Há
filmes que nos impressionam mais do que outros, é evidente, quase uma verdade
de La Palisse. E sempre por razões diferentes. Estados afectivos, fragilidades, momentos de
emoção, cansaço, que, por vezes, nos tornam susceptíveis. Ou nos encontram mais sensíveis.
Falo
do filme de Clint Eastwood - Cartas de Ywo Jima- que fala de uma realidade terrível, a da
guerra.
Infelizmente, realidade que nunca anda longe do homem, com o seu
cortejo de atrocidades, injustiças ou heroísmo.
Neste
caso, é a Guerra do Pacífico, episódio final da Grande Guerra, em que americanos e japoneses lutam pelo domínio de
uma pequena ilha : Ywo Jima.
O
realizador apresenta a história vista de outro prisma, diferente da que estamos
mais habituados a ver: é agora o olhar do Japão.
O outro lado…
Já
antes se dedicara a “retratar” o
conflito no filme intitulado "A Conquista da Honra".
Baseado no livro de James Bradley e Ron Powers, “Flags of Our
Fathers”, foi apresentado em 2006. Nele referia o ponto de vista dos americanos, já depois da conquista de Ywo Jima.
"Cartas
de Iwo Jima"- é apresentado por Eastwood dois meses depois desse outro filme.
japoneses...
americanos...
Duas
faces do sofrimento e da morte, contadas de pontos de vista diferentes, em que a atitude, as
motivações (no fundo as mesmas...), se apresentam com contornos diversos, pequenas "nuances".
A
Guerra do Pacífico é considerada como um dos maiores e mais dolorosos conflitos da Segunda Guerra Mundial.
Dura apenas 40 dias, entre Fevereiro e Março de 1945, com a guerra a chegar ao fim -e quantos mortos!
E mais virão ainda...
As pessoas reagem de modo diferente conforme a sua cultura e o mundo a que pertencem: neste caso é o
Japão, o Império do Sol Nascente.
A
batalha de Iwo Jima, aqui, é a luta
pela conquista, por parte dos americanos, da ilha recentemente ocupada pelo exército japonês.
cena do filme “Flags of Our Fathers”
Posição vital, a 600 milhas apenas de Tóquio esta pequena ilha, com cerca de sete quilómetros de comprimento, no sopé do monte vulcânico de Suribachi, de cerca 180 metros de altura, será um ponto estratégico da Guerra do Pacífico
.
Essencial para os americanos poderem “alcançar” o Japão, ali querem criar uma base de onde o possam bombardear. O desembarque dos "mariners" é, pois, inevitável.
E é ela vai
decidir da "sorte" dos combatentes. No caso, o "lado" japonês sai vencido. E é a esse momento de horror que assistimos.
No
Japão, a honra é talvez mais "mitificada" do que no Ocidente e
"obriga" a determinados gestos, a um ritual próprio em caso de ser
enxovalhada.
Assim, muitos oficiais japoneses se suicidaram durante a batalha de Ywo Jima, fazendo harakiri. Outras vezes, um tiro de
espingarda resolveu a dificuldade. Ou, impossibilitados de o fazer, um amigo dá-lhes
o golpe de misericórdia.
Emocionam
essas cenas de violência enorme, que, no entanto o realizador e a qualidade dos
actores e as imagens a preto e branco conseguem transfigurar em cenas de grande beleza.
O
General Tadamishi Kuribayashi (com um grande actor Ken Watanabe, no papel),
é uma figura verdadeira, que existiu e foi o comandante da operação. Um homem de classe e coragem que tem como missão retardar o mais que for possível o
desembarque dos americanos na ilha. Da sua acção, dependerá a sorte dos japoneses. Missão que sabe votada ao fracasso, mas que leva a cabo até à morte…
As “Cartas” do título são as que escreve à mulher, espécie de “diário” de campo.
E não posso deixar de lembrar um livro de que já aqui falei: "Estas vozes que nos vêm do mar" que reúne as cartas dos soldados japoneses, enviadas às famílias, os queixumes, a tristeza e a vontade de defender a terra amada.
No fundo, as pessoas são sempre iguais: amam, lutam, choram, têm saudades dos seus, têm reacções infantis, têm medo, matam e matam-se...
E sofrem sempre - seja em que campo que estejam...
Um dos pobres soldados - o ‘soldado-tipo’ de todas as guerras que não percebe por que está ali- deixara para trás a jovem esposa grávida. Ingénuo e esperto, decide que vai voltar a casa seja como for. Ferido, volta numa padiola, mas vivo. Também ele escreve cartas à mulher, cartas que nem sabe se seguirão...
Recordo uma figura
inesquecível de utopista: a do Capitão (não recordo o nome) que fora campeão
olímpico hípico.
Chega, orgulhoso, com o seu cavalo Ulisses, com o qual vencera os Jogos, decidido a lutar e morrer, sabendo que a batalha está
perdida porque sabe que ninguém vira reforçar a unidade porque o exército
imperial está perdido.
Será
um fiel apoio do General Kuribayashi, no momento em que outros oficiais
discordam da estratégia escolhida e lhe boicotam as ordens. Kuribayashi mandara escavar grutas na rocha vulcânica e tornar invisíveis, do lado do mar, as
unidades com seus ninhos de metralhadoras.
Dentro das grutas, as emanações de enxofre da montanha vulcânica tornam a vida dos soldados e oficiais mais difícil.
Não há comida, não há água, não há munições. Resistem. Desde o dia em que o mar aparecera coalhado de barcos e os fuzileiros tinham invadido o areal que resistem.
Mas serão necessários 40 dias até que os japoneses se rendam, se suicidem, ou morram.
"Durante os seus mais de 140 minutos de
duração realmente adentramos aquele universo sufocante na qual os soldados
japoneses eram obrigados a viverem durante meses, escondidos em cavernas e
suportando o cheiro do enxofre sempre com a angustiante ansiedade da morte cada
vez mais próxima.
A fotografia de Tom Stern inclui tons cinza à medida que os
fatos vão ficando dramáticos, a escolha dessa cor fria provavelmente foi
inspirado nas rochas da ilha e no sacrifício físico passado pelos homens." (wikipedia)
durante as filmagens
Em
2007, o filme recebe o Prémio do Golden-globe.
Em
2008, Academia Japonesa de Cinema premiou o filme, na categoria de melhor filme
em língua estrangeira.
Clint
Eastwood nunca desiste de contar as histórias que incomodam, filmadas
do seu ponto de vista, e criticando as injustiças raciais (Gran Torino), a
exploração das pessoas do desporto (A Million Dollars Baby) e outras injustiças.
Por curiosidade, deixo a frase em que ele confessa ao jornal El Pais o segredo de tanta vitalidade e juventude: “manter-se ocupado”.
“Mi
secreto es el mismo desde que en 1959 hice Rawhide: mantenerme ocupado. Nunca
dejo que el viejo entre en casa”.
Bem, já estou preparada para ver brevemente o novo filme dele:
The Jersey Boys… Já anda por aí nos cinemas!