quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Suave Rabi Hillel... (in "Pirqe Abót")



Chagall, "O Rabi pensativo, com a Torah"

Em poucos livros religiosos como no "Pirqe Abot (A Ética dos Pais)" encontro a paz e o entendimento de mim e daquilo em que acredito. 
Páginas maravilhosas sobre a nossa responsabilidade na nossa vida, para com os outros, de observação de nós próprios para não sermos nós os que trazem a dor, para sermos nós a saber perdoar, para sermos nós a valorizar e não a destruir.

O que não impede que me encantem certas passagens dos Evangelhos, sobretudo o de São João, ou dos Salmos, outra das minhas leituras de cabeceira.


Tenho na minha gavetinha, ao lado da cabeça, um volumezinho dos Salmos, que me foi oferecido em Israel pelo Manuel, quase uma miniatura, onde vou procurar, abrindo ao acaso, o salmo do meu dia.

No entanto, sou ateia, ou julgo sê-lo: a não ser que a religião seja a da justiça, do bem comum, da compreensão, do amar e do não-julgar os outros, enquanto não nos virmos na situação deles. 

Marc Chagall, "Rabi no Sukhot"

Aquela religião em que se procura que a vida e a morte sejam ambas parte da dignidade a que o homem tem direito. 

Leio no Pirqe Abot, hoje, e procuro nas imagens que Chagall nos deixou de vários "rabinos", a inspiração.

Rabinos como o Rabi (ou Rabino) Hillel - que diz: 

Ama os outros, não te afastes da comunidade, não respondas por ti antes do dia da tua morte. Não julgues o teu próximo até te encontrares na sua situação” (Cap. II, 5)

o "suave rabi" de Pietro Lorenzetti, "Deposição da Cruz"

 Sim, o doce Hillel que eu admiro  disse-o: Hillel que que me lembra o “suave Jesus” que sabe perdoar e ajudar de que falou Eça nos seus Contos


Leonardo da Vinci, "Última Ceia", antes do restauro (pormenor)


Hillel, que defendeu a paz e a justiça, dizia:

Procurai ser discípulos de Aarão, amai a paz, procurai a paz, amai a humanidade e exortai-a ao estudo da lei Divina.” (Cap I, 12)

O Rabi que recusa a vingança, que previne os que matam o seu semelhante de que serão mortos por isso mesmo. Ao ver um crânio sobrenadando um rio, disse:

Um Van Gogh invulgar: "Caveira a fumar"

Porque afogaste outras pessoas, foste afogado, e quem te afogou virá também a ser afogado”. . (Cap II, 7)

Não por vingança, mas por justiça.

Marc Chagall, "O Rabi com a Torah vermelha"

O Rabi  Hillel, o justo Hillel,  que aconselha que se siga a ciência, o estudo, e que dá estes conselhos, ainda hoje modernos e fundamentais:


“Muito, estudo, muita ciência; muita prudência, muito entendimento; muita justiça, muita paz.” (Cap. II, 8)

Serei ateia? Pouco importa. Sei que uma religião que não seja a da recusa ou da exclusão do outro,  do ódio e da inveja, do poder de um sobre o outro, da recriminação e do castigo, essa eu aceito.
Chagall, "Árvore da Vida com cabrinha e Poeta"

A que seja a do abrir-se ao outro, abrir-se ao conhecimento da vida, deixar para trás a vingança e a ignorância, ensinar os tímidos que não aprendem, não ser presunçoso a ensinar, essa eu aceito.
Chagall, "Rabi e a Torah, em campo amarelo"

 Tanta coisa séria nos ensinam estes livros! Continuo com o Rabi Hillel:

"Aquele que quer muita celebridade, perde a que já tem; o que não aumenta os seus conhecimentos, diminui-os; quem não se quer instruir não é digno de viver. (...)” 

Chagall, "Rabi a estudar a Torah"

Somos irresponsáveis quanto ao nosso destino? Não! Ele fala da  responsabilidade que cada um tem na construção de si mesmo - em vez de deitar as culpas ao outro, como tantas vezes fazemos... Pensar:

 “Se eu não for por mim quem será por mim? E se eu não tomar conta de mim, quem sou eu? E se não for agora, quando será? (CAP I, 13)
Chagall, "Lamentação de Jeremias com a Torah"

“O idiota não teme o pecado; o ignorante não pode ser verdadeiramente devoto; o tímido não aprende; o irascível não ensina; os que se deixam absorver pelo comércio não adquirem a ciência
.”

