quarta-feira, 30 de abril de 2014

"Canção", de António Botto



Canção

A nuvem que passa,
O sorriso que flutua,
Tudo
Quanto é intensamente vivo, -
O que é eterno e o que é frágil,
- Detalhe de arquitectura,
Pedaço de céu,
Tudo,
Tem no espelho o mesmo peso,
O mesmo valor,
E a mesma realidade.

Anoitece nos meus olhos.

Se vens falar-me d’ amor,
Vê lá bem se isso é verdade.

ANTÓNIO BOTTO  

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Pintura e pintores: Joseph Jeffers Dodge, americano...



Descobri por acaso um pintor que me interessou. Trata-se de Joseph Jeffers Dodge.

"The Good Life", 1966

"Encontrei-o" na capa de um  livro de que gostei muito e de que já falei aqui: um livro de Joyce Carol Oates, "Nous étions les Mulvaney" (tradução francesa das Editions Stock, 736 páginas, 1998, de "We were the Mulvaneys" -  The Ontario Review, em 1996).



A pintura intitula-se The Good Life e a capa mostra um pormenor - o canto superior direito do quadro... 



Joyce Carol Oates (16 de Junho de 1938-)

Joseph Jeffers Dodge foi um pintor norte-americano. Nasceu em 1927 e morreu em 1997. 


"Summer serenade"


Foi também gravador, professor e director artístico da The Hyde Collection em Glen Falls (de 1941-62)e director da   "Cummer Art Gallery", de Jacksonville, (Flórida) de 1962 a 1972. 

"lady of the rocks"


Publicou regularmente na revista Art Quaterly e fez  inúmeras conferências sobre história da arte. 


"From Afar"



"No Turning Back"

sábado, 26 de abril de 2014

O poeta José Duro, um grande esquecido!


José Duro

 Num livro que recorda os esquecidos do seu tempo, Mayer Garção, (Os Esquecidos, Empresa Editora A Peninsular, 1924)), leio um texto com muito interesse sobre o "mais esquecido dos esquecidos": José Duro. 

Um dia, o poeta que já publicara em 1896 o livro "Flores",procura Mayer Garção porque queria imprimir o seu segundo livro e, antes de o publicar, gostava que alguém o lesse:





“Encontrei-me com José Duro na cervejaria do Gelo. Não esquecerei nunca a febre que reluzia nos olhos desse rapaz, em cujas faces se descortinavam já os estigmas da morte  próxima. 
Sentámo-nos a uma mesa, e, com voz rouca, durante longo tempo, ouvi a leitura do seu manuscrito, entoada com estranha paixão. Os criados perpassavam, servindo fregueses, àquela hora ainda raros, e, a essa banal mesa de café, eu assistia ao desenrolar de imagens, escutava a música dos ritmos, via  desfilar as visões daquele espírito amargurado. 

(…) ali, aquele poeta desgraçado e amargo despenhava perante mim os diamantes do seu espírito, porventura imperfeitamente lapidados, mas dum brilho, duma pureza, duma água tão cristalina que se diriam porvir da terra virgem, aliando à cor do sol o perfume das flores silvestres.


Nunca ouvi ler assim, nem desejo tornar a ouvir ler assim. José Duro, com a sua voz rouca, quase não fazia uma pausa. OH! Rapidez terrível, aflitiva da sua leitura, a ânsia a exprimir em gritos o fruto da sua paixão! Dir-se-ia que esse rapaz, tão novo, receava não ter vida para chegar ao fim, e por isso traduzia a correr, a marcha final dos seus sonhos, na galopada frenética das suas palavras!”

José Duro, aos 16 anos

O livro que se intitula "Fel", é publicado na imprensa Libânio da Silva. Dias depois, Mayer encontra o amigo, que lhe apresentou José Duro, e pergunta por ele. Eis o diálogo:

"-Já não sai de casa.
- Piorou?
- Piorou assustadoramente.
E o livro?
-O livro está quase pronto. Pois se ele é tão pequeno!
Era bem pequeno e, todavia, como era grande!”

José Duro era um jovem poeta com a morte já marcada. Nasce Morre aos 23 anos.  Nasce a 22 de Outubro de 1875, em Portalegre, e morre, em Lisboa, em 18 de Janeiro de 1899. 


Portalegre ao longe, foto de D.C.

A tuberculose mina-o, sofre por não ter saúde, por amar e não ser amado, por tudo ter passado por ele e tão jovem! Queria ser igual aos que tinham saúde. Sofre...



"Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
(...)
Não sei do meu amor, saúde não na tenho,
E a vida sem saúde é um sofrer dobrado."

Tinha 23 anos quando morre...

Lembro-me do banco de José Duro, na velha Corredoura de Portalegre. 

A Florinda levava-nos lá e a minha avó também. E de vez em quando, à tardinha, nos dias de anos, a minha mãe levava-nos. Era ela que nos tirava as fotografias...



