segunda-feira, 18 de novembro de 2013

“O DIÁRIO RUSSO”, DE JOHN STEINBECK


O "Diário Russo" de Steinbeck começa assim:

É preciso dizer antes de mais, que história é  esta e como é que a viagem começou e qual a sua intenção. Em Março, estava eu (...) sentado no bar do Bedford Hotel, na East Fortieth Street. Uma peça de teatro que já escrevera quatro vezes tinha-me 'brotado' dos dedos. Sentado no bar, imaginava o que poderia fazer a seguir. Nesse momento, entrou Robert Capa, com um ar desconsolado. Willy, o barman, sugeriu-lhe uma 'suissesse' uma bebida que ele fazia melhor do que ninguém.”

E John Steinbeck vai contando como Winston Churchill, em 1946, anunciara que uma “cortina de ferro tinha cercado a Europa de Leste". E como, no Inverno de 1947, começa a “guerra fria”. 

Por essa altura, John Steibeck e Robert Capa decidem ir ver como era a União Soviética, e o que se passava realmente por lá. E  começam a preparar essa viagem um pouco louca.




Susan Shilinglaw escreve, no Prefácio ao livro: “Quando a Cortina de Ferro desce na Europa, Steinbeck e Capa iniciam a sua viagem à União Soviética.”

Ir à União Soviética, a que propósito?

Para ver como as pessoas viviam do lado de lá, o que faziam, o que comiam e, depois, contar as coisas que interessavam realmente as pessoas do lado de cá, como ele próprio explica: queriam ver o "grande outro lado".

 “Estávamos deprimidos, pelas notícias mas sobretudo pelo modo como eram feitas. Porque as notícias hoje já não são notícias, especialmente no que se refere àquilo que mais atrai a atenção. Tornaram-se num assunto púdico.”

Parecia-lhes que as notícias que vinham cá para fora falavam apenas da política, do militarismo “frio” dessa guerra de silêncios e facadas e sentiam que muita gente, como eles, gostaria de saber mais!


contra-capa do livro

Continua:

E pensávamos em todas as coisas que os jornais não diziam sobre a Rússia – e que nos interessavam: o que é que aquela gente veste? O que têm para o jantar? Dão festas? Que tipo de comida há por lá? Como amam e como morrem? Dançam, cantam, brincam? As crianças vão à escola?



Pareceu-nos uma boa ideia  ir descobrir isto tudo, fotografar e escrever sobre o assunto. (...) Willy misturou mais umas 'suissesses' e concordou connosco. Até ele achava que era interessante saber estas coisas, que, por acaso,  eram o género de coisas que ele gostava de ler. 



Decidimos então ir fazer uma reportagem simples, baseada em fotografias. Estaríamos longe do Kremlin, evitaríamos os políticos e os militares e os planos deles. Queríamos entrar dentro do povo russo, se isso  fosse possível.

Ir ver como era a alma russa? Talvez tivessem pensado nisso mesmo: o que, verdadeiramente,   estava detrás da barreira, dentro das pessoas...

Começa, pois,  assim o “Diário Russo”. Uma história que, como ele disse, "não será a históra da Rússia, mas sim uma história russa..."




Escreve Susan Shilinglaw, no Prefácio:

“Viajam de Moscovo a Stalingrado (Volkogrado) e “nos campos em redor” da Ucrânia até ao Cáucaso. O que viram e relataram e fotografaram foi aquilo a que Steinbeck chamou: 'o grande outro lado', as coisas vulgares que acontecem aos homens e mulheres russos. 





Combinando a compaixão (empatia), o humor e o olhar de  Steinbeck, que apanha logo o pormenor, com os magníficos estudos fotográficos de Capa, o Diário Russo é um retrato único da Rússia e do seu povo, tal como saíram da Guerra.”



De Steinbeck sabemos quase tudo. Nasceu em Salinas, na Califórnia, em 1902, e cresceu num vale fértil, não muito longe da Costa do Pacífico. Tanto esse vale como a costa serão o pano de fundo em que se vão passar as suas obras mais famosas.