Marc Chagall, "Rabbi" (litografia)

E conclui, apontando a Ética, que todos deveriam - deveríamos!- respeitar:

“ Onde não houver homens, procura ser homem.” (Cap II , 6) Ou Poeta...

Marc Chagall, "Aldeia Russa, ao luar"

 Fico-me hoje  pelo Rabi Hillel, mas muito haveria a dizer sobre a Ética! Aqui e noutros lugares. O importante é não ficarmos calados! Tentarmos subir um pouco: nós e os outros...

Chagall, "A Escada de Jacob"


(*) “PIRQÉ ABÓT, A ÉTICA  DOS PAIS”, traduzido do hebraico por Moses Bensabat Amzalak, lisboa, Imprensa Nacional, 1927


(**) O Rabino Hillel (60 aC- 9 eC) foi um famoso cabalista, uma das figuras mais importantes da história de Israel. Viveu no tempo de Herodes. Está associado ao estudo do Talmud e da Mishnà. Considerado um grande sábio e estudioso, foi o fundador da Escola de Hillel (Escola para Tannaïm, ou Sábios da Mishnà).

http://www.mycrandall.ca/courses/ntintro/lifej/PDFReadings/Abot.pdf

7 comentários:

  1. Muito interessante este post.
    As pinturas são lindas e gostei de ler sobre o Rabit Hillel e as suas ideias. Essa frase "não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti" ensino-a muito aos meus alunos, fazendo-lhes ver o seu significado.
    Estive a ler os dois primeiros links que deixou. O terceiro em inglês é que não.
    Não sei se a Maria João é ateia, eu sou católica, mas independentemente da religião, de acreditarmos ou não em algo, essa deveria ser uma máxima para nos orientar a todos: "Não faças aos outros o que não queres para ti!".

    Gostei muito do post!
    O livro de que fala não deve ser fácil de encontrar, mas vou espreitar no site Wook.

    Um beijinho grande :)

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    1. Tens toda a razão, Isabel. Aliás, importante é o que nos aproxima sempre e não o que nos pode afastar... Beijinhos

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  2. Há definições que eu não compreendo. "Ateu", segundo o dicionário, é quem não acredita na existência de Deus. Mas então temos que definir Deus. Voltando ao dicionário "o criador e o preservador do universo". Ora todos acreditames que o universo existe, porque o vemos, porque estamos dentro dele, e que ele se rege por leis inteligentes. Tentamos definir essas leis. Se as seguimos a nossa vida funciona, se as infringimos ela não funciona. É como o computador. Dizemos que são as Leis do Universo. Logo, todos acreditamos em alguma coisa. Uns chamam-lhe Universo, outros chamam-lhe Deus. É um conceito e uma questão de semântica. Não há ateus.

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    1. Sim, Inácio, e eu a si ouço-o sempre. Chamemos-lhe o que lhe chamemos há algo que existe, onde estamos, que nos regula ou desregula a vida...
      Como diz, "acreditamos que o universo existe, porque o vemos, porque estamos dentro dele, e que ele se rege por leis inteligentes. Tentamos definir essas leis. Se as seguimos a nossa vida funciona, se as infringimos ela não funciona..."
      Um grande abraço

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  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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    1. María, "saltou" o teu comentário com um click! Queres pôr outra vez? beijos

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  4. Maria João,
    Encantei-me ao ler este registo. Sou católica de nascimento, de cultura, de espiritualidade. Não sou praticante embora vá muitas vezes a um templo conversar. O tronco é comum: judaico-cristão. (...) Não conheço o livro "A ética dos Pais".

    Partilho, na minha profissão, uma palavra: T-O-L-E-R- Â-N-C-I-A.

    Detive-me nesta citação:
    “Se eu não for por mim quem será por mim? E se eu não tomar conta de mim, quem sou eu? E se não for agora, quando será? (CAP I, 13)
    Esquecemos-nos tantas vezes de nós.

    Sem dúvida a minha citação preferida: “ Onde não houver homens, procura ser homem.” (Cap II , 6)

    Beijinho.:))

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