Brincávamos em correrias, jogávamos ao ringue e à bola. Havia bancos no meio das flores, ou pelo menos assim eu me lembro desse passeio público da minha infância. Os adultos sentavam-se, nós não parávamos de brincar... Sim, recordo o banco de José Duro! Tenho-o nos olhos, imagem num bronze esverdeado de um rosto jovem e sonhador. 

Hoje, transformada a Corredoura num parque inglês (?), o banco desapareceu, mas sei que o medalhão com o poeta está no Museu da Câmara. E o parque inglês até ficou bonito!


Quando o livro é publicado, O poeta quase não tem tempo para o ver ou para ler as críticas: três semanas depois, José Duro morre. Tuberculoso, como tantos poetas do seu tempo. Basta citar António Nobre e Cesário Verde. 

"Mas esses tinham tido o seu momento de glória, foram apreciados, conhecidos". 

Continua Mayer Garção:

“O pobre José Duro ignorado vivera sempre. O seu livro era sua estreia e ele morreu com a desoladora impressão de que ninguém o lera ou apreciara. Não conheço de todos os esquecidos nenhum mais esquecido. E, todavia, a sua memória há-de reflorir. Nessa magnífica, angustiosa e suprema poesia Doente, com que o Fel termina, uma quadra fecha o testamento do poeta.

"Por isso irei sonhar debaixo de um cipreste
Alheio à sedução dos ideais perversos…
O poeta nunca morre, embora seja agreste
A sua inspiração, e tristes os seus versos!"

Quero dar o meu contributo para que haja um reflorir do poeta! 


Como dizia ainda Mayer Garção, “A inspiração de José Duro não era agreste. Ela nascia, doce e  pura, na sua alma. Simplesmente, passava por uns lábios embebidos no fel dos desenganos.”


Leiam este lindo poema de Primavera que fala das coisas simples que um rapaz do campo, como ele, gostava de apreciar: a natureza...




Papoilas-Grilos

Papoilas em botão, preses a abrir, às vezes
Papoilas escarlates, na corola, um frade…
Pois quem não há-de, ó Alegria, quem não há-de
Rir do que dizem, desfolhando-as, os rapazes
Quando vagam, errantes, em busca de grilos
Campos em fora, almas agrestes como trilos,
“Não faças bulha, ó Andorinha, Ó Zé Talocas,
Que nos podem ouvir, que nos ouvem mexer.”
E os grilos emudecem, transidos nas tocas
Ou à sombra d’algum malmequer. E é dor ver
Aquela guerra de traição, que raro falha,
Dos rapazes cruéis, armados de uma palha,
Que é para o mundo do griledo concertante
O mesmo que uma lança é para um elefante!

(in Flores)

Papoilas, Foto de Isabel V.

Ou este soneto, tão diferente no tema e no tom dorido:

Em busca

"Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tão outro, tão mudado...
Sem desvendar a causa, ó íntimo cuidado
Que sofro do meu mal - o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
Não sei do meu amor, saúde não na tenho,
E a vida sem saúde é um sofrer dobrado.

A minh'alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, à hora do sol posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros...

E, à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo só, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros..."

in Antogia de Poetas Alentejanos



Fernando Pessoa e Cesário Verde consideram-no como exemplo. José Régio, grande poeta -felizmente não esquecido!- gostava dele. Escreveu um soneto que lhe é dedicado:

http://falcaodejade.blogspot.pt/2011/02/um-poema-sobre-o-poeta-jose-duro-por.html 

Outros blogues que o não esqueceram... e a cujos autores agradeço as fotografias que de lá roubei...


quinta-feira, 24 de abril de 2014

E o dia veio chegando devagar...

o "poster" mais famoso!

Sim, o dia 25 de Abril de há 40 anos veio chegando devagar…
Não o sabíamos ainda, mas nessa noite tudo se iria modificar no país e nas nossas vidas.

"Capitães de Abril"

Passaram 40 anos desta noite que -hoje- acontecerá…

Lembro que, há 40 anos, um amigo jovem miliciano telefonou aos pais avisando que havia movimentos de tropas e eles telefonaram-nos. 

Ninguém sabia o que era. Golpe militar? Contra o regime, com certeza, mas… e se fosse da direita? Iríamos passar para uma situação ainda pior?

E a noite foi andando.

Canções eram os códigos de comunicação entre os que se moviam (como nos filmes!)- eram o “santo” e a “senha” e “respondiam-se”, na rádio. Quem sabia, ia em frente, avançava com o sinal recebido. 

E, assim, a canção "E depois do adeus", cantada por Paulo de Carvalho foi o 1º sinal:

 http://youtu.be/pJrtNwD_r_0

E, horas depois, ouve-se "Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso, que foi o arranque dos vários quartéis. Escolha simbólica porque canção fora proibida antes do 25 de Abril.

http://youtu.be/gaLWqy4e7ls

Depois… depois foi a manhã, nascida de novo, fresca, com os cravos que, pelo caminho, junto aos mercados, ali na Ribeira, os soldados iam recebendo das vendedoras. Adivinhariam elas o que ali vinha? 

Imagens do filme "Capitães de Abril"

No fundo aqueles soldados eram também filhos delas, também. Quantas não tinham tido os filhos na guerra? Talvez os vissem assim: jovens, fardados, de espingarda e um olhar perdido. Quiseram animá-los.

à entrada do quartel do Carmo

Iam viver-se momentos difíceis, de perigo e de mediação, de inteligência, para que a revolução pudesse ser o que foi: a "Revolução dos Cravos" e, não, um banho de sangue...

Salgueiro Maia: o cerco do quartel do Carmo




É isto que eu quero lembrar hoje. Hoje, Véspera do Dia. ´
Do Dia 25 de Abril, dia de generosidade, em que conhecemos a liberdade! 


Quero deixar-vos o filme de Maria de Medeiros que traz sempre muitas recordações. Boas recordações! E que me comove sempre! 

Vi-o da última vez, numa turma do 12º da noite, na Escola da Portela de Sintra. Muitos dos meus alunos não sabiam o que tinha sido verdadeiramente o 25 de Abril! Estavam entusiasmados por verem jovens "portugueses" como eles a lutar pelo que hoje eles têm ...sem dificuldade nenhuma!

imagem do filme


"Capitães de Abril: filme realizado por Maria de Medeiros ,em 2000. É a sua primeira longa-metragem. O filme recebeu vários prémios internacionais (e nacionais). 
Baseia-se, exactamente, na história do “golpe militar” do 25 de Abril. O filme é uma homenagem às figuras simples, dos jovens soldados que participam no golpe, nesse tempo difícil. Destaca-se a importância dada ao capitão Salgueiro Maia.
a figura de Salgueiro Maia, no filme


Os actores são Joaquim de Almeida, Stefano Accorsi (Salgueiro Maia)e Maria de Medeiros, entre outros.


Fernando Salgueiro Maia nasceu em 1 de Junho de 1944, em Castelo de Vide. Morreu, há vinte anos, em Fevereiro de 1992.

http://falcaodejade.blogspot.pt/2012/04/abril-voltara-sempre-flores-para-uma.html

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O dia de hoje e um poema! Edith Piaf canta "Eden Blues"

"Vontade de nada ser
Senão a vida d’ agora."

Eu...hoje? ontem? há um mês? sempre eu...

E amanhã será um dia como quisermos! Guardemos a beleza do que vimos e vivemos em cada dia!

ontem, ao pé do mar?

"Este dia de hoje é o que temos para viver, deixemos para trás o ontem, que já passou, e o amanhã que ainda não chegou, nem sabemos se virá..."
(Rabbi Nahman de Breslaw)

há um mês, no Guincho?


há um ano, na Ericeira?


há uma semana, em Lisboa?


EXCESSO DE VELOCIDADE

Uma cantiga a subir
Como um desejo sem norte
Como se um raio de sol
Nascesse do nosso fundo…
Vontade de nada ser
Senão a vida d’ agora.
Passagem d’ algum expresso
Mal entrevisto entre fumo
Rumor d’ asas,
amanhecer,
sem que o dia chegue a vir…

Adolfo Casais Monteiro


In  Poesias Completas, Portugália Editora, Lx.1972

a alegria...há quantos anos, em São Tomé? 


EDEN BLUES 

(música e letra de George Moustaki)

En descendant le fleuve argent
Qui roule jusqu'au Névada
On voit la plaine qui s'étend
A l'est de Santa Lucia
Les villes s'appellent Natividad,
San Miguel ou San Lorenzo
Les filles s'appellent Soledad
Les garçons gardent les troupeaux

C'est là que Jim a rencontré?
Sur une route un soir de pluie
Catherine la fille d'un fermier
Et qu'ils s'aimèrent toute la nuit
Le soleil fait briller son or
Dans quelques rares flaques d'eau
Le cactus forme le décor
Le chardon couvre les coteaux

C'est là qu'Adam le sénateur
Est venu finir ses vieux jours
Puis il est mort d'un coup au coeur
On prétend que c'est du mal d'amour
Mais les fleurs couchées par le vent
Semblent prier pour son repos
La lune verse une larme d'argent
Sur la croix blanche du tombeau

En descendant le fleuve argent
Qui roule jusqu'au Névada
On voit la plaine qui s'étend
A l'est de Santa Lucia
Les villes s'appellent Natividad,
San Miguel ou San Lorenzo
Les filles s'appellent Soledad

Les garçons gardent les troupeaux...