubos poéticos do tempo...

Gostei de encontrar esta personalidade um pouco esquecida. Ou não fosse este nosso tempo o momento da ignorância e da incultura ... 


Até dos governantes!


Túmulo de D. Duarte e de D. Leonor, no Mosteiro da Batalha


(1) Seara Nova, “Colecção Textos Literários

7 comentários:

  1. Até dos governantes... Ou sobretudo dos governantes?
    Beijinhos de partida

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Talvez não "sobretudo"...mas bastante ignorantes do que fala D. Duarte, isso são!

      Eliminar
  2. Destaco os trechos: “a ideia – largamente social - do bem comum inspira-o sempre. O rei devia-se inteiramente ao seu povo, e constituía-se num exemplo de todos” e “E não só em palavras, nas teorias que lançava no papel, mas em obras e na vida”.
    Bom seria se os nossos governantes voltassem os olhos para o exemplo inspirador de D. Duarte e tivessem a mesma sensibilidade e desvelo.
    Os 99% agradeceriam!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pensar nisso incomoda, de facto, mas aqueles eram os tempos da Cultura e a Cultura faz muita falta!
      Hoje são os "bancos" & a bolsa que lhes interessam! E é o "business", o "spread" (?), o "money", os negócios & o marketing que os "inspiram" mais do que tudo...
      Abraço do lado de cá do mar

      Eliminar
  3. Isto acontece quando se têm tantos livros e se têm que arrumar (horror!!), que de repente a gente se pode encontrar no século XV, e com o calor que está hoje, vou sair a correr daqui, porque só pensar naquelas vestes, e sem ar condicionado...Adeuzinho!

    ResponderEliminar
  4. Obrigado Maria João por esta evocação.

    ResponderEliminar