De Robert Capa talvez saibamos um pouco menos. Chamava-se Endre Erno Friedman, era um judeu nascido em Budapeste, em 1913. Capa é, com certeza, um dos mais famosos fotógrafos de guerra. 


Robert Capa com a noiva, a fotógrafa Gerda Taro, em Paris, 1936

Esteve presente, como testemunha, fotografando - em todos os momentos difíceis das Guerras: Guerra de Espanha, por exemplo. 


Capa fotografado por Gerda Taro, durante a Guerra de Espanha, 1937


Há pouco conseguiram recuperar uma série de fotos perdidas durante a Guerra Civil. Apareceram no México em 2005.

uma das fotografias 'redescobertas': Hemingway, na Guerra de Espanha

Como fotógrafo esteve no desembarque na Normandia e na libertação de Paris... Em toda a parte.
Morreu, na Indochina, em Thai-Binh, em 1954, atingido pela explosão de uma mina, durante a Guerra da Indochina.



As fotografias de Robert Capa são de  grande humanidade e beleza. Fotografando as coisas simples da vida, com ternura. Depois de várias peripécias, encontros, dificuldades, a verdade é que dão voltas e voltas numa série de terrinhas e cidades do interior, o tal interior que queriam descobrir e revelar.






Moscovo, Igreja de S. Basílio, Praça Vermelha (MJF)

A viagem termina em Moscovo. Vão ao Bolschoi ver um ballet, vão ao teatro, mas é tudo demasiado rápido. A viagem chegar ao fim.



Teatro Bolschoi, imagem de 1856


Até ao fim a impaciência de Capa é grande, pois receia que lhe fiquem com os rolos com as cerca de 3000 fotografias que tirou. A expectativa dura até  estar dentro do avião. 
Felizmente, não censuraram muita coisa. Robert Capa procurara sobretudo fotografar as pessoas, os rostos, o trabalho e as festas, os divertimentos, o dia a dia. E a dificuldade e a dureza de viver.




O que encontraram, afinal?, podemos perguntar.

Encontrámos o que suspeitávamos, que o povo russo é um povo com gente que, tal como a dos outros povos, é simpática. Havia os que detestavam a guerra, os que queriam o mesmo que os outros, no mundo: boas vidas, conforto se possível e segurança.”

O Diário, Steinbeck sabe-o bem, não vai agradar nem à esquerda nem à direita, todos o criticarão pelo que disse e pelo que não disse, pelo muito ou pelo pouco. 

Esperava essa reacção. Sabia que não podia agradar a Gregos e Troianos. O seu trabalho seria, como escreveu: "tentar fazer uma reportagem honesta, dizendo o que vimos." 
Iam os dois sem ideias preconcebidas. "Se houver críticas a fazer, será depois de vermos e não antes."

Sabia que essa atitude de honestidade, objectividade, não agrada nunca aos "fanáticos" de um lado ou do outro...

Não temos conclusões a tirar, a não ser que os Russos são como os outros povos do mundo – uns maus com certeza mas, no entanto, creio que a maioria é boa.”(p.212)

Assim termina o livro. De modo optimista. E ainda bem! É um livro delicioso de humor e de aventuras. E de humanidade!, como era de esperar dos dois grandes artistas.


Assim termina o livro! Que me acompanhou muitas manhãs!



Nota: Lamento que as minhas fotografias sobre as fotografias de Capa não mostrem a grandeza do fotógrafo.

Sobre Robert Capa: 

As fotos perdidas de Robert Capa: 




4 comentários:

  1. Deve ser um livro interessantíssimo.
    Tanto livro bom à nossa espera...

    Um beijinho grande :)

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  2. Um livro apaixonante sem dúvida, oxalá eu o tivesse lido e visto, as fotos devem ser geniais. Eram dois monstros, e ainda por cima "guapos"... Uns tanto, e outros tão pouco. Para mim são dois referentes, e A Pérola de Steinbeck, um livro que me marcou.
    Que tenhas um bom dia, mais beijos

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  3. Um magnífico livro, certamente e J. Steinbeck um excelente escritor.
    Mais uma vez, aguçou-nos o apetite...:))

    Um beijinho.